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Safra excepcional foi um dos motores do PIB no primeiro trimestre de 2023| Foto: Michel Willian/Arquivo/Gazeta do Povo

Valorização do real, queda na taxa de desemprego, revisões para baixo nas expectativas de inflação e para cima nas de crescimento do PIB: 2023 tem sido de bons indicadores para a economia brasileira até agora.

Mas, embora integrantes do governo e aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemorem, os números não podem ser atribuídos exclusivamente à política econômica do governo, segundo economistas.

Parte do cenário é resultado de medidas tomadas em gestões anteriores, como as de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), mas também por iniciativas do Congresso Nacional e pela política monetária do Banco Central.

Outros fatores importantes incluem resultados do setor produtivo, em especial do agronegócio, e de um contexto internacional favorável que tem se refletido na economia brasileira, o que alguns analistas têm definido como "sorte" do atual governo.

"Sorte": contexto internacional favorece início do governo Lula

A queda nas cotações de commodities, por exemplo, tem ajudado na redução da inflação de alimentos e combustíveis, diz Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset.

Para se ter uma ideia, a saca de soja, que chegou perto dos R$ 180 em janeiro, está cotada agora no patamar de R$ 135 (-25%), depois de chegar aos R$ 126 em junho, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).

Já o barril de petróleo Brent, usado como referência em operações internacionais, caiu abaixo dos US$ 80 este ano, depois de superar os US$ 130 em 2022, conforme o Departamento de Energia dos Estados Unidos.

"A queda nos preços de commodities é tão grande que está contaminando os indicadores de inflação no atacado", explica Barros. "IGP-M e IGP-DI estão caindo a ponto de ter deflação. E parte disso está indo para o varejo, sensibilizando, por exemplo, a inflação de alimentos e de combustíveis no IPCA".

De fato, o indicador oficial da inflação no país registrou em junho deflação de -0,08%, puxado principalmente pela queda de -0,66% no grupo de alimentos, de -0,42% em artigos de residência, e de -0,41% em transportes, que inclui combustíveis.

"A gente está tendo uma surpresa positiva não porque o governo está entregando uma agenda melhor, mas porque deu sorte", diz o economista. "Esse vento a favor é externo, não doméstico. Não tem nenhuma justificativa doméstica para isso ter acontecido", afirma.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, explica que 2023 é um ano de ajuste após três crises econômicas ocorridas ao longo dos últimos anos. "Primeiro veio a crise da Covid-19, seguida de um choque de demanda muito grande por conta da política fiscal. Na sequência, a guerra da Ucrânia, responsável por jogar os preços de energia lá para cima", ressalta.

"Foram três crises muito profundas, e 2023 é um ano de ajuste em que os indicadores de inflação mundial vão desacelerando em razão da alta de juros em grande parte do mundo. Mas é uma desaceleração que tem sido de certa forma bem conduzida, sem gerar uma recessão grave", avalia.

Internamente, uma parte importante das boas novas no campo econômico ao longo dos últimos sete meses está atrelada ao resultado do agronegócio, tanto em relação à atividade econômica quanto à inflação. A alta de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro trimestre de 2023 foi fortemente influenciada pelo crescimento de 21,6% no setor, recorde desde o quarto trimestre de 1996.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o resultado, divulgado em junho, é explicado principalmente pelo aumento da produção da soja, principal lavoura de grãos do país, que concentra 70% da safra no primeiro trimestre e deve fechar este ano com recorde.

"Uma parte boa da história tem a ver com o agro, e aí não tem relação nem com governo anterior, nem com o atual, porque tem a ver com o cenário de preços altos de commodities nos últimos anos, deixando produtores bem capitalizados e investindo, além de questões climáticas, que resultaram nessa produção bastante expressiva", diz Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria.

Governos Temer e Bolsonaro contribuíram para elevação de rating

Em junho, quando a agência internacional de classificação de risco S&P Global Ratings alterou a perspectiva de nota de crédito do Brasil de estável para positiva, apoiadores do governo Lula comemoraram a notícia, atribuindo-a ao desempenho da atual política econômica. Por se tratar da primeira alteração positiva na nota do país desde 2019, a comparação com o governo Bolsonaro foi imediata.

Para Alessandra, no entanto, a mudança resulta de medidas adotadas em um horizonte mais amplo. "É um pouco o conjunto da obra dos últimos anos, principalmente de 2016 para cá", resume.

"Há uma 'herança bendita' de reformas, muitas delas, na verdade, capitaneadas pelo Congresso", diz Sérgio Vale, da MB Associados. "Foram reformas macro e microeconômicas, que começaram no [governo] Temer", afirma.

Como fatores importantes ocorridos desde lá que tem contribuído para uma perspectiva mais otimista da economia brasileira, os economistas citam a reforma trabalhista e a mudança na taxa de juros de longo prazo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), realizadas no governo de Michel Temer (MDB).

Do governo Bolsonaro, destacam a reforma previdenciária e a aprovação de importantes marcos regulatórios, como o do saneamento e das ferrovias. O controle da inflação também pode ser atribuído em grande medida à atuação independente do Banco Central (BC), cuja autonomia formal foi aprovada em 2021.

"É o que permite que o BC opere de maneira técnica e independente, seja o governo A, B ou C, garante previsibilidade e efeitos realmente concretos para a estabilidade de preços, que é uma das missões do órgão", explica Alessandra.

Arcabouço fiscal, meta de inflação e reforma tributária ajudaram

Já do início do terceiro mandato de Lula, a proposta de novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, já aprovadas na Câmara, e a decisão de manter a meta de inflação para os próximos anos em 3% e de se estabelecer, a partir de 2026, uma meta contínua, alinhada ao que é praticado em outros países.

"O mercado estava com muito medo do que poderia sair do arcabouço fiscal. Ainda há um trâmite pela frente, mas o fato é que o texto, embora não seja o ideal, veio com pontos importantes, principalmente a trava para o crescimento dos gastos, de 2,5%, e o limite de aumento de despesas limitado a 70% do crescimento das receitas. São amarras importantes para tirar de cena cenários mais pessimistas para as contas públicas", diz a economista da Tendências.

Segundo ela, isso ajudou a reduzir percepção de risco. "Se a gente pegar ativos financeiros, juro futuro caiu bem, câmbio apreciou. Isso tem a ver com o novo governo", explica.

Para Vale, o fato de o governo petista não conseguido desfazer nenhuma das reformas importantes do passado, apesar das tentativas, também contribui para uma perspectiva mais otimista do cenário macroeconômico.

"Nesse sentido, você tem um governo que ao longo do primeiro semestre teve um aprendizado que acabou repercutindo de forma positiva", avalia. "Se a gente conseguir fazer a reforma tributária, haverá ainda um salto adicional nesse sentido".

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