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A estudante Bruna Bianchi sofre de surdez profunda nos dois ouvidos e solicita um tradutor-intérprete para acompanhar as aulas  | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
A estudante Bruna Bianchi sofre de surdez profunda nos dois ouvidos e solicita um tradutor-intérprete para acompanhar as aulas | Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Dois meses após o início das aulas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) — que iniciou em 5 de março —, a instituição admitiu não ter condições para atender todos os alunos com deficiência. Segundo a universidade, não há tradutores e intérpretes suficientes para auxiliar os estudantes com dificuldade auditiva severa. Mais do que isso, até mesmo três professoras surdas que ministram as disciplinas de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Educação Inclusiva estão sem esse acompanhamento. 

A jovem Bruna Bianchi, de 22 anos, é uma dessas estudantes. Com surdez profunda atingindo os dois ouvidos desde seu nascimento, ela utiliza a Libras para se comunicar e, por isso, necessita de um tradutor-intérprete que a auxilie na compreensão do conteúdo administrado pelos professores. No entanto, em uma entrevista por escrito à Gazeta do Povo, ela afirmou que não recebeu esse acompanhamento. “Isso está prejudicando muito meu aprendizado”, lamentou a aluna do 1.º período de Comunicação Organizacional. 

Entenda a dificuldade da UTFPR de resolver o problema

Mesmo assim, a garota não falta às aulas e se esforça para fazer leitura labial e pedir ajuda. “Eu pergunto para algum colega ao lado e acabo atrapalhando a aula da minha turma porque peço para o professor explicar mais claro ou repetir. Isso me incomoda”, afirma a jovem, que está desmotivada com a situação. “Quando prestei o vestibular, pensei que teria acessibilidade para surdos, mas não aconteceu como eu esperava”. 

A mesma dificuldade afeta outra estudante de seu curso e três alunos de Engenharia Elétrica, Tecnologia em Radiologia e Mestrado em Estudos de Linguagens. “É um problema muito sério que também tem ocorrido em outras universidades federais e precisa ser resolvido com urgência”, destaca Juliana Carneiro Vergolino, vice-presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE) do campus. De acordo com ela, as coordenações dos cursos da universidade já foram contatadas pelo DCE e um documento formal a respeito do caso foi encaminhado na última semana à reitoria. 

Outro grupo de 40 estudantes também tem se mobilizado para buscar alternativas aos colegas com deficiência. A ação, denominada “Coletivo Hawking” em homenagem ao cientista Stephen Hawking, foi criada no início de março pelo estudante Alef Matheus dos Anjos, 19. Diagnosticado com autismo, ele possui dificuldade para acompanhar as aulas de cálculo do 1.º período de Sistemas de Informação e também precisa de atendimento especial. “Só que os professores dizem que não podem me ajudar”, relatou.

Diante da situação, ele reuniu colegas que passam por problemas semelhantes a fim de lutar pelos direitos apontados na Lei 13.146/2015, de Inclusão da Pessoa com Deficiência. “Vamos buscar o cumprimento dessa lei”, afirmou o rapaz. Para isso, ele pretende se aproximar do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne) — que já existe na universidade — e também estreitar laços com outras instituições. “A falta de inclusão é algo geral, pois o Ministério da Educação (MEC) obriga a aceitação de pessoas com deficiência, mas parece não existir a preocupação de adaptá-las”, pontuou.

Um dos estudantes com dificuldade auditiva severa até procurou a ouvidoria do MEC para relatar o problema da falta de tradutores-intérpretes na universidade. A reclamação do estudante foi recebida pelo ministério e a UTFPR foi notificada a respeito. 

Situação atual

Segundo o professor Marcus Vinicius Santos Kucharski, responsável pelo Departamento de Educação da universidade, a instituição respondeu à reclamação explicando que se preocupa, sim, com o atendimento aos estudantes com deficiência, mas possui inúmeros entraves para a contratação de mais tradutores da linguagem de sinais.

