• Carregando...

O Brasil ainda terá de esperar pelo menos mais dois anos para reduzir a dependência do gás boliviano e garantir o abastecimento do produto. Especialistas ouvidos pelo G1 disseram que a Petrobras está buscando alternativas ao gás do país vizinho desde 2003, mas que será necessário esperar até 2010 por resultados concretos desse movimento.

Na terça-feira (30), a Petrobras reduziu o fornecimento para distribuidoras do Rio de Janeiro e São Paulo, que atendem a indústria e postos de combustível, para suprir a necessidade das usinas termelétricas. A estatal voltou atrás após decisão da Justiça.

Entretanto, a medida deixou claro que a empresa tem problemas para atender toda a demanda pelo produto. As usinas térmicas estão trabalhando com maior carga para suprir a produção das usinas hidrelétricas, afetadas pela estiagem e pelo