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Obra-prima de Steven Spielberg, “E.T. O Extraterrestre” teve armas removidas em edição comemorativa
Obra-prima de Steven Spielberg, “E.T. O Extraterrestre” teve armas removidas em edição comemorativa| Foto: Reprodução/Amblin Entertainment

Quando Steven Spielberg fala, eu presto atenção. Amo o cinema, e este diretor ainda é capaz de realizar trabalhos genuinamente surpreendentes e cativantes, mesmo mirando em ideias que não exigem muito esforço intelectual. (Ninguém assistiu seu remake recente de West Side Story, mas suspeito que com o tempo essa obra será reconhecida como um clássico produzido em sua velhice, uma carta de amor a tudo de glorioso que há nos antigos musicais e nos espetáculos de Hollywood, em uma roupagem para a era moderna, sem um pingo de autoconsciência).

Aí, quando deu uma entrevista nível aula magna para a revista Time, ele criou uma leve polêmica ao relembrar um dos exemplos mais memoráveis do revisionismo no começo da era digital De Hollywood: a sua decisão de censurar E.T. O Extraterrestre em seu relançamento de vinte anos nos cinemas e DVDs, em 2002.

Como cinéfilos (e, provavelmente, defensores da liberdade de expressão enfurecidos) bem sabem, Spielberg removeu digitalmente os rifles e espingardas que eram segurados por agentes federais travando o caminho de Elliott e seus amigos durante a memorável perseguição de bicicleta. Na ocasião, o diretor trocou as armas por lanternas extremamente longas, seguradas em ângulos inexplicáveis. Já parecia esquisito naquela época. Agora, ele se arrepende:

“Aquilo foi um erro. Nunca deveria ter feito isso, pois E.T. é um produto de sua era. Nenhum filme deveria ser revisado a partir das visões de hoje, seja voluntariamente, ou quando se é forçado a analisar o tema. E.T. foi um filme que editei porque estava muito sensibilizado com o fato de retratar agentes federais armados abordando as crianças, e pensei em trocar as armas por walkie-talkies. Anos se passaram e já mudei de opinião algumas vezes. Nunca deveria ter mexido com os arquivos do meu próprio trabalho, e não recomendo que qualquer pessoa faça isso. Todos os nossos filmes são um sinal de como nos posicionávamos quando eles foram feitos, o que o mundo realmente era, e pelo que o mundo estava passando quando lançamos essas histórias. Então, me arrependo profundamente de ter lançado aquela versão alterada.”

Revisões “benignas” 

Spielberg merece muito reconhecimento por ser honesto sobre isso. Ele está admitindo que se curvou às pressões sociais e corporativas no início da era digital, sem considerar as ramificações artísticas a longo prazo, não somente para seu trabalho, mas para o de outros. Quando o diretor fez essa edição, ela pareceu um caso isolado e sem consequências, ligado somente àquele momento – isso foi feito imediatamente após o massacre em Columbine, quando tiroteios em escolas ainda eram novidade, por mais triste que seja escrever isso. “Crianças estão assistindo! Retirem as armas das mãos das pessoas dentro do assustador helicóptero preto!” Parecia uma decisão fácil a se tomar.

Mas, mesmo naquele contexto, a ideia de revisões “benignas” em peças de arte conhecidas era tão desanimadora que causava arrepios – o amigo de Spielberg, George Lucas, ainda é insultado por muitos pelas edições feitas nas remasterizações da trilogia original de Star Wars – e agora toda essa questão tomou um rumo muito mais sombrio 20 anos depois. Hoje vivemos num mundo no qual programas de TV são simplesmente alterados retrospectivamente, às vezes por propósitos narrativos, às vezes por causa de fatos infelizes envolvendo gente do elenco descobertos anos mais tarde... E logo será por questões políticas. Esse é o subtexto aqui.

A vantagem da mídia física 

Há uma linha muito clara entre criar versões “alternativas” para competir com uma obra de arte e uma censura revisionista ativa. Opor-se a um artista revistando ou “melhorando” seu trabalho por motivos estéticos é o equivalente a invalidar todo “corte de diretor” já lançado e produtos similares? Ninguém deve ser forçado a assistir ao novo corte de Blade Runner que foi aos cinemas. Ninguém se importou quando Kevin Spacey foi substituído digitalmente por Christopher Plummer em um filme antes de seu lançamento nos cinemas; só nos importamos que o filme era tedioso. (Até Stanley Kubrick se livrou de críticas ao criar um buraco na memória de seu trabalho quando cortou o final original de O Iluminado, que até hoje não está disponível em vídeo, uma semana após o lançamento nos cinemas. Ele escapou disso porque era Stanley Kubrick.)

Isso me leva ao meu ponto, que foi proposto por meu amigo e cineasta Sonny Bunch anos atrás: Sempre compre seus filmes ou série favoritos em versões físicas. Depender de serviços de streaming é ser uma presa fácil dos caprichos de corporações vastas e impessoais cujos cálculos de lucro (ou oscilações políticas internas) inevitavelmente triunfarão sobre qualquer consideração sobre arte ou autenticidade. Seu filme favorito pode ser editado! Pode ser alterado por computação gráfica contra sua vontade. Ou até ser totalmente suprimido. E você não terá recurso. Para os amantes da arte do cinema e da televisão, lembre-se, acima de tudo: se você depende de uma conexão umbilical com a internet para lhe fornecer algo, você realmente não é dono disso, e nunca o possuiu.

© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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