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O que você faria com um salário modesto que aparece mensalmente na sua conta, independentemente de estar ou não empregado: Aposentar-se cedo? Mudar de carreira? Abrir aquele negócio que você sempre sonhou?

Esta questão está no cerne do tema crescentemente popular, mas controverso, da renda básica universal (RUB), que propõe a substituição de programas de bem-estar social, muitas vezes ineficientes, por um salário garantido para todos, o suficiente para pagar pelo menos as necessidades básicas de alimentação, abrigo e roupas. É um modelo de renda contraintuitivo que desafia ideias sobre compaixão eficaz e preguiça induzida. Mas, em meio a temores de um futuro automatizado e com menos empregos, mais economistas estão começando a analisar o tema. Esse modelo está sendo testado em lugares como a Finlândia.

Em uma entrevista ao Reddit Ask Me Anything , o filantropo e empresário Bill Gates tinha o seguinte a dizer sobre o assunto: “Ao longo do tempo os países serão ricos o suficiente para fazer isso. No entanto, ainda temos muito trabalho que deve ser feito – ajudar as pessoas mais velhas, ajudar as crianças com necessidades especiais, tendo mais adultos ajudando na educação. Mesmo os EUA não são suficientemente ricos para permitir que as pessoas não trabalhem. Algum dia vamos ser, mas até então, coisas como o crédito de imposto de renda vai ajudar a aumentar a demanda por trabalho.”

Está explícito em sua resposta um dos argumentos amplamente aceitos contra a RUB: que muitas pessoas, se for dado um salário desvinculado do trabalho, vão optar por não trabalhar.

No ano passado, a Suíça esmagadoramente rejeitou um referendo em que se propunha a criação da renda universal, com quase 80% das pessoas contra ela. “Se você paga às pessoas para não fazer nada, elas não farão nada”, disse à AFP na época Charles Wyplosz, professor de economia do Geneva Graduate Institute.

Mas isso é necessariamente o caso? Alguns economistas dizem que um corpo crescente de evidências sobre uma ferramenta de combate à pobreza chamada “transferências de dinheiro” pode sugerir o contrário.

Transferências de dinheiro são exatamente o que elas parecem ser: um presente em dinheiro, muitas vezes dados por ONGs para os membros de uma população que vive na pobreza – em alguns países, como ocorre no Brasil com o Bolsa Família, há transferências feitas pelo Estado. Elas geralmente são concedidas a grupos-alvo de algumas centenas de milhares de indivíduos com somas que se situam entre algumas centenas e alguns milhares de dólares. Alguns são montantes fixos únicos, e outros ocorrem mensalmente por um tempo.

Os defensores argumentam que as transferências de dinheiro são eficazes precisamente pelas mesmas razões que os presentes de aniversário em dinheiro podem ser decepcionantes: elas não exigem quase nenhum esforço e acabam sendo uadas no que o destinatário precisa. Nesses aspectos, as transferências de renda se assemelham à RUB com sua flexibilidade e baixos custos gerais, embora muito mais focado em ajudar as pessoas a escapar da pobreza, em vez de, digamos, sobreviver à automação.

“Ficamos realmente impressionados com a forma como a conversa sobre a renda básica universal vem de dois extremos totalmente diferentes”, Paul Niehaus, disse o co-fundador da transferência de dinheiro experimental sem fins lucrativos GiveDirectly. “Em uma extremidade, você tem povos dos países ricos que preocupam-se sobre o que vai acontecer às pessoas e a seus trabalhos por causa da automatização. Por outro lado, você tem pessoas que estão pensando em aliviar a pobreza e se essa abordagem muito direta pode ser a correta.”

O projeto GiveDirectly, que começou em outubro de 2016, tem como objetivo dar a todos os 95 adultos em uma aldeia rural do Quênia US$ 22 dólares por mês para os próximos 12 anos. Muitos dos moradores estavam vivendo com menos de 75 centavos por dia, então, na verdade, esta é uma quase uma RUB.

As primeiras evidências apontam que, em vez de pegar o dinheiro e relaxar, muitos participantes utilizam os fundos para investir em equipamentos comerciais, educação ou alimentação para as suas famílias. “Sinto que preciso trabalhar mais e me envolver em outras atividades geradoras de renda para conseguir mais dinheiro”, disse um beneficiário de 70 anos.

Um estudo realizado em Uganda, o Programa de Oportunidades para Jovens, concedeu doações pontuais, em média, de US $ 382 por membro para propostas de programas de treinamento vocacional e materiais necessários para a prática de um ofício. Quatro anos mais tarde, a ONG Innovations for Poverty Action descobriu que os participantes estavam ganhando 41% mais do que um grupo de controle randomizado, uma cifra que subiu para 84% para as mulheres.

Os pesquisadores enfatizam o papel que a escolha pessoal desempenha em tais transferências de dinheiro. Simplificando, o melhor juiz do que uma pessoa precisa é que a própria pessoa.

“Você tem que se perguntar: quem vai tomar uma decisão melhor sobre um negócio: a pessoa que tem que viver com as consequências, ou o branco na capital local que projetou o programa sem nunca ter cultivado um único dia em sua vida? “, disse Christopher Blattman, economista da Universidade de Chicago, em entrevista por e-mail.

O “ensinar um homem a pescar” sabedoria convencional é poderoso, mas verifica-se que as pessoas são muito boas em ensinar-se a pescar, se elas quiserem ser pescadoras. “Há muita evidência de que o treinamento profissional não resolve, e é difícil de fazer”, disse Abhijit Banerjee, economista do MIT, em entrevista por telefone. “Os programas mais bem sucedidos dão dinheiro às pessoas para elas encontrarem o treinamento que quiserem.”

Uma série de estudos contribui para um crescente reconhecimento de que os receptores de transferências de dinheiro geralmente podem ser confiáveis para desperdiçar o dinheiro em vícios destrutivos. Uma pesquisa de 19 projetos internacionais de transferência de dinheiro descobriu que em quase todos os casos os gastos com álcool e tabaco permaneceram iguais ou mesmo caíram.

Mas, apesar dos sinais promissores que alguns vêem em tais programas-piloto, Blattman é o primeiro a alertar contra levar a interpretação dos resultados das transferências de dinheiro, que visam apenas as populações mais pobres e vulneráveis, para a renda básica universal.

“A RUB é diferente porque vai para todos (não apenas aqueles com potencial ou incentivos para investir) e é muito mais caro. Tem um teste de custo-benefício muito mais difícil”, diz ele.

Embora o efeito positivo das transferências de dinheiro sobre os pobres esteja ficando mais claro, outros preocupam-se com os efeitos que a renda universal poderia ter sobre a sociedade. O que aconteceria se o trabalho não fosse mais necessário para se ganhar a vida? Mais dados são necessários para a resposta.

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