No documento, a instituição explica que, para atuar nos cursos de graduação e pós-graduação, esses profissionais precisam ter nível superior, com habilitação prioritária em Tradução e Interpretação em Libras, o que já dificulta a contratação devido ao baixo número de candidatos. 

Além disso, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) adotado pela instituição para ingresso de estudantes, não possibilita saber com antecedência o número de pessoas com deficiência que ingressarão na universidade e nem suas necessidades. Isso ocorre porque as cotas preestabelecidas envolvem todos os candidatos negros, pardos, indígenas e com deficiência que se candidatam. “Não se faz distinção sobre o tipo de deficiência que possa, ou não, ser atendida pela universidade, deixando-nos ‘no escuro’ quanto a saber para o quê nos prepararmos em termos de infraestrutura e pessoal”, explica Kucharski. De acordo com ele, os detalhes a respeito dos alunos são informados somente após as classificações e processos de matrículas. “Momento em que pouco se pode fazer ”, lamenta.

Este ano, por exemplo, a instituição recebeu cinco alunos com dificuldade auditiva grave que necessitam de tradutores-intérpretes durante as aulas. Além disso, também conta com três professoras com a mesma deficiência que precisam da tradução em seminários e simpósios em classe. 

Só que a universidade possui apenas três tradutores admitidos por concurso público em 2013. Se cada um desses profissionais atendesse uma pessoa pela manhã e outra à noite, já faltariam colaboradores. No entanto, a situação complica ainda mais porque a carga horária máxima permitida para a interpretação em sala de aula é de quatro horas diárias, devido às condições de estresse mental em que o profissional é exposto e à prevenção de Lesões por Esforço Repetitivo (LER). E essas quatro horas não são contínuas, mas realizadas em revezamentos entre dois profissionais a cada 30 minutos. 

Segundo Kucharski, essas peculiaridades da profissão tradutor-intérprete inviabilizam o atendimento completo aos estudantes e às professoras. Por isso, a universidade adotou, emergencialmente, um atendimento individual – com apenas um tradutor, sem revezamento - com períodos de uma hora de interpretação e 40 minutos de descanso. Isso possibilitou o atendimento de três estudantes surdos, ficando ainda dois alunos e três professoras sem o acompanhamento.

Novas contratações?

Para resolver a questão, o Departamento de Educação da universidade cogitou a possibilidade da abertura de um novo concurso público para contratação de profissionais. No entanto, a Lei Orçamentária Anual 13.587/2018 impede gastos adicionais imediatos às entidades públicas, inclusive universidades, inviabilizando a abertura do processo e também a contratação direta emergencial de mais colaboradores. 

A instituição sugeriu, então, ofertar vagas de estágio obrigatório para profissionais de Libras em formação na capital paranaense. Mas o único curso superior nessa área em Curitiba é ofertado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em caráter de Licenciatura, o que impede que o aluno estagie como tradutor-intérprete. 

A última solução apontada pela UTFPR seria a adaptação curricular dos cursos em que os estudantes surdos estão matriculados, propondo que não cursassem os semestres “cheios”. Entretanto, segundo Kucharski, o estudante precisa aceitar essa proposta de cursar apenas a metade ou a terça parte das disciplinas de cada semestre e, depois disso, ainda seria necessário redesenhar as grades curriculares dos cursos e receber a aprovação do Conselho Universitário. 

“Por tudo isso, o campus Curitiba da UTFPR não tem condições objetivas de garantir a qualquer estudante surdo atualmente matriculado na Instituição, o atendimento imediato ou ideal às suas necessidades. Não por falta de empenho de nossos setores na busca de soluções, mas pelas barreiras impostas a cada uma das soluções imaginadas”, afirmou a instituição no documento enviado ao Ministério da Educação.

Segundo a universidade, o MEC ainda não respondeu ao documento e a situação permanece sem solução. 

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