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Ao menos 12 governos estaduais já anunciaram a intenção de elevar em 2024 a alíquota modal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A medida deve aumentar preços de produtos ao consumidor final em todo o país e, portanto, os indicadores de inflação.
A decisão dos governadores acabou gerando uma “queda de braço” entre as administrações estaduais e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde que representantes de estados do Sul e do Sudeste passaram a atribuir o aumento do tributo à reforma tributária, apoiado pelo Ministério da Fazenda.
O governo federal rebateu o argumento, alegando que o verdadeiro responsável para a necessidade de majoração do imposto é o mandatário anterior, Jair Bolsonaro (PL), que teria desajustado as contas estaduais, e que a atual gestão já tem atuado para repor as perdas.
Entenda a seguir, em sete pontos, o que está em discussão e as razões para se chegar a esse cenário.
Movimento teve início em estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste
A primeira unidade federativa a anunciar elevação do ICMS para 2024 foi o Ceará, onde a Assembleia Legislativa aprovou o aumento na alíquota padrão de 18% para 20% ainda em fevereiro deste ano.
Em outubro, seguiram o movimento os estados de Pernambuco (18% para 20,5%), Paraíba (18% para 20%), Rondônia (17,5% para 19,5%) e Distrito Federal (18% para 20%). Já em novembro, foi a vez da Bahia (19% para 20,5%).
No Rio Grande do Norte, um decreto do Executivo editado em março elevou a alíquota do imposto estadual de 18% para 20% até 31 de dezembro deste ano. Em outubro, o governo encaminhou à Assembleia Legislativa projeto para manter o patamar de 20% por tempo indeterminado, mas o texto acabou rejeitado nesta semana na Comissão de Fiscalização e Finanças.
Estados do Sul e Sudeste seguem movimento e atribuem aumento a reforma tributária
Na terça-feira (21), secretários de Fazenda de seis dos sete estados das regiões Sul e Sudeste divulgaram comunicado conjunto em que anunciam o aumento do ICMS e argumentam que a medida é resultado da iminente aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, a PEC da reforma tributária.
Segundo os representantes dos governos do Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, a reforma configura “um forte incentivo” para que os governos estaduais aumentem a arrecadação nos próximos anos, de modo a garantir suas receitas tributárias nos 50 anos subsequentes.
Isso porque as participações das unidades federativas no total arrecadado com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), previsto na PEC, será calculada com base na receita média de cada ente com o ICMS entre 2024 e 2028 – o imposto será extinto ao fim do período de transição da reforma. “Desse modo, quanto maior a arrecadação de um Estado com o ICMS nesse período, maior será o fluxo de recursos do IBS a ele destinado até 2078”, diz trecho da carta.
O documento também cita que a perda de arrecadação decorrente de mudanças introduzidas na legislação federal em 2022 é outra razão para a necessidade de elevação das alíquotas.
A expectativa é de que os estados enviem às Assembleias Legislativas uma proposta de aumento do tributo para 19,5%. Atualmente, a alíquota é de 17% no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul, de 18% em Minas Gerais, São Paulo e Rio, e de 19% no Paraná.
Secretário especial para a reforma tributária diz que PEC não justifica aumento de ICMS
Na quarta-feira (22), governo federal rebateu a justificativa em nota em que defende que a reforma tributária não justifica a elevação das atuais alíquotas do ICMS. No comunicado divulgado pelo Ministério da Fazenda, a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, comandada pelo economista Bernard Appy, afirma que os estados manterão autonomia para fixar sua alíquota de IBS abaixo ou acima do porcentual de referência.
“Caso algum estado julgue que sua arrecadação no período de 2024 a 2028 não reflete adequadamente sua participação histórica no total da arrecadação do ICMS, nada impede que ele eleve sua alíquota do IBS”, diz trecho do texto.
Fazenda atribui necessidade de elevação de ICMS ao governo Bolsonaro
A nota diz ainda que a elevação das alíquotas modais do imposto estaria relacionada, na verdade, às perdas que os estados tiveram em suas receitas com a aprovação, no último ano do governo Bolsonaro, das leis complementares 192 e 194.
A Lei Complementar 192 mudou a cobrança de ICMS sobre combustíveis, tornando-a monofásica, uniforme e específica por unidade de medida. Já a 194 classificou como essenciais itens como combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, limitando o porcentual do tributo estadual que pode incidir sobre esses bens.
“Essa, aliás, foi a razão apresentada por 17 estados que já elevaram suas alíquotas modais de ICMS desde o final de 2022, antes da publicação do relatório da PEC 45 contendo a referência ao período de 2024 a 2028”, ressalta a pasta.
