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Fenômeno, “Pluribus” dá vida ao mundo sonhado em “Imagine”, de John Lennon

Reah Seehorn brilha como protagonista na série "Pluribus"
Reah Seehorn brilha como protagonista na série "Pluribus" (Foto: Divulgação/Apple TV)

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Imagine não haver países, nem religiões, nem guerras; nada para matar ou morrer por. Imagine também a inexistência de posses, sem ganância nem fome, apenas uma irmandade universal. Essa é a visão utópica que John Lennon imaginou em sua icônica música de 1971, um hino à felicidade conquistada pela abolição das divisões humanas.

Para muitos, é um sonho inspirador. Mas e se essa realidade se revelasse um pesadelo? E se a ausência de conflitos e sofrimentos não libertasse a humanidade, mas a aprisionasse em uma harmonia forçada, onde a individualidade é o primeiro sacrifício?

É exatamente isso que Pluribus, a nova série de Vince Gilligan, criador de Breaking Bad, convida a visualizar em sua primeira temporada, lançada em 2025 e disponível na Apple TV. Mais que ficção científica, o seriado é quase um ensaio vivo sobre o custo oculto dos ideais coletivistas, transformando o Imagine de Lennon em um espelho distópico.

A utopia de Lennon: um sonho de desapego coletivo

Para entender Pluribus, vale revisitar Imagine. Lennon, em meio ao caos dos anos 70, com guerras, divisões sociais e uma contracultura em ebulição, propôs um mundo em que a felicidade é coletiva, quase transcendental, onde o "eu" se dissolve no "nós". Pode soar poético, apesar da sua ingenuidade, mas quando o preço real de algo assim significa uma paz que só pode existir esmagando o que nos torna únicos, a utopia se revela, na verdade, uma distopia.

É o que Pluribus retrata com sagacidade. Ambientado em um contexto de "harmonia universal", conquistada não por escolha, mas por abolição das individualidades, é como se o seriado adicionasse versos realistas à letra de Lennon: "Imagine todas as pessoas vivendo para os outros/ mas sem existir um outro de verdade".

Gilligan, com sua maestria em trabalhar dilemas éticos, questiona: a felicidade coletiva é real se custa a liberdade individual de sentir, escolher, falhar? É como se Pluribus fosse um seriado sobre zumbis, mas zumbis supostamente “do bem”.

O contraste em Pluribus: perda de individualidade x felicidade ilusória

O coração reflexivo do seriado está nessa inversão: o que Lennon via como libertação, a série apresenta como prisão. Em um mundo onde todos sorriem perpetuamente, a protagonista, uma das poucas não “abduzidas” pelo “sistema” (interpretada com brilho por Rhea Seehorn), emerge como contraponto humano.

Ela não é uma heroína convencional. Como uma das últimas personalidades autênticas, torna-se um lembrete incômodo: vale mais ser um "eu" defeituoso do que um "ós" sem alma. A série sugere que o ideal coletivista que Imagine canta sonhadoramente, soa nobre, mas na prática leva a uma homogeneização artificial, sem conexões genuínas. É uma crítica sutil à despersonalização que as redes sociais costumam causar, unificando-nos em bolhas e narrativas compartilhadas que muitas vezes impedem ou desvalorizam o individual.

"Pluribus" é do mesmo criado do fenômeno "Breaking Bad", Vince Gilligan"Pluribus" é do mesmo criado do fenômeno "Breaking Bad", Vince Gilligan (Foto: Divulgação/Apple TV)

Pluribus tem sido elogiada pela audácia conceitual em subverter utopias clássicas, considerada como uma "parábola moderna" que ecoa Black Mirror. É isso, mas construindo uma verdadeira reflexão filosófica sobre o que é ser humano. A atmosfera tensa, construída mais por silêncios e inações do que diálogos, incomoda, e o ritmo lento dos episódios pode frustrar quem busca ação rápida. Mas é esse desconforto que nos coloca no lugar da protagonista, transformando o espectador em parte do drama, não seu mero observador.

Uma reflexão mais do que necessária

Em um mundo cada vez mais coletivo, com os algoritmos de redes sociais nos cimentando em bolhas que sacrificam o singular pelo todo, cancelando tudo o que não seja espelho, como vemos nas polarizações políticas atuais, Pluribus chega em boa hora.

Se Lennon sonhava com um mundo sem diferenças, o seriado nos provoca a pensar se, com isso, não perdemos o que nos faz ser quem somos e nos impulsiona a querer ser melhor. E se o preço da paz for a perda de nós mesmos?

Pluribus ainda está nos primeiros episódios, mas a reflexão que propõe com seu tema já vale a pena, ainda que no seu desenvolvimento Gilligan se perca. Se você busca uma série que vai além do entretenimento, aposte nessa: fará você imaginar o que seria do seu mundo imperfeito se a perfeição implicasse não ter você dentro dele.

  • Pluribus
  • 2025
  • 9 episódios
  • Indicado para maiores de 16 anos
  • Disponível na Apple TV

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