A economia brasileira sofre sua maior retração em 25 anos e a taxa básica de juros é a mais alta em quase uma década, mas nem assim as expectativas para a inflação param de piorar. O principal combustível para a projeção de um avanço mais forte dos preços em 2016 é a escalada da taxa de câmbio, que ganhou nova dimensão nesta terça-feira (22), quando o dólar comercial superou a marca de R$ 4 pela primeira vez.
INFOGRÁFICO: acompanhe as projeções do mercado financeiro para os próximos anos
A cotação do câmbio reflete as incertezas que têm mexido com o mercado. Está tudo ali: dos fatores externos, em especial o temor de que os Estados Unidos elevem sua taxa de juros ainda neste ano, às questões domésticas. Que não são poucas: a possibilidade de novos rebaixamentos na nota de crédito do país; o crescente déficit das contas públicas; as especulações sobre uma troca de comando no Ministério da Fazenda; o impasse nas relações com o Congresso; e até as dúvidas sobre a duração do governo Dilma.
Disparada
Com o dólar em alta e a queda na renda dos trabalhadores, os gastos dos brasileiros com viagens internacionais caíram 46% em agosto deste ano em relação ao mesmo mês de 2014. O número registrado pelo Banco Central ficou em US$ 1,3 bilhão. Nos oito primeiros meses de 2015, a queda foi de 25%, para US$ 12,9 bilhões. Em um ano, a moeda americana subiu quase 70% em relação ao real.
Embora a alta do dólar possa pressionar os preços ainda neste ano, a inflação de 2015 já não interessa ao mercado. É dado como certo que o IPCA ficará acima de 9% e que a Selic permanecerá em 14,25% ao ano até dezembro. O que importa, agora, são os próximos anos. E as expectativas para 2016 e 2017, que por um breve momento abrandaram, estão novamente “desancoradas”, conforme o jargão da política monetária. Com isso, a esperada queda dos juros em 2016 começa a ficar ameaçada.
Entre maio e julho deste ano, as projeções para a inflação de 2016 compiladas pelo boletim Focus, do Banco Central, recuaram gradualmente até 5,4%. Mas voltaram a subir e, após sete altas seguidas, chegaram a 5,7% na semana passada. As estimativas para 2017, que no mês passado eram de 4,55%, agora estão em 4,74%. Na opinião do mercado, o IPCA só volta à meta de 4,5% em 2018.
Bancos e consultorias erram com frequência tais previsões, mas elas não deixam de ser importantes, pois as expectativas acabam influenciando a direção dos preços. “Enquanto o cenário político não se resolver, o estresse continuará e as perspectivas de inflação só tendem a piorar”, diz Márcio Cardoso, sócio-diretor da corretora Easynvest.
Marcio Milan, analista da Tendências Consultoria, também vê na política uma questão-chave. “Uma vez que não há nenhuma perspectiva de se acomodar todo esse barulho, é muito provável que continuemos observando piora nas expectativas inflacionárias”, avalia.
Dólar fecha acima de R$ 4 pela 1ª vez
Dúvidas sobre a aprovação de medidas fiscais necessárias para evitar que o Brasil tenha sua nota de crédito cortada por agências de classificação de risco e a preocupação com a crise global fizeram o dólar romper nesta terça-feira (22) a barreira dos R$ 4, para seu maior valor histórico.
O dólar à vista, referência no mercado financeiro, fechou com valorização de R$ 1,58%, para R$ 4,054 na venda. Já o dólar comercial, utilizado em transações de comércio exterior, avançou 1,80%, também para R$ 4,054. É o maior valor histórico de ambas as cotações. Na máxima dessa terça-feira, o dólar à vista chegou a atingir R$ 4,063, e o dólar comercial, R$ 4,068.
É preciso considerar, no entanto, que o cenário econômico entre 1994, quando o Plano Real foi criado, e 2015 mudou drasticamente. O valor de R$ 4 naquela época, por exemplo, hoje valeria cerca de R$ 12,75, após correção inflacionária.
Impacto
A alta do dólar tende a pressionar a inflação, já que encarece os produtos importados. O IBGE divulgou nesta terça-feira que o IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15) desacelerou para 0,39% em setembro. O índice é considerado uma espécie de prévia da inflação oficial. No ano, porém, a inflação acumula avanço de 7,78% – o mais elevado para o período desde 2003 (8,46%).
Este cenário tem feito com que os investidores apostem em juros mais elevados nos próximos anos, também pela expectativa de que o Brasil terá de pagar taxas maiores para atrair investidores estrangeiros dispostos a bancar o risco de investir num país pouco confiável na avaliação das agências de risco.
Previsão para a taxa básica de juros voltou a subir
Hoje parece pouco provável que o Banco Central reforce a dose dos juros para conter a inflação. Mas pode ser que a Selic não baixe tanto quanto se esperava em 2016. O mercado chegou a prever que a taxa cairia abaixo de 12% até o fim do ano que vem, mas na semana passada a expectativa média subiu para 12,25%. Muitos economistas veem o recuo dos juros como determinante para um início de recuperação da economia.
“O adiamento da queda dos juros é um risco que começa a se desenhar. Mas, por enquanto, ainda esperamos que o Banco Central comece a reduzi-los em junho, chegando a 12% no fim de 2016”, diz Marcio Milan, da Tendências. “O lado real da economia sente de forma intensa esse ajuste que vem ocorrendo, e isso em alguma magnitude tem que bater na inflação. Além disso, o choque de preços administrados deste ano deve se dissipar em 2016.”
Receita antiga
O PT e economistas desenvolvimentistas querem que o governo mude o rumo da economia. Uma das sugestões é a baixar rapidamente os juros, para estimular a atividade econômica – mais ou menos como o governo fez em 2012, sem muito sucesso. “Baixar os juros agora é dar combustível para inflação. Por outro lado, no quadro atual é pouco provável que isso estimule as empresas a investir, ou motive um trabalhador com medo de desemprego a contrair dívidas”, diz Márcio Cardoso, da Easynvest. (FJ)
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