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 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Se os Beatles viessem tocar em Curitiba, um dos membros da banda deveria ser substituído por um artista curitibano, para que o grupo pudesse se apresentar na cidade. Pelo menos é isso o que sugere um projeto de lei apresentado pela vereadora Katia Dittrich (SD) que propõe que qualquer evento musical reserve um quarto das vagas a artistas locais como forma de incentivo aos músicos da capital. Mas a medida causa preocupação em representantes de produtoras da cidade ouvidos pela reportagem.

A ideia, segundo a legisladora, é aproveitar parte do espaço reservado a músicos ou bandas consagradas para promover o cenário local. “A intenção é oportunizar os artistas locais para exibirem seu trabalho, já que muitas vezes os músicos locais não possuem as mesmas oportunidades que artistas que já estão com suas carreiras consolidadas”, explicou ela por meio de nota enviada à reportagem.

Para o proprietário da produtora Multi Eventos, Julio Oliveira, há um desconhecimento por parte da vereadora sobre como funcionam os shows de artistas consagrados. Segundo ele, nem sempre é possível conjugar a estrutura e a parte de logística exigidas para grandes eventos com artistas locais. “Como a gente vai colocar 25% de músicos locais em um show do Zé Ramalho, por exemplo? Ele tem uma equipe própria, uma estrutura dele, não tem nem o que fazer para mudar isso. E não há como o musico local usar”, afirmou.

Artistas da RMC

Outro ponto delimitado pela lei é sua abrangência. Artistas da Região Metropolitana, por exemplo, não serão beneficiados pelo projeto, apenas aqueles nascidos em Curitiba ou que sejam radicados na cidade, desde que comprovada a radicação. O texto também não explica como será feita tal confirmação.

Já Mac Lóvio Solek, diretor da Prime, vê a imposição como algo infrutífero e corrobora com a ideia de que tal obrigatoriedade não condiz com a realidade vista no dia a dia de seu trabalho. “Impor é uma besteira. Não depende de mim colocar uma banda para abrir o Capital Inicial, por exemplo. Primeiro tem que saber se eles deixam. Se o artista principal não permitir, eu não posso colocar ninguém. Existe um contrato para isso”.

Proposta não é clara

O texto da lei esclarece pouca coisa sobre a proposta. Não há, por exemplo, abertura para possíveis exceções, como no caso da apresentação de uma orquestra internacional, que é formada por músicos estrangeiros, nem mesmo é definido o que é considerado um ‘evento musical’, para fins de fiscalização e aplicação da sanção.

Para Solek, faltou conversa para chegar a termos razoáveis para um projeto dessa natureza. “Deveria, no mínimo, chamar os produtores e discutir, ver a viabilidade, o real ganho disso. Até para fazer algo mais embasado”, destacou.

Segundo os produtores da Multi Eventos e da Prime, a medida só será viável caso existam contrapartidas do poder público. Oliveira acredita que a promoção dos músicos e da cultura local é papel da Fundação Cultural de Curitiba, ligada à prefeitura de Curitiba, não das produtoras particulares, e cobra algo em troca da ‘escalação’ de artistas locais. “Shows custam muito dinheiro. Vamos ter que locar outro equipamento, fazer outra produção, para não ganhar nada com isso? Sem incentivo não existe, com todo o respeito aos locais”, afirmou.

Solek cita o projeto desenvolvido por ele, o Prime Cultural, que escala artistas locais em eventos em que é possível casar a atração principal com o artista da região. A iniciativa, que começou em 2015, deu certo porque é feito na medida da possibilidade, não por obrigação, segundo o produtor. “Fazemos com carinho, porque a gente quer promover as bandas e a cultura local. É de onde tiramos nosso sustento. Mas o nosso projeto é extremamente saudável e foi um sucesso porque a gente executa quando não tem impedimento”.

Os dois produtores destacam que se não existir apoio e contrapartidas, a lei inviabilizará o trabalho das empresas. “Para shows privados, precisa ter uma contrapartida. Agora, nunca me deram nenhum dinheiro e querem dizer como eu tenho que trabalhar. Não vou cumprir nunca isso”, sentenciou Oliveira. Solek faz coro, e pede que haja diálogo antes de haver a imposição. “Tem que ser discutido a viabilidade. E outra, qual vai ser a contrapartida? A conta vai aparecer, e quem vai pagar? O produtor cultural? Inventam história, mas nunca vem a contrapartida”.

Projeto na Bahia

A proposta tem semelhanças com um projeto aprovado na Bahia, que prevê uma cota mínima para os conhecidos forrozeiros, durante as celebrações de São João, em junho. Oliveira, no entanto, acredita que caso a ideia tenha surgido com base na lei baiana, foi retirada do contexto. “Nesse caso, existe um incentivo, tem produtoras específicas para esse fim e elas contam com dinheiro do governo. Dentro desse contexto, acho que é válido, para compensar o investimento feito pelo poder público”.

Além de estabelecer a cota de artistas locais, o projeto de lei estipula a obrigação de publicidade, e estabelece multas para quem descumprir - o que é outra polêmica no projeto. As penalidades são de 2 mil Unidades Financeiras Municipais (UFM) para a primeira infração e 4 mil em caso de reincidência. O problema é que, segundo a prefeitura, as UFM foram extintas antes da virada do século, portanto, não há referência para a cobrança do valor da punição.

A vereadora não descarta modificações e adições ao projeto. Segundo a legisladora municipal, a proposta está passando por análises nas comissões da casa e pode sofrer alterações. “Estamos absolutamente abertos a novas sugestões para eventuais alterações que se façam necessárias no projeto, por meio de emendas”, afirmou a vereadora Katia Dittrich, por meio de nota.

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