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Carlos Ghosn, da aliança Renault-Nissan, durante evento em 2017 nos Estados Unidos | Patrick T. Fallon/Bloomberg
Carlos Ghosn, da aliança Renault-Nissan, durante evento em 2017 nos Estados Unidos| Foto: Patrick T. Fallon/Bloomberg

As tensões entre a Nissan e a Renault sobre o futuro da parceria de fabricação de carros explodiram à medida que a queda do presidente Carlos Ghosn causa turbulências na indústria automotiva e seu principal executivo, Hiroto Saikawa, tenta consolidar o poder em sua ausência.

As duas empresas, que estão conectadas através de uma estrutura complexa de participações cruzadas e de produção conjunta, diferiram drasticamente em suas reações à prisão de Ghosn no Japão por suspeita de delitos financeiros. 

Na terça-feira à noite, em Paris, o conselho da Renault não chegou a demitir o executivo franco-brasileiro e pediu à Nissan para apresentar os detalhes de seus supostos delitos. A Nissan, ao contrário, disse após Ghosn ter sido detido na segunda-feira que pretende demitir demiti-lo do cago de presidente, uma pressa que alimenta a especulação de que ele foi vítima de um golpe de Saikawa, que atua como diretor-executivo da Nissan, e de outros que se opõem à integração mais aprofundada entre as duas empresas. 

O conselho da Nissan se reunirá na quinta-feira para tomar uma decisão formal sobre o futuro de Ghosn.

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 Por seu turno, o conselho da Renault indicou que desconhecia os detalhes das alegações contra Ghosn. "A esta altura, o conselho não pode comentar as evidências aparentemente reunidas contra Ghosn pela Nissan e autoridades judiciais japonesas", afirmou em um comunicado. 

Ghosn, que estava entre os executivos mais bem pagos da França e do Japão, é acusado de subestimar sua renda de cerca de US$ 44 milhões e de usar indevidamente os recursos da Nissan. Segundo a NHK, a Nissan pagou "enormes quantias" para as residências de Ghosn em quatro cidades, pagamentos que, segundo informou a emissora, não tem uma justificativa comercial, e também cobriu o custo das férias para sua família. Ghosn não comentou nenhuma das alegações, nem foi visto em público desde sua prisão. 

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"O Japão não tolerará a ganância dos executivos. E essa mentalidade superstar em que o CEO é pago 20, 25 vezes o salário médio do trabalhador - o Japão não quer tolerar", disse Jesper Koll. CEO da gestora de fundos WisdomTree Investments, à Bloomberg Television. "Não há dúvida de que Carlos Ghosn está sendo usado como um símbolo para garantir que a liderança corporativa no Japão permaneça próxima de seus trabalhadores". 

O sistema legal do Japão é opaco até mesmo para os locais, e detalhes básicos da localização de Ghosn e seu futuro imediato são desconhecidos. É provável que ele esteja em um centro de detenção no norte de Tóquio. 

A fiança não pode ser concedida até que os promotores decidam se devem prosseguir com uma acusação, um processo que pode levar semanas, e Ghosn não será necessariamente acompanhado por um advogado quando for questionado durante esse período. Os promotores públicos, na quarta-feira, receberam a aprovação do tribunal para manter Ghosn preso por mais 10 dias, informou a agência de notícias Kyodo. 

Mais do que o futuro pessoal de Ghosn está em jogo 

O carismático executivo liderou tanto a Nissan quanto a Renault, bem como sua aliança mais ampla, que une as empresas francesas e japonesas icônicas com a Mitsubishi Motors. Ele trabalhou para uma fusão da Nissan e da Renault para solidificar o relacionamento de duas décadas, uma associação que criaria um rival direto para a Volkswagen AG e a Toyota Motor Corp. na disputa pelo título de maior montadora do mundo. 

Mas Saikawa publicamente minimizou essa perspectiva no início deste ano, provocando uma reprimenda privada de Ghosn, seu antigo mentor, que alertou seu colega japonês que seus comentários corriam o risco de minar a credibilidade da Nissan, segundo uma fonte informou. 

Saikawa até agora tem sido o rosto da reação da Nissan à prisão de Ghosn, aparecendo sozinho em uma entrevista coletiva na segunda-feira, quando anunciou o plano da Nissan de demiti-lo. Ele tinha palavras duras para o chefe detido. "Este é um ato que não pode ser tolerado pela nossa empresa", disse Saikawa, argumentando que uma concentração excessiva de poder nas mãos de Ghosn criou um ambiente propício para má conduta. 

Hiroto Saikawa, da NissanBEHROUZ MEHRI/AFP

A influência de Saikawa na Nissan crescerá na ausência de Ghosn. O conselho da Nissan na quinta-feira provavelmente não irá nomear substitutos imediatos para Ghosn e Greg Kelly, um diretor americano também acusado de irregularidades, de acordo com uma pessoa a par do assunto. Isso reduziria o quadro para sete membros, incluindo Saikawa, e levaria o número de diretores não-japoneses de quatro para dois. 

