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Estreia literária

“Ravier com J”: romance de liderança do MBL Arthur do Val é constrangedor

"Ravier com J" é o primeiro livro do deputado estadual cassado Arthur do Val
"Ravier com J" é o primeiro livro do ex-deputado estadual por São Paulo Arthur do Val (Foto: Francisco Escorsim)

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Arthur do Val, ex-deputado estadual por São Paulo e uma das figuras mais proeminentes do MBL (Movimento Brasil Livre), lançou um romance intitulado Ravier com J. Do ponto de vista estritamente literário, o melhor que se poderia dizer é nada. A obra é constrangedora, infelizmente.

O romance conta a história de Javier, um músico supostamente talentoso que enfrenta o dilema clássico entre integridade artística e sucesso comercial. O protagonista é confrontado com essa escolha a todo momento, como a de alterar a grafia de seu nome para "Ravier com R" como condição para alcançar fama e fortuna, o que ele aceita.

A estrutura narrativa é linear e previsível, com pouco espaço para ambiguidades e complexidades. O conflito central, embora potencialmente rico, é desenvolvido sem criatividade, disfarçada de didatismo moral, com o narrador, em vários momentos, interrompendo a narrativa para ajudar o leitor a entender o que se quer dizer com o que se narra.

Um exemplo, de vários espalhados pelo livro: “Já reparou que as pessoas mais legais dificilmente discordam da gente?” (página 10), surge para explicar que um dos personagens era assim, sem que se mostre com a própria narrativa que ele seria assim. Aliás, pela narrativa é até o contrário, o personagem Jaimi (sim, Jaimi) gera mais antipatia do que simpatia.

Outro exemplo: “Sabe aqueles dias que a gente lembra pro resto da vida? Que nos reencontros de amigos alguém sempre recorda: ‘nossa, e aquele dia’?” (pg. 13), para o caso do leitor não entender quão importante para os personagens teria sido o tal dia narrado. Se a narrativa não é capaz de mostrar essa importância por si, dizê-la é uma confissão involuntária de fracasso narrativo.

Clichê colado

O narrador também depõe contra si de outras formas, como ao criticar os clichês em versos de músicas comerciais e nos discursos de coaches, mas ao mesmo tempo usar e abusar deles em todas as páginas.

Cito alguns de uma página apenas, a 33: “E, para quem se liga nessas coisas, tem sempre uma música que conta a história da sua vida”, “O amor não correspondido é confuso. E também triste. Um dia ele chegou a desabafar com um grande músico com quem teve a sorte de trabalhar: ‘Zé, já reparou que sinônimo de amar é sofrer?’ ‘Pois é’...”

O fim da história é mal elaborado, narrado de forma apressada, com resoluções óbvias que privilegiam a mensagem moral que se quer passar em detrimento de tudo o mais. Os personagens são esquemáticos, também servindo apenas como veículos para as lições morais do narrador sobre a necessidade de resistência à pressão social e a crítica a uma sociedade e cultura que supostamente valorizam mais a aparência do que a substância.

Logo no início da obra, o narrador nos informa das duas virtudes que seu protagonista teria: “era extremamente criativo e não tinha medo de tomar a iniciativa, às vezes, de uma forma muito impulsiva.” Arthur do Val também não tem medo de tomar a iniciativa, mas parece ter escrito o livro de forma impulsiva – aliás, a obra carece de revisão, tendo vários erros que, espera-se, sejam de digitação.

Projeto ousado

Ravier com J, portanto, se tem alguma relevância é como fenômeno cultural-político, nada mais. Representa a materialização da nova estratégia do MBL, que não é mais o mesmo de quando foi criado. Inicialmente conhecido por sua atuação política liberal, o movimento vem passando por mudanças consideráveis desde então, com uma reestruturação maior a partir de 2021 e uma crescente expansão de atuação no campo cultural.

Em 2023, o movimento criou a marca Valete, com uma editora que publicou o livro de Arthur e também uma revista de mesmo nome, que se tornou o carro-chefe de uma estratégia mais ampla, com "um projeto ousado para reconstruir a cultura brasileira". Com livros como Ravier com J, porém, é impossível isso acontecer.

No fim das contas, ao publicar um romance que trata de temas como integridade pessoal e resistência à cooptação, o MBL – além de tentar contribuir na formação da imaginação moral de seus seguidores – busca traduzir alguns de seus valores em forma de ficção, potencialmente alcançando públicos que não seriam receptivos a seus manifestos políticos diretos. O problema será se existir público receptivo. Aí é de se temer pelo futuro do movimento.

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