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Enfim estreou nos cinemas brasileiros Conclave, um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme de 2025. Mas não se iluda achando que assistirá a um filme religioso retratando o processo de sucessão de um Papa. Na verdade, trata-se de um thriller quase policial, de disputa político-ideológica entre cardeais na qual o Espírito Santo só aparece... Bem, deixemos o Espírito Santo para o fim, alertando o leitor da presença de spoilers daqui por diante.
A disputa se dá entre duas “visões de mundo”, a dos progressistas (ou liberais, como se fala no filme) e a dos conservadores. O filme toma partido dos primeiros, com o espectador a tudo acompanhando pelo ponto de vista do responsável por gerir o conclave, interpretado por Ralph Fiennes (forte candidato ao Oscar de Melhor Ator), o cardeal Thomas Lawrence, que é da ala progressista, ainda que aparentemente mais comedido e prudente.
A perspectiva conservadora não tem voz no filme, salvo estereotipada em falas de alguns cardeais, o suficiente para soarem e parecerem como os “vilões” a serem combatidos, o que justificaria as extrapolações de funções do cardeal Lawrence, assumindo um papel de detetive a desvendar segredos dos adversários que inviabilizariam a eleição de algum deles.
Além disso, os conservadores também recebem várias lições de moral, como na homilia de Lawrence na abertura do conclave: “A certeza é a grande inimiga da unidade. (...) Que Deus nos conceda um Papa que duvide”. Claro, desde que a dúvida não seja da certeza do viés progressista…
O segredo de Benítez
A entrada em cena de um cardeal desconhecido dos demais, Benítez (Interpretado por Carlos Diehz), tendo sido nomeado em segredo (in pectore) pelo Papa falecido, faz parecer, pela sua oração antes de uma refeição, que a solução para a divisão interna viria por uma “terceira via”, significando um retorno à simplicidade da caridade com um olhar ao que transcende as ideologias, sejam quais forem.
Benítez parece funcionar na história como um instrumento da ação do Espírito Santo. O filme constrói um conjunto simbólico do que seria esta atuação, especialmente a partir do momento em que Lawrence vai depositar seu voto em si mesmo e houve uma explosão do lado de fora do prédio em que os cardeais se encontravam, causada por um ataque terrorista, que destruiu parte da edificação, ferindo alguns, como o próprio Lawrence. Como se Deus “gritasse”, por linhas tortas, um “não” para o que seria a vitória de Lawrence.
Em consequência disso, a eleição mudou de rumo completamente. Houve um debate acalorado entre os cardeais, quando então Benítez fez um discurso decisivo calando a todos. A cena seguinte é a do retorno da eleição, com a luz solar entrando pelos vãos deixados pela explosão chamando a atenção dos votantes. Como se Deus iluminasse o “sim” para Benítez, que acabou sendo eleito novo Papa, escolhendo o nome de Inocente, completando então o símbolo da presença restauradora do Espírito Santo.
Entretanto, em seguida vem o plot twist com a descoberta por Lawrence do segredo de Benítez, revelando que a ação condutora do conclave foi, na verdade, do falecido Papa, que como uma espécie de demiurgo preparou sua sucessão, posicionando com maestria as peças, como em um tabuleiro de xadrez, para chegar no seu objetivo, que era dar continuidade ao progressismo que defendia. Benítez significaria um avanço considerável neste sentido, como a revelação final confirmou.
O pai da mentira
De fato, Benítez já tinha perdido sua aparência de inocência em relação à disputa política interna quando no seu discurso antes da eleição disse: “A Igreja não é tradição. A Igreja não é o passado. A Igreja é o que faremos a partir de agora”. Chega a ser escandaloso que um cardeal realmente acredite nisso, que a Igreja seja passado ou futuro, tanto faz, que seja qualquer coisa que não o corpo de Cristo (Colossenses 1:18). Aliás, Cristo é o que menos aparece no filme, seja nas imagens ou falas.
Como Benítez, na realidade, é uma mulher (avisamos que haveria spoilers!), sua vitória não pode ser considerada inspirada pelo Espírito Santo. Não porque seria mulher, mas por ter mentido sobre isso. Pelas regras da Igreja, Benítez sequer poderia ter sido ordenado sacerdote, muito menos cardeal, quanto mais Papa. Ele tinha plena consciência disso. Só com a omissão da verdade, ou seja, por uma mentira, Benítez chegou onde chegou. E o pai da mentira não é o Espírito Santo. Logo, o que parecia Deus escrevendo por linhas tortas está mais para o seu Adversário atuando em linha reta.

Em 1997, o então cardeal Ratzinger, a uma pergunta sobre a ação do Espírito Santo em um conclave, respondeu: “o papel do Espírito deveria ser entendido em um sentido muito mais elástico, não como se ele ditasse em qual candidato se deve votar. Provavelmente, a única segurança que Ele oferece é que o processo não seja totalmente arruinado. Evidentemente que há exemplos demais de Papas que o Espírito Santo jamais teria escolhido”. É o caso do filme. No fim das contas, Conclave é um tiro pela culatra do progressismo militante, que só agradará aos seus convertidos.
Ironicamente, a cena final do cardeal Lawrence devolvendo uma tartaruga – símbolo da lentidão com que a Igreja “avançaria” – ao seu devido lugar é o que simboliza melhor a ação inspiradora do Espírito Santo, no sentido apontado por Ratzinger acima, de que “o processo não seja totalmente arruinado”. Seja para onde for que queiram conduzir a Igreja e a conduzam, Deus sempre a fará retornar para Si, afinal, “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18).
- Conclave
- 2024
- 118 minutos
- Indicado para maiores de 12 anos
- Em cartaz nos cinemas
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