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Aos 61 anos, Scott Ian é um músico realizado. Além de ter fundado e seguir tocando sua guitarra com o Anthrax, uma das quatro maiores bandas de thrash metal do mundo, ele integra a nova versão do Mr. Bungle, quinteto experimental liderado pelo cantor Mike Patton, que se apresenta no Brasil em outubro. No dia 2, a banda toca antes do Avenged Sevenfold na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, volta a fazer a dobradinha no Allianz Parque, em São Paulo, no dia 4, e fecha a passagem com um show individual no Rio de Janeiro, no Circo Voador, dia 5.
A realização mais recente do guitarrista foi ter tocado no evento Back to the Beginning, que marcou a despedida do Black Sabbath e se tornou o último show do finado Ozzy Osbourne. Na tarde do dia 5 de julho, Ian e seus companheiros de Anthrax subiram ao palco montado no estádio do Aston Villa, em Birmingham, Inglaterra, e executaram a própria Indians e uma versão de Into the Void, do Sabbath.

A emoção que Ian sentiu na ocasião está descrita na entrevista a seguir. Ele também fala da relação entre artistas e política e da não possibilidade de antecipar como serão os shows no Brasil ao lado de Patton, Trevor Dunn (baixo), Trey Spruance (guitarra) e Dave Lombardo (bateria).
Gazeta do Povo – Você é um dos poucos seres humanos que podem se gabar de terem tocado na despedida do Ozzy Osbourne. O que dizer sobre aquele dia em Birmingham?
Scott Ian – Foi uma experiência unificadora, de um jeito como nunca senti em minha vida. Todo mundo naquele estádio estava ali com um único propósito, que era prestar tributo a Ozzy, Tony, Geezer e Bill. Tanto fazia se você fosse um guitarrista como eu, que aprendeu a tocar graças a Tony Iommi, ou um fã, que passou a vida ouvindo Black Sabbath. Não sou uma pessoa muito espiritualizada, sou um cara realista, que precisa ver e tocar as coisas para acreditar, e a energia naquele dia era algo bem tangível. Descrevo como “a força”, do Star Wars. Todo mundo estava conectado e sentindo aquela onda de emoção. Foi realmente inacreditável, como nada que eu já tivesse vivido. Tenho uma bola de energia que levo em meu coração daquele dia que segue queimando forte e acho que nunca vai se apagar.
E como você reagiu poucos dias depois quando soube da morte de Ozzy?
Foi muito doido porque aconteceu 17 dias após o último show dele, a mesma coisa que rolou com Lemmy Kilmister, do Motörhead. Esse tipo de coincidência me faz acreditar em fantasmas (risos). Foi muito chocante porque encontrei com o Ozzy uma semana depois do show. Passei um tempo com ele e sua energia estava ótima. Ele estava contando histórias, rindo e fazendo as pessoas rirem. Não me pareceu alguém que não estava se sentindo bem. Mas foi uma impressão que tive ali naquela meia hora. Ele estava tão feliz com o resultado do show. Eu estava no carro com minha família e a notícia da morte começou a pipocar no meu telefone. Fiquei muito chocado.
Você acha que músicos devem se posicionar em questões políticas ou acredita que os recados devem ser dados nas suas próprias músicas?
Não acho que exista uma regra ou lei. Ser músico não faz diferença. Não acho que porque estou numa banda isso altera minha liberdade de expressão ou meu direito de comentar em questões mundiais. Minha opinião não vale mais nem menos do que a de qualquer pessoa. Tenho opiniões sobre várias coisas, mas nenhuma delas é baseada no fato de eu ser músico. Confesso que achei irônico quando vi pessoas na internet reclamando que meu amigo Tom Morello estava se posicionando politicamente. Ele vem do Rage Against the Machine, uma banda que sempre se expressou politicamente em suas músicas. Isso só mostra a estupidez das pessoas. Aqui vai uma opinião: acho que 70% dos humanos são estúpidos. Isso não é baseado em fatos, não tenho como provar, mas estou neste planeta há algum tempo e tive a sorte de viajar por ele muitas vezes desde 1984, quando começamos a excursionar com o Anthrax. Conheci muita gente, muitas culturas e sabe o que aprendi? Tem gente boa em todo lugar e gente babaca em todo lugar. Somos todos iguais. Os Estados Unidos não é melhor do que nenhum outro país. Somos todos humanos e queremos ser felizes. Todos, não, porque os estúpidos aparentemente não querem que sejamos felizes. Voltando ao que você me perguntou, acho que todo mundo pode dizer o que vem na cabeça. Estou falando de opiniões, não de fatos. O que é mais triste em 2025 é que muita gente acredita que opiniões são fatos. Mas as pessoas devem ser livres para se expressar, não importando sua profissão.