Por enquanto, a Renault nomeou o diretor de operações Thierry Bollore como CEO interino, com os mesmos poderes que Ghosn. Em uma carta aos funcionários da Renault, ele prometeu "apoio total" a Ghosn e para proteger a parceria da Nissan. 

A relação completa de possíveis alegações contra Ghosn e outros não está clara. A Nissan disse aos membros da diretoria da Renault que a empresa está investigando possíveis irregularidades na joint-venture baseada em Amsterdã, a RNBV, de acordo com três pessoas familiarizadas com o assunto. 

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Até agora, o governo francês, que é o maior acionista da Renault, está silencioso em relação ao futuro de Ghosn. Na terça, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, disse à rádio France Info que “não exigiremos que ele se afaste” da empresa porque “não temos provas”. A França examinou os registros fiscais de Ghosn e não encontrou “nada em particular”, acrescentou o ministro. 

Apesar de Le Maire e o ministro japonês, Hiroshige Seko, reafirmaram seu apoio à aliança. A estrutura da associação entre as duas companhias tem ganhado controvérsia no Japão, já que a Nissan supera a Renault em vendas e lucros. A Renault possui uma participação com voto de 43% na Nissan. Esta só possui 15% da Renault, sem direito a voto. 

Preocupações para Macron 

Menos de duas semanas atrás, Emmanuel Macron estava ao lado de Carlos Ghosn, chefe da Renault e da Nissan, em uma fábrica no norte da França, anunciando que a montadora francesa fabricaria vans para seu parceiro japonês. 

Em vez de dar mais um passo em direção à reconciliação de um público francês, muitas vezes relutante com a economia global, Macron agora se confronta com as potenciais consequências do anúncio de segunda-feira de que a Nissan pode demitir Ghosn por supostas impropriedades financeiras. Ele é um executivo com o qual a Macron teve algumas brigas prévias. 

 Até agora, o líder francês está quieto, dizendo apenas que o governo seria "extremamente vigilante" em relação à estabilidade da aliança Renault-Nissan. De fato, o conselho da Renault e aliados de Macron foram pegos de surpresa pelas alegações, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. Mas a pressão está aumentando no governo para que este exerça sua força como o acionista mais poderoso da Renault. 

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Na França, porém, a importância da Renault para a história industrial não pode ser exagerada e ajuda a explicar as potenciais consequências políticas. A Renault, que emprega 48 mil pessoas no país, foi nacionalizada após a Segunda Guerra Mundial e incorporou muitas das empresas automobilísticas da França. A fábrica de Billancourt, nos arredores de Paris, foi palco de grandes conflitos trabalhistas antes de fechar em 1992. 

A empresa foi privatizada quatro anos depois e se transformou em um componente-chave da moderna economia francesa. Em junho, a Renault se comprometeu a investir 1,2 bilhão de euros (1,4 bilhão de dólares) em suas fábricas francesas para fabricar carros elétricos, um dos projetos favoritos de Macron. 

Presidente da França, Emmanuel Macron, durante visita ao norte da FrançaJasper Juinen/Bloomberg

A questão agora é qual influência o escândalo terá sobre o presidente francês. Mesmo que a suposta evasão fiscal de Ghosn pareça estar centrada no Japão, o pagamento dos mais ricos é um tema bem delicado na França. 

Pouco depois de sua eleição em maio de 2017, Macron eliminou um imposto sobre a riqueza e reduziu os impostos sobre o capital e as empresas, o que lhe valeu o apelido de "presidente dos ricos" pelos oponentes. 

Macron sempre falou que quer que os franceses se sintam à vontade com os negócios e aceitem seu mantra de que criar um ambiente fiscal e trabalhista mais amigável beneficiará a todos criando mais empregos. Ao mesmo tempo, ele argumentou que as empresas têm responsabilidades. 

A visita de Ghosn à fábrica de Maubeuge, da Renault, em 8 de novembro, ocorreu durante a turnê de uma semana, feita por Macron, por memoriais de guerra cidades industriais decadentes no norte da França. Se sabia que a Nissan e os investigadores japoneses estavam perto dele, o executivo franco-brasileiro certamente não demonstrou. 

O executivo e o presidente cumprimentaram as autoridades locais e, em seguida, fizeram um tour pela linha de montagem, onde foram mostrados um tablet usado para organizar a produção e um drone usado para inspecionar a fábrica. Ghosn deu uma entrevista à Bloomberg News, onde falou sobre incentivos que o governo francês está oferecendo aos consumidores para comprar carros mais limpos. 

Na terça-feira, Macron estava falando aos franceses que moram em Bruxelas sobre seu objetivo de "lançar profundas reformas para tornar a França uma potência econômica, social e ambiental".

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