Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Origens judaicas

“A Verdadeira Dor” une primos em viagem pelas marcas do Holocausto na Polônia

Benji (Kieran Culkin) abraça o primo David (Jesse Eisenberg) ao retornarem da Polônia
Benji (Kieran Culkin) abraça o primo David (Jesse Eisenberg) ao retornarem da excursão (Foto: Divulgação 20th Century Studios)

Ouça este conteúdo

É um esporte nacional criticar os títulos dados a filmes estrangeiros lançados no Brasil. Tem vezes em que fica claro que o responsável pela adaptação para o português perdeu uma bela oportunidade de criar um bom nome. Tem vezes em que parece que a preguiça venceu. E tem vezes em que a criatividade vai longe demais, chegando a entregar algo da narrativa que não estava explícito no título original.

Mas tem também o caso de A Verdadeira Dor, longa-metragem indicado em duas categorias do Oscar, que já pode ser conferido nos cinemas brasileiros. Ainda que houvesse um craque escalado para traduzir o título A Real Pain, não teria como a brincadeira em inglês ser mantida. Optou-se pelo caminho literal. Mas “a real pain” também é a abreviação de uma expressão usada para classificar pessoas irritantes (“a real pain in the neck”) ou até insuportáveis (na versão chula “a real pain in the ass”). E essa acepção dúbia é perfeita para Benji, personagem vivido por Kieran Culkin (favorito para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante após vencer o Globo de Ouro) no filme escrito, dirigido e estrelado por Jesse Eisenberg (que concorre em Melhor Roteiro Original).

Benji é a típica pessoa highly sensitive. Emociona-se com tudo, seja para o bem e seja para o mal, ao mesmo tempo em que alterna momentos de introspecção com arroubos expansivos. Ou seja, é impossível ficar imune à sua presença. Como bem desabafa o primo David Kaplan, personagem de Eisenberg, tem horas que dá vontade de ser o Benji e tem horas que dá vontade de matá-lo. Além de conviver com esse parente ora amável, ora pentelho ao longo da vida, David encara a missão de viajar com o mesmo para a Polônia, a fim de cumprir um pedido da finada avó. Ela queria que os netos conhecessem suas origens, incluindo as marcas do Holocausto espalhadas pelo país.

A jornada reaproxima os primos, que parecem ter idades similares (oficialmente, Eisenberg tem 41 e Culkin, 42), mas experimentam momentos distintos na vida. Enquanto Benji não tem um futuro desenhado e sequer soa angustiado com o fato, David fez carreira vendendo anúncios na internet e leva a rotina estável de quem já constituiu família. A realidade impôs uma distância até física entre eles, mas o amor e o companheirismo seguem lá, perceptíveis em diversos momentos da viagem, que eles dividem com um pequeno grupo heterogêneo, liderado por um guia que sabe tudo sobre o nazismo e a Segunda Guerra.

Um passeio ao som de Chopin

Como Benji tinha mais afinidade com a avó e entrou em depressão após sua morte, o roteiro pelas cidades polonesas parece ter mais significado para ele. Mas todos se emocionam com os pontos históricos visitados, inclusive o espectador do outro lado da tela, que conhece campos de concentração e execução ainda com vestígios das barbaridades cometidas em suas dependências. Numa época em que a perseguição aos judeus está claramente aumentando, é sempre bom ter uma obra em cartaz relembrando o que esse povo sofreu durante a ascensão de Adolf Hitler. O nova-iorquino Eisenberg, como o nome entrega, é judeu, e recentemente foi atrás de sua cidadania polonesa para reforçar os laços entre a comunidade e o país europeu.

Outra homenagem que A Verdadeira Dor faz é ao pianista e compositor Frédéric Chopin. A trilha sonora está repleta de valsas, baladas e prelúdios do gênio da música erudita, que passou a maior parte da sua vida em Varsóvia. Aliás, quando Eisenberg dava seus primeiros passos no cinema – numa carreira de um quarto de século marcada pela interpretação de Mark Zuckerberg em A Rede Social e uma guinada para as áreas de roteiro e direção que chega agora ao segundo filme –, a capital polonesa decidia rebatizar seu aeroporto internacional de Warsaw Chopin Airport. O local aparece em algumas cenas de A Verdadeira Dor.

O ator Kieran Culkin e o ator, diretor e roteirista Jesse Eisenberg em cena de A Verdadeira DorO ator Kieran Culkin e o ator, diretor e roteirista Jesse Eisenberg em cena na Polônia (Foto: Divulgação 20th Century Studios)

Trata-se de um pequeno grande filme, cheio de sutilezas e com pétalas que vão se abrindo a cada interação entre os primos, às vezes com ajuda dos outros participantes da excursão. Uma estrela desse elenco de apoio é Jennifer Grey, que fez fama nos anos 1980 protagonizando Dirty Dancing – Ritmo Quente e vivendo a irmã de Ferris Bueller em Curtindo a Vida Adoidado. Ela faz a recém-desquitada Marcia, uma das primeiras a sacar o espírito peculiar de Benji e se engajar em boas trocas com ele.

Não chega a ser o Os Rejeitados dessa temporada de Oscar. A Verdadeira Dor é mais singelo e passageiro do que o longa de Alexander Payne com Paul Giamatti no papel principal, que foi o representante da ternura na premiação do ano passado. Mas entre um Papa intersexo aqui e um traficante operado e desafinado acolá, a existência dessa história tão íntima de Eisenberg sobre a amizade de dois primos se reconectando na Polônia acaba sendo muito salutar.

  • A Verdadeira Dor
  • 2024
  • 90 minutos
  • Indicado para maiores de 16 anos
  • Em cartaz nos cinemas

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.