Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
VIOLÊNCIA

Condomínio na região de Curitiba registra 30 mortes em cinco anos

Conjuntos de prédios em São José dos Pinhais, segundo moradores, seria comandado por traficante que está preso

Nos últimos cinco anos, condomínio de 594 apartamentos já foi palco de 30 assassinatos | Pedro Serapio/Gazeta do Povo
Nos últimos cinco anos, condomínio de 594 apartamentos já foi palco de 30 assassinatos (Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo)

Os conjuntos de prédios Serra do Mar I e II, no bairro Riacho Doce, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), são considerados pontos críticos quando o assunto é violência. Desde 2012, ano da entrega dos imóveis, o pátio do estacionamento do residencial, de 594 apartamentos, já foi palco de aproximadamente 30 mortes, conforme a Guarda Municipal. Por causa disso, o condomínio já é conhecido como “Serra do Mal” e “Condomínio da Morte”.

Só neste ano, com a morte do para-atleta José Agmarino de Jesus Coelho, 49 anos, na noite do último domingo (2), levantamento da Tribuna do Paraná apontou que pelo menos quatro pessoas foram assassinadas no local. Moradores denunciaram à reportagem que os residenciais são comandados por um traficante de dentro da prisão.

Para as pessoas que não têm envolvimento com os crimes que acontecem lá dentro dos portões dos nove blocos, viver no Serra do Mar tem sido uma tarefa de sobrevivência. As pessoas passaram a ter cautela e se preocupam até em falar ao celular, com medo de terem sido “grampeadas”.

“A gente tenta passar invisível. Tem que ter muita fé em Deus, pedir para que nada aconteça. Antes de sair de casa, a gente olha tudo em volta, fecha bem o apartamento e quando sai é passo rápido”, comenta um dos moradores.

Quem vive no residencial tem medo até de pegar correspondência na portaria. “Não dá pra conversar com ninguém. É chegar e sair. Receber visitas é um problema. Quando vejo que a situação está tensa e alguém quer vir, vou até a pessoa. Minha família mesmo, muito pouco me visitou até hoje”, conta uma moradora.

Ordens de trás das grades

A visão de quem passa na rua é de que o local não parece um residencial, mas sim uma prisão. Pintura acabada pelo tempo, estrutura suja, pichações, janelas quebradas e a sensação de que nada vai ser possível fazer para recuperar o que era para ser uma moradia. “É essa a intenção desse traficante. Eles não querem que o prédio mude”, confirma uma pessoa que vive no Serra do Mar.

Moradores denunciaram à Tribuna do Paraná até a ocorrência de ronda diária de funcionários do tráfico de drogas. “Eles não estão ali para vender, mas sim para avisar quem vende e quem comanda tudo. Uma movimentação estranha e as pessoas lá dentro já ficam sabendo”, relata um condômino.

Segundo a denúncia, as ações criminosas são organizadas de trás das grades. “Sabemos o nome dele. Um traficante, matador já bem conhecido da Justiça, comanda tudo da cadeia”.

Denúncias foram feitas à Polícia Militar, Guarda Municipal, Ministério Público e Caixa Econômica Federal, que foi responsável pela obra, mas nada foi feito. “Já fomos até na Câmara de Vereadores. Apelamos a todos os canais de denúncias desde 2012, quando teve a primeira morte, mas nada aconteceu. Ainda não procuramos a Polícia Federal, mas talvez seja nossa esperança”, desabafa outro morador.

De acordo com os condôminos, as mortes são unicamente para mostrar quem manda. “Parece que fazem mesmo pra falar que estão comandando tudo e sabendo de tudo, um alerta”. Um síndico, de 30 anos, morto no começo de janeiro, foi executado por ter criado inimizade com o “chefão”. “O líder deve ter se irritado com ele, porque as coisas pareciam estar entrando nos eixos no prédio, ele (o síndico) passou a não atender ordens, e o traficante mandou matar”, aponta uma moradora.

Contas em débito

No condomínio, foram realocadas pessoas que moravam em áreas de invasão e favelas perigosas de vários bairros de São José dos Pinhais. “Todos os traficantes, criminosos, foragidos e tudo o que mais poderia ter de coisa ruim foram colocados junto às pessoas de bem”, define uma pessoa que mora no Serra do Mar.

Segundo os moradores, no contrato que a Caixa fez com eles existe uma cláusula que diz que qualquer prática ilícita que venha a causar dano ou algum tipo de perigo aos outros moradores teria que ser avaliado. “Se alguém infringisse normas, essa pessoa teria que sair. Sem contar a inadimplência. Tem gente que não paga nada, algumas por problemas financeiros e outras por medo da roubalheira mesmo, mas nada acontece”.

Todas as contas do condomínio estão atrasadas, porque o dinheiro que seria usado no pagamento teria sido desviado, e os moradores vivem sob o medo de ter serviços básicos como água e luz cortados. “Representantes do traficante estão tocando o terror. Elas têm colocado gente para que fique ouvindo o que acontece aos arredores. Sempre tem gente observando a gente”, conta um condômino.

Não passa nada

Conforme os moradores, os informantes sempre sabem até mesmo quando a PM ou outros serviços são chamados no condomínio. “Se algum morador precisa de uma viatura da PM ou até do Samu, eles sabem antes. A gente não sabe como, mas eles falam entre eles que os homens estão vindo”.

Segundo o chefe de operações da Guarda Municipal da cidade, o Serra do Mar é um exemplo a não ser seguido. “Um erro de concepção de realocação de famílias. Quando houve a construção do condomínio, a segurança pública não foi consultada. Construíram, colocaram famílias de diferentes faixas de renda lá dentro e obviamente isso ia gerar um conflito social. Estourou”, resume Barreto.

Segundo o guarda municipal, a estrutura do condomínio favorece a criminalidade, porque é fácil se esconder, já que é difícil o patrulhamento dentro do local. “A gente até faz o patrulhamento dentro das vias, mas é muito mais difícil encontrar um flagrante, eles têm tempo de agir lá dentro”, explica.

A disputa pela venda de drogas é diária e não acaba. “Um morador de bem, que sai todo dia para trabalhar, não quer voltar para a casa, tem vergonha de onde mora. Isso porque, além dos bandidos, têm os invasores. Ali dentro, estimamos que 60% não deveriam estar ali”.

A obrigação de retirar esses invasores do local é da Caixa Econômica, mas, segundo os entrevistados, a instituição não tem demonstrado muito interesse nisso. “Deveria ter sido feito o despejo. Já fizemos várias reuniões com a Caixa, pedindo empenho deles nesse sentido, mas nada foi feito”, reforça o guarda municipal.

Uma forma de escapar do que convivem diariamente seria sair do condomínio. “Não temos como sair. Teríamos que entregar o apartamento e perder tudo o que já pagamos. Algumas pessoas já fizeram isso, mas eu não quero perder o que paguei. Essas pessoas realmente não aguentaram mais e só sabe disso quem sente na pele”, desabafa uma moradora.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.