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Os atores Matthew McConaughey e Samuel L. Jackson em cena do filme “Tempo de Matar”
Os atores Matthew McConaughey e Samuel L. Jackson em cena do filme “Tempo de Matar”| Foto: Divulgação Netflix

Em Canton, pequena cidade no estado sulista do Mississipi, dois homens brancos espancam e estupram uma menina negra de apenas 10 anos de idade. A polícia rapidamente os localiza, eles são presos e levados ao tribunal para julgamento. Serão condenados e passarão um bom tempo atrás das grades? Pouco provável. Pagarão uma fiança e ficarão livres? É nisso que acredita Carl Lee Hailey (Samuel L. Jackson), o pai inconformado e revoltado com tamanha violência, certo de que as autoridades farão prevalecer a histórica supremacia branca local. Decidido a evitar tal aberração da justiça dos tribunais, o pai resolve aplicar a sua justiça, aquela feita com as próprias mãos. Munido de uma metralhadora, mata os dois estupradores e fere um policial diante da multidão que acompanharia o julgamento.

Essa é a premissa de Tempo de Matar (1996), disponível para streaming pelo Star+ Prime Video e HBO Max, um empolgante e muito bem construído drama de tribunal que coloca o racismo num plano que vai além da mera vitimização. Baseado no romance best-seller de John Grisham, a história é repleta de camadas que escrutinam o poder judiciário dogmático. É evidente que o pai da garota abusada é preso e agora será ele quem passará por julgamento. Para sua defesa, contará com a ajuda de um advogado branco, Jake Brigance (Matthew McConaughey), mesmo sabendo que isso agravaria ainda mais as tensões entre juristas e também entre a população branca ávida pela condenação de um negro.

Uma curiosidade: em 1984, John Grisham acompanhou o caso de duas meninas, de 12 e 16 anos de idade, que haviam sido vítimas de estupro. O drama das irmãs Scott virou notícia nacional. No entanto, eram duas jovens brancas abusadas por um homem negro. Foi essa história que inspirou o escritor a publicar A Time To Kill, em 1987, seu primeiro livro. Mas, como já descrito anteriormente, Grisham decidiu inverter a situação, colocando uma menina negra violentada por brancos. Essa inversão, que definitivamente joga os holofotes para uma situação que se repete no mundo real e poucas vezes ganha a atenção devida, é mais uma das intrigantes camadas do livro que causam verdadeiro incômodo e foram tão bem desenvolvidas no roteiro assinado pelo dramaturgo Akiva Goldsman e transformadas em geniais sequências dirigidas por Joel Schumacher.

Revisionismo histórico

Ocorre que, nos dias de hoje, quando praticamente todas as questões que envolvem negros estão sujeitas ao revisionismo histórico, é evidente que o filme Tempo de Matar acabaria entrando na mira. As críticas vão desde uma visão alegórica dos julgamentos em tribunais, até o fato de que o advogado Jake Brigance é um homem branco, portanto privilegiado, mas cujo olhar para as questões negras é limitado na busca pela compreensão do racismo estrutural. Como se diz na língua de Shakespeare, bullshit!

Basta observar que, no tribunal, o juiz é branco, assim como todos os jurados e o promotor Rufus Buckley (Kevin Spacey). Sim, eles são racistas e não escondem que querem a pena de morte para Carl Lee Hailey. Mas eles odeiam mais ainda o advogado branco. É a casa e a família de Brigance que são ameaçadas e atacadas por membros da Klu Klux Klan. Por determinação judicial, a defesa é proibida de mencionar o fato de que uma menina de 10 anos de idade foi estuprada; o julgamento, agora, não trata mais disso, mas sim sobre um duplo homicídio. E, sim, é um homem branco, idealista, conservador e preocupado com a família quem vai usar de toda a sua bagagem jurídica para defender um homem negro.

John Grisham, que lá no final dos anos de 1980 certamente nunca havia ouvido a expressão racismo reverso, atinge a premonição ao incluir na história representantes da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People), que literalmente quer dizer Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor. Em determinado momento do filme, membros da NAACP procuram Jake Brigance e Carl Lee Hailey oferecendo ajuda. O advogado e principalmente o réu não demoram a perceber que, por trás do discurso raso daquele grupo supostamente defensor dos negros, há somente interesse financeiro. Eis aqui mais uma camada em Tempo de Matar que deve ser apreciada e refletida. Aliás, passados 27 anos, o filme continua tão importante e necessário quanto na época de seu lançamento e não carece de qualquer tipo de revisão. Basta ler as notícias atuais sobre os reais interesses de alguns integrantes do Black Live Matters.

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