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A polêmica campanha publicitária de jeans com Sydney Sweeney ainda faz barulho. Entre acusações de eugenia e defesas apaixonadas, a controvérsia em torno do trocadilho “Sydney Sweeney has great jeans” (Sydney Sweeney tem jeans incríveis), que, em inglês, soa como “Sydney Sweeney has great genes” (Sydney Sweeney tem ótimos genes), reacendeu o debate sobre o papel da beleza e da sexualidade na mídia.
A ambiguidade intencional da frase dialoga com padrões estéticos de um passado nem tão distante e que a cultura woke predominante tenta não só censurar como apagar da história. Há uma evidente fadiga cultural com o politicamente correto e campanhas assim significam mais o aproveitar dessa onda “reacionária” do que uma defesa de algum valor ou ideal. No fim das contas, dinheiro é o que interessa. É sobre isso. Ainda assim, o retorno do sex symbol ao mainstream, com tudo o que isso representa de bom (valorização da beleza) e de problemático (objetificação da mulher), é um fenômeno digno de nota.

Mas para entender o sex symbol é preciso recuar no tempo, compreendendo melhor o arquétipo da femme fatale, a mulher fatal, sedutora e muitas vezes destrutiva. Encontramos suas raízes em figuras míticas como a demoníaca Lilith, que subverte a ordem patriarcal com sua autonomia sexual e recusa à submissão, tornando-se um símbolo de desafio e independência. Já a feiticeira Circe, também retratada na Odisseia, de Homero, representa o poder transformador e perigoso da sedução feminina, capaz de despojar homens de sua humanidade. E não se pode esquecer da bíblica Salomé, com sua dança lasciva que culmina no pedido da cabeça de João Batista, que solidificou essa imagem de beleza e perigo, tornando-se um ícone na literatura, como na peça de Oscar Wilde, e na ópera de Richard Strauss, onde sua sexualidade é intrinsecamente ligada à morte e ao caos.
No cinema, desde o início elas se fizeram presentes, como nas "vamps" do cinema mudo, tendo a atriz Theda Bara materializado essa figura com um exotismo calculado. Mais adiante, no film noir dos anos 40, atrizes como Rita Hayworth em Gilda elevaram a femme fatale a um novo patamar de mistério, intriga e independência feminina, mesmo que para fins nefastos. Entretanto, com as transformações sociais as representações femininas se tornaram mais complexas a partir da metade do século XX, com a figura da femme fatale, em sua versão mais unidimensional e predatória, dando espaço para novos tipos de símbolos que exploravam outras facetas da mulher, como sua vulnerabilidade, tornando sua sensualidade mais acessível e menos ameaçadora.
Esta figura do sex symbol tal qual a conhecemos hoje talvez tenha encontrado sua forma mais icônica em Marilyn Monroe. Marilyn não era uma femme fatale no sentido clássico; era a materialização da sensualidade combinada com uma inocência cativante e uma fragilidade palpável. Ao contrário da femme fatale, que muitas vezes manipulava e destruía, Marilyn exalava uma sexualidade que era ao mesmo tempo poderosa e acessível, carismática e, por vezes, trágica, que a tornou um ícone duradouro. Sua persona pública também era uma mistura paradoxal de glamour inatingível e uma vulnerabilidade quase infantil, que a tornava tanto objeto de desejo quanto de empatia.
Interpretações expressivas
É nessa linhagem que Sydney Sweeney se posiciona de forma notável. Com sua beleza clássica e formas curvilíneas, ela evoca um certo glamour hollywoodiano de antigamente, que a distingue no cenário contemporâneo. Sweeney encarna a sex symbol do século XXI, equilibrando uma sensualidade inegável com uma vulnerabilidade que ressoa com o público. É em seus melhores trabalhos que essa combinação se manifesta de forma mais trágica e profunda.
Em Euphoria, seriado premiado da HBO, sua interpretação de Cassie Howard é um mergulho na psique de uma jovem que busca validação por meio da imagem e da sexualidade, revelando a fragilidade e o desespero por trás da beleza idealizada e da busca incessante por aprovação masculina. Da mesma forma, na primeira temporada de The White Lotus, como Olivia Mossbacher, ela projeta uma imagem de sofisticação e mistério que esconde complexidades, inseguranças juvenis e uma inteligência afiada, mas usada de forma cínica.
Em ambos os papéis, Sweeney explora as nuances de personagens femininas que usam sua beleza, mas que são, em essência, figuras complexas e, muitas vezes, tragicamente vulneráveis em busca de algo mais profundo. Por ambos os trabalhos, recebeu nomeações ao Emmy, o que revela que Sydney Sweeney, embora saiba aproveitar do rótulo de sex symbol, tem um potencial artístico para ir além e que merece ser explorado. Ao leitor que quiser conhecê-la mais por seu talento, há dois filmes disponíveis em serviços de streaming que valem a pena serem assistidos: Reality (2023), na Netflix, e Echo Valley (2025), no Apple TV+.
Em Echo Valley, ela explora elementos que remetem ao arquétipo da femme fatale, com uma interpretação que entrega muito mais do que isso, digna de uma grande atriz. Já Reality se trata deum thriller íntimo e baseado em fatos reais, quase inteiramente ambientado em um único cômodo e focado no interrogatório, pelo FBI, de Reality Winner, interpretada por Sweeney. Sua performance é contida, mas intensamente expressiva, retratando a pressão psicológica, o isolamento e as consequências morais de se posicionar em um cenário de guerra cultural e política. Preste atenção à forma como ela constrói uma personagem complexa, assustada, mas com convicções, o que transcende sua beleza ou apelo sexual.
Além disso, serve também como um ótimo "remédio" contra o julgamento apressado sobre seu suposto “lado” em um dos exércitos nessa polarizada batalha cultural em que vivemos. Afinal, se a campanha publicitária do jeans a colocaria do lado “conservador” ou “reacionário”, a interpretação em Reality a joga do lado oposto. Na verdade, Sydney Sweeney é, mais do que tudo, uma atriz e, com sua arte, também um espelho das tensões de nosso tempo, em que a independência artística parece ter se tornado uma impossibilidade. Quanto mais artistas consigam enfrentar as controvérsias de sua imagem, revelando uma profundidade e complexidade humanas que impeçam de serem reduzidos a ideologias ou estereótipos, mais relevantes e necessários se tornarão no cenário cultural atual.
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