• Carregando...
O diretor artístico belga Michel Bareau mostra o logotipo do novo museu Tintin antes de uma coletiva de imprensa em Bruxelas, 14 de janeiro de 2009. | FLR/JGFRANCOIS LENOIR
O diretor artístico belga Michel Bareau mostra o logotipo do novo museu Tintin antes de uma coletiva de imprensa em Bruxelas, 14 de janeiro de 2009.| Foto: FLR/JGFRANCOIS LENOIR

Na semana passada, os fãs de Tintim celebraram os 90 anos do repórter criado pelo quadrinista belga Hergé, pseudônimo de Georges Remi. A série de quadrinhos conta a história de um correspondente internacional e de seu fiel cãozinho Milu enquanto eles percorrem o mundo lutando contra criminosos, resolvendo mistérios e dando furos. Quando eu era criança, adorava ler os álbuns de Tintim. Mas ao reler a série como adulto, aprendi a apreciar a camada mais profunda de sátira política e das controvérsias ao seu redor.

Hergé começou a série em 1929 para o jornal católico Le Vingtieme Siècle e, sem dúvidas, as histórias refletem os tempos turbulentos em que ele viveu. Em sua estreia, Tintim no país dos sovietes (publicada de forma seriada entre 1929 e 1930), Tintim é enviado para cobrir o governo bolchevique sob a liderança de Stálin e é calado pela polícia secreta. Os soviéticos são retratados como fracos e desonestos. “Por Trotsky! Como esse casca de banana foi parar debaixo do meu pé?”, exclamaria um aspirante a assassino em um momento de comédia pastelão. Outra cena mostra “comunistas ingleses diante das belezas do bolchevismo”, tirando sarro da credulidade dos simpatizantes dos sovietes. 

No alvorecer da Segunda Guerra Mundial, Hergé escreveu ‘O cetro de Ottokar’ (1938-1939), criando o vilão Müsstler como uma combinação de Mussolini e Hitler. A história é uma crítica do expansionismo nazista — e especialmente uma resposta à anexação da Áustria. No entanto, depois que os alemães ocuparam Bruxelas em 1940, Le Vingtieme Siècle foi fechado por ser católico. Hergé passou a trabalhar para o principal jornal belga, Le Soir, que estava sob controle nazista. 

O quadrinista procurou evitar temas políticos nesse período: Tintim vai ao Marrocos combater traficantes de drogas, depois se dirige ao Oceano Ártico em uma expedição científica em busca de um meteorito e então vai em busca de um tesouro deixado pelos ancestrais de seu amigo, o Capitão Haddock. Após a libertação de Bruxelas pelos Aliados em setembro de 1944, porém, Hergé foi investigado por conluio com os nazistas e a publicação seriada de ‘As 7 bolas de cristal’ foi interrompida. 

A investigação se deu porque Hergé havia desenhado alguns personagens judeus de forma estereotipada e depreciativa. Ainda assim, ficou decidido que o seu alinhamento com os alemães tinha sido acidental e que suas histórias tinham servido muito mais para elevar o moral dos belgas do que para apoiar o Terceiro Reich. Depois da guerra, Raymond Leblanc, que tinha sido um dos líderes da resistência belga, deu à luz uma revista independente de Tintim para que as histórias pudessem continuar. Outro líder da resistência disse que Hergé “tinha sido mais um pateta do que um traidor”. 

De fato, o episódio lembra os apuros em que se encontrou P. G. Wodehouse, um escritor inglês que vivia na França no tempo da ocupação alemã, depois de fazer algumas transmissões alegres e despreocupadas na rádio nazista. George Orwell escreveu em sua defesa, em 1945: 

Há um velho dito que diz que quando a lama é demais respinga em quem está por perto, e um pouco de lama respingou em Wodehouse de uma maneira peculiar. [...] Na época, várias cartas à imprensa alegavam que seus livros tinham “tendências fascistas”, e a acusação se repetiu desde então. [...] Mas é importante se dar conta de que os eventos de 1941 não responsabilizam Wodehouse por nada mais grave do que a estupidez. 

O mesmo pode ser dito de Hergé, em quem, talvez, tenha respingado mais lama. Outro de seus erros foi o modo infantil e primitivo como ele retratou os congoleses em Tintim na África (1930-1931). Embora as atitudes colonialistas do quadrinista que tinha então 22 anos fossem comuns na época, o livro sem dúvidas prejudicou sua reputação. No entanto, seu sentimento antirracista aparece de maneira veemente em Tintim na América (1931-1932) e em sua caracterização sensível e simpática dos chineses em O lótus azul (1934-1936), cujo cenário é a invasão japonesa em 1931. 

Apesar disso tudo, com o 90º aniversário de Tintim, se recorda quão memorável a série realmente é. Além de combater comunistas, enfrentar fascistas e lutar contra gangsteres, contrabandistas, cientistas malignos e muito mais, Tintim pousou na lua 15 anos antes de Neil Armstrong em ‘Explorando a Lua’. Não é nenhuma surpresa que, em 1983, ele tenha atraído a atenção de Hollywood e Steven Spielberg, judeu, tenha comprado o direito de adaptar a série para o cinema. ‘As aventuras de Tintim’, dirigido por Spielberg e produzido por Peter Jackson, estreou em 2011. 

Para além de seu significado histórico, existe uma atemporalidade em Tintim que se deve ao seu caráter extraordinário. Tintim foi criado em um tempo em que a coragem moral e física importavam mais do que qualquer outra coisa. Embora não seja de maneira algum perfeito, seu espírito permanece. Como terminam muitas de suas histórias: “Vida longa a Tintim e Milu!” 

Tradução: Felipe Sérgio Koller 

©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]