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 | Arquivo da família/
| Foto: Arquivo da família/

Ainda muito jovem, Assionara Souza viu a irmã, Ana, escrevendo versos de um modo tradicional, seguindo métrica e rimas como é ensinado nos primeiros anos de escola. O objetivo era participar de um concurso de poemas em Caicó (RN), cidade natal das duas, e para isso Ana passou o mês inteiro compondo seus escritos na esperança de ser classificada. Interessada, a irmã escreveu os dela em poucos minutos. Apesar de nenhuma ter vencido o concurso, a experiência alimentou em Assionara um gosto que mais tarde a levou a se tornar escritora.

Poeta e dramaturga, Assionara morreu em maio, vítima de câncer, aos 49 anos. Deixa seis obras publicadas, entre poesia, contos e peças de teatro. Mas seu legado vai além das publicações editoriais. “Era notável como ela marcava as pessoas para sempre”, conta a sobrinha, Letícia Medeiros Clemente. Por alguns anos, lecionou literatura em um colégio curitibano e, por mais que o tempo tenha passado, as referências dadas por ela em aula e a atenção com as particularidades dos alunos são lembradas até hoje.

Apesar de ter fixado residência em Curitiba desde 1989 – depois de idas e vindas com membros da família entre a capital paranaense, Natal (RN) e Caicó desde os 11 anos de idade – mantinha relação constante com a família e amigos do Rio Grande do Norte, utilizando até mesmo a escrita de cartas como forma de ficar próxima. Naturalmente divertida e bem-humorada mesmo quando escrevia sobre temas tristes, tinha uma personalidade que unia as pessoas, seja pelo humor ou pela atenção especial que dava a cada um.

Quando chegava a Caicó para visitar, a cena seguinte era quase sempre a mesma: abria uma mala cheia de livros e se colocava ao lado ora recomendando leituras aos sobrinhos, que não desgrudavam dela do olá ao adeus, ora parando para ler dois, três deles ao mesmo tempo. A mistura de livros fazia parte de seus costumes como leitora e escritora, assim como o consumo de música que, segundo ela, era uma relação importante para sua própria produção artística.

Tanto os ex-alunos quanto os sobrinhos concordam que sua influência sobre a formação deles como leitores não tinha nada do tom de cobrança sobre o que consumiam. Ao contrário, Assionara parecia ter um tino para perceber qual obra ou autor fazia mais sentido no contexto de cada pessoa, e isso pautava a decisão de dizer “por que você não lê/ouve isso?” ou simplesmente aparecer com um livro e entregar de forma despretensiosa a determinada pessoa.

Ana Cristina Cesar, Angélica Freitas, Raduan Nassar, Drummond, todos esses e outros nomes passaram dela para os alunos não como matéria acadêmica, mas como construção de vida. O envolvimento da mãe e das duas irmãs com a leitura, presença constante na casa durante a infância, também tiveram a ver com o destino da escritora ao ofício literário. Antes de se dedicar academicamente às Letras, curso no qual graduou-se pela UFPR, se aventurou na área da arquitetura e da computação. A facilidade para escrever parecia estar no sangue e, quando pequenas, ela e Ana já exercitavam a criatividade por meio de brincadeiras como o “coco”. Deitadas na cama, as duas irmãs riam às gargalhadas ao inventar rimas divertidas e musicadas, objetivo do jogo. Além disso, gostavam de ler cordel e ouvir os trovadores.

Assionara tinha profunda ligação com o passado, especialmente o da própria família, e ficava fascinada ao olhar fotos antigas, contar e recontar lembranças de infância e histórias que os avós lhe passavam. Seus personagens são muito ligados ao cotidiano e a experiências dela mesma. Anônimos e pessoas que costumam passar despercebidas ganhavam lugar sobre o refletor em suas narrativas, ao invés de continuarem na coxia. De acordo com ela mesma, sua obra é uma forma de “chamar atenção para a beleza que se revela quando ninguém está olhando”. Muitas de suas criações parecem ter saído da observação em um de seus passeios de bicicleta por Curitiba.

A trajetória da escritora e seu jeito de viver tornam inevitável a conexão com o título de um dos tantos contos premiados ao longo da carreira, “Amor Fati” – selecionado no 1°Festival Universitário de Literatura, quando Assionara tinha 27 anos e cursava Letras. A expressão do latim que significa “amor ao destino”, um destino em que todos os caminhos levaram à literatura.

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