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Em 19 de maio de 2006, Bento XVI afastou oficialmente Marcial Maciel Degollado (1920-2008), fundador dos Legionários de Cristo, da vida pública. Isso encerrou – em parte – uma longa investigação, décadas de alegações e um dos casos mais escandalosos de abuso dentro da Igreja Católica.
Marcial Maciel: O Lobo de Deus, série documental lançada na HBO Max, é uma compilação jornalística de alguns dos marcos deste escândalo. Em quatro capítulos de aproximadamente 45 minutos, explora a vida de Maciel, desde os abusos sofridos na infância e sua passagem irregular pelo seminário, até seus últimos dias, quando, segundo testemunhas, recusou-se a confessar. A série narra as doações milionárias que recebeu, sua amizade com cardeais e papas, sua vida quádrupla – Maciel foi simultaneamente fundador de uma congregação religiosa, pai de família no México e na Espanha e turista sexual na Tailândia – e, acima de tudo, seu abuso de menores.
Esta é a parte mais dolorosa e difícil de uma série documental que merece seu tom quase sempre contido e informativo. Marcial Maciel: O Lobo de Deus apresenta três ex-legionários abusados pelo padre, que foram os primeiros a denunciá-lo. Os depoimentos, que evitam se deter nos aspectos mais escabrosos, são, ainda assim, arrepiantes.
Além disso, Marcial Maciel: O Lobo de Deus se baseia em depoimentos de jornalistas que cobrem o assunto há décadas. Assim como no filme Spotlight: Segredos Revelados, a importância do jornalismo investigativo para descobrir a verdade em um caso bastante complexo fica bem clara, já que Maciel criou uma estrutura rígida de silêncio em torno de si e um culto ao líder que silenciou alguns e cegou quase todos os outros.
O assunto é o líder, não a congregação
Comparado a outras reportagens recentes que demonstram um acentuado viés antirreligioso e uma falta de precisão na reportagem, Marcial Maciel: O Lobo de Deus é um produto mais sério. Primeiramente, porque o que relata é apoiado por abundante documentação e comprovado sem sombra de dúvida: o próprio Vaticano declarou que “o comportamento imoral de Maciel é genuinamente criminoso e reflete uma vida desprovida de escrúpulos e genuíno sentimento religioso”. E também porque o foco da reportagem é muito claro. É um documentário sobre Maciel, não sobre a Legião de Cristo ou a Igreja Católica.
O produtor da série, Sebastián Gamba, deixou claro: “Não se trata de falar de fé. Acredito que a religião católica, para quem a vive, é uma coisa maravilhosa. Trata-se de mostrar os limites da natureza humana e mostrá-los pessoalmente, em alguém que cometeu todos os abusos que pôde.”
No entanto, as queixas de alguns legionários que gostariam de ter um pouco mais de voz e representação no documentário são compreensíveis. Talvez ampliar um pouco o foco e mostrar como os legionários lidaram com essa tragédia teria acrescentado valor informativo à reportagem.
O papel de João Paulo II
A outra questão controversa é o papel de São João Paulo II neste caso. O documentário assume um encobrimento por parte do pontífice polonês, baseando-se em sua suposta amizade com Marcial Maciel e em inúmeros gestos positivos em relação à Legião, embora também aponte para as manobras que o fundador dos Legionários planejou desde o início para ganhar o favor dos papas.
A realidade é que essa questão espinhosa não tem uma resposta tão simples. A especialista mexicana em Vaticano, Valentina Alazraki – que conhece profundamente o caso – publicou um interessante comentário após ver a série documental, fornecendo dados, nomes e reflexões. Em suma, Valentina sustenta que muitos fatores impediram João Paulo II de enxergar a realidade que cercava Maciel, incluindo sua elevada concepção do sacerdócio e o fato de ter vivido sob um regime – comunista – que rotineiramente acusava falsamente padres de abuso.

Mas Valentina também aponta que Maciel encontrou uma rede de encobrimento dentro do Vaticano orquestrada por indivíduos específicos, o que fez com que algumas informações só chegassem ao papa muito tarde. Ela acrescenta vários trechos de entrevistas sobre o assunto, incluindo uma com o papa Francisco, que teria ficado chocado ao saber do caso, dizendo que Maciel era uma pessoa muito doente e que agradeceu pessoalmente a João Paulo II por dar sinal verde à investigação e a Bento XVI por concluí-la.
Em suma, um documentário muito doloroso, principalmente para as vítimas diretas e também para todos os católicos, mas sério e reflexivo. Um produto notável do ponto de vista jornalístico.
© 2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.
- Marcial Maciel: O Lobo de Deus
- 2025
- 4 episódios
- Indicado para maiores de 16 anos
- Disponível na HBO Max
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