Fazer um banquete, na casa de Erondina Glaci de Oliveira, é juntar bife e batatas-fritas ao tradicional feijão com arroz de quase todo dia. "Carne, aqui, só se for bem barata. A gente come pé de galinha, suan (corte do porco, com mais osso que carne) e fígado, quando dá", diz ela. É o que permite o orçamento fixo de um salário mínimo da pensão deixada pelo marido, responsável pelo sustento de seis pessoas: a viúva, duas filhas, dois netos pequenos e um genro desempregado.
No Paraná, R$ 350 é renda máxima em 331.804 lares 10% do total de famílias do estado, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad 2005), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só na região metropolitana de Curitiba, aponta o levantamento, 70.869 famílias (7% do total) têm renda mensal de até um salário.
Como viver com essa quantia? "Não se vive só com um salário mínimo. Mal a gente sobrevive. A gente depende de doações. Quando falta, não dá para ter vergonha de pedir ajuda", fala Erondina, com propriedade que nenhum teórico poderia ter no assunto.
As cifras são desnecessárias para saber que a conta não fecha no azul para quem tem um salário mínimo como renda, considerando-se o objetivo para o qual ele foi criado. De acordo com a Constituição Brasileira, é direito do trabalhador receber salário mínimo "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo". Para ter isso em uma família de quatro pessoas, calcula o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-Econômicos (Dieese), a renda mensal deveria ser de R$ 1.492,69.
"A gente só não vive pior porque mora em casa própria e todos aqui têm boa saúde, não preciso gastar em remédios e tenho condições físicas de fazer artesanato para complementar a renda. Dá para comprar alguma roupa parcelada e fazer financiamento para colocar móveis novos em casa", diz a viúva de 51 anos, moradora há 40 anos da Vila das Torres, antiga área de invasão de Curitiba.
Com o dinheiro que ganha da Previdência Social, a pensionista paga água e luz (subsidiadas por programas estaduais de baixa renda) e alimentos (feijão, arroz, açúcar, farinha, café e carne) consumidos no mês anterior. "Comida eu compro sempre com o cartão do supermercado, que dá 45 dias para pagar", explica. A família não é mal nutrida, porque frutas e verduras não faltam eles recebem boa quantidade de uma entidade de assistência social. Leite, no entanto, é artigo exclusivo para os netos de 4 e 2 anos, doado pelo programa Leite das Crianças.
Casa de pobre, diz Erondina, tem geladeira vazia, mas gavetas cheias de contas para pagar a mesa de cabeceira dela tem duas lotadas de carnês. Volta e meia o nome dela vai parar em cadastros negativos de crédito. "A conta dágua eu deixo juntar três meses e pago as duas de menor valor, porque, se passar de três meses devendo, cortam. As compras, a gente vai pagando conforme o mês permite. Só o empréstimo consignado tem pagamento garantido", diz, lembrando que do salário mínimo que recebe, só R$ 190 chegam à sua mão. "Tenho estante nova e computador para pagar até 2009. Quem entra na minha casa talvez até pense que a gente não tem do que reclamar. Mas é tudo na base de anos de prestação. Para pensionista e aposentado, crédito não falta, mas pagar dívida não é fácil."
A situação é típica das famílias de baixa renda, afirma o economista Eugênio Stefanelo, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Para comprar produtos de valor um pouco mais elevado, elas recorrem ao crediário. São pessoas que olham o tamanho da prestação, mas não vêem o juro embutido. Se acham que cabe no salário, vão comprando. Mas não se vestem bem e não moram bem. Quando conseguem ter um terreno próprio, dão um jeito de toda a família morar nele."
Não é diferente na casa dos Oliveira: a filha do meio de Erondina teve o primeiro filho aos 19 anos (hoje tem 23) e montou com o marido um "barraco" no quintal da mãe, onde vive o casal com duas crianças. A caçula da pensionista, de 18 anos, está grávida e pode tomar o mesmo rumo da irmã, em breve. O enxoval do bebê foi passado pela irmã e pela vizinhança há poucas peças novas compradas pela avó. "A vantagem de morar na Vila (das Torres) é essa, todo mundo se ajuda. Uma hora a gente faz pelos outros, em outra acaba recebendo também", consola-se a viúva.