Fiz essa pergunta porque está rolando uma tendência de fãs irem aos shows e exigirem que os artistas se manifestem, especialmente com relação ao que ocorre na Faixa de Gaza. Thom Yorke, do Radiohead, recentemente teve de deixar o palco porque alguém na plateia estava exigindo que ele bradasse “Palestina Livre”. Como você acha que Mike Patton reagiria se algo assim acontecesse num show do Mr. Bungle?
Não sei nem se ele daria bola para isso. Se você quer ter uma discussão sobre esse assunto numa casa de espetáculos, com centenas de pessoas que estão ali para ver um show, esse não é o fórum certo. Acho que a plateia ia preferir que tocássemos uma música. Se o cara está lá para alguma manifestação política, isso deveria acontecer numa outra hora e lugar. O show não foi anunciado como “uma noite de política com o Mr. Bungle”. Claro que se nós cinco entrássemos em cena, sentássemos em cadeiras e falássemos de política por 90 minutos, isso seria algo bem Mr. Bungle, porque ninguém estaria esperando (risos). De cinco mil pessoas no recinto, certamente 4700 iriam odiar, mas umas 300 iriam sair falando: “isso foi tão legal!” (risos).
Há muitos registos de professores de canto reagindo a performances de Mike Patton no YouTube e eles sempre se surpreendem com o talento dele. Como você descreveria seu desempenho após esses anos compartilhando estúdios e palcos?
Ele pode fazer qualquer coisa, não se encaixa em nenhuma caixa. Não existem paredes, obstáculos. Qualquer ideia, de qualquer gênero musical, ele consegue executar. O Mr. Bungle é a prova disso. Se você ouvir o que a banda já gravou, há desde coisas orientais, black metal, death metal, pop, jazz, country, rockabilly, ópera. Há uns cem estilos que o Mr. Bungle já chegou perto e o Mike consegue cantar todos eles. Não há muitos humanos que possuem um instrumento como a voz dele. Há muitos cantores que conseguem ter essa habilidade em um único gênero, mas não em todos. Essa é a maluquice: ele vai do grito mais insano até o som mais limpo e bonito que você já ouviu.

Como será o repertório dos shows no Brasil?
Eu não sei. O Trevor Dunn faz os setlists. Eu só apareço pronto para tocar. Eles me avisam se vamos tocar coisas diferentes que ainda não aprendi e, obviamente, me dão tempo para eu treinar essas coisas e não ser pego de surpresa. E também tem os ensaios. Mas tudo é possível, afinal é o Mr. Bungle.
Você discute com a banda planos para o futuro?
Não há planos para o futuro. Quem é fã sabe que o Bungle não opera no mesmo sistema que as outras bandas. Se você perguntasse para os integrantes em 1991, após o lançamento do primeiro álbum, qual era o plano deles para o futuro não haveria resposta. Eles não sabiam que iam compor Disco Volante. E também não sabiam que em 1999 iriam lançar California. Nem que 21 anos depois eles regravariam uma demo antiga. Com o Mr. Bungle, alguém precisa vir com uma ideia forte e interessante o bastante para que todos embarquem. Não há regras nem uma resposta certa sobre como isso acontece. Desde 1986 é assim. Não acreditei quando me ligaram e perguntaram se eu queria fazer parte disso. Eu toparia independentemente do que eles quisessem fazer. Até se fosse para escrever uma peça da Broadway eu toparia. Primeiro porque seria divertido. E também porque sou um grande fã da banda. Tocar com esses caras é algo incrível para mim.
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