“No mesmo sentido, a própria nota assinada pelos secretários da Fazenda de seis dos sete estados do Sul e Sudeste que apontam a reforma tributária como motivo para a elevação da alíquota modal do ICMS indica que a perda de arrecadação decorrente das mudanças introduzidas na legislação federal em 2022 é também uma razão para a elevação das alíquotas modais do imposto”, diz o texto.
Haddad diz que perdas de estados já estão sendo compensadas
Nesta sexta-feira (24), em entrevista coletiva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou a posição. “Os governadores foram afetados por uma medida populista no meio do ano passado, que foram as leis complementares que tomaram deles o ICMS sobre combustíveis”, disse.
“Aquilo foi feito de forma populista, como muita gente denunciou à época. Era populismo barato para tentar ganhar voto e ameaçar o processo democrático, e não ia ter sustentabilidade. Em nenhum lugar do mundo você isenta combustível fóssil de tributos que água mineral paga”, acrescentou.
Segundo ele, as medidas resultaram em perdas equivalentes a 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) para os estados. “Isso dá R$ 80 bilhões de prejuízo para os estados com as leis complementares do governo anterior.”O ministro afirmou ainda que o prejuízo está sendo compensado pelo atual governo. “Uma parte disso foi feita em março deste ano por nós, quando fizemos um acordo no Supremo Tribunal Federal para compensar um dano que foi causado na ordem de R$ 26,9 bilhões, que estão sendo pagos. Mas não tem nada a ver com apetite do governador. Eu estou até defendendo: estão repondo o que perderam. A maioria perdeu muita arrecadação em virtude de populismo.”
Presidente do Comsefaz diz que leis complementares e reforma justificam aumento de alíquota
Em entrevista ao programa Em Ponto, da GloboNews, o presidente do Comite de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Carlos Eduardo Xavier, disse que o debate sobre a alíquota modal de ICMS está diretamente ligado às leis complementares 192 e 194, que, segundo ele, retiraram, somente no ano passado, mais de R$ 45 bilhões dos governos estaduais.
“A gente não pode tirar o contexto as leis 194 e 192, que reduziram drasticamente a receita dos estados antes das eleições de 2022, quando os combustíveis estavam com valores altos e se mexeu na estrutura do ICMS”, disse.
Segundo ele, o acordo de compensação firmado pelos estados com a União não teria sido suficiente para recuperar as perdas. “O Comsefaz calculou uma perda R$ 45 bilhões em 2022 e fizemos um acordo para compensação parcial de R$ 27 bilhões, mas as perdas vêm se mantendo mês a mês. Então essa foi uma forma dos estados conseguirem se manter viáveis financeiramente”, explicou.Ele acrescentou ainda que a reforma tributária também seria um motivo para aumentar o tributo estadual. “[A mudança das alíquotas] lida com o presente e com o futuro, dentro do contexto da reforma tributária”, afirmou.
Aumento de alíquotas pode pesar na inflação de 2024
“Como o ICMS tem como base tributária o consumo de mercadorias, praticamente tudo deve aumentar, com exceção de alguns itens que têm desoneração específica, como os que compõem a cesta básica, alguns tipos de medicamentos, equipamentos médicos e hospitalares, por exemplo”, diz o especialista em direito tributário Ricardo Alegransi, da consultoria FGO Legal.
Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, diz que somente com efeito direto em energia e telecomunicações, deve haver um impacto de 0,08 a 0,1 ponto porcentual no IPCA.
“Já para a gasolina, pode se tornar motivo de rediscussão, pelo Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária], da alíquota ad rem após a entrada em vigor já programada para fevereiro de 2024 (R$ 1,37), lembrando que precisam seguir a noventena caso optem por subir”, explica. “Em relação aos efeitos para o IPCA em preços livres, ainda não chegamos em conta fidedigna dado que hoje temos muitas exceções regionais e setoriais. Vamos investigar cada alíquota nos próximos dias.”
Para Alegransi, os governos estaduais podem estar “pegando carona” no contexto da discussão da reforma tributária para justificar um aumento de arrecadação. “Os próprios balanços dos estados mostram que houve uma perda de arrecadação, mas o que a gente teve de desoneração no passado, já teve essa retomada no final do ano passado e início deste ano”, comenta.
“O novo governo federal já entrou revogando essas desonerações. Desde janeiro, os estados já retomaram o que de fato perderam, e aumentar agora é aumentar para sempre”, diz.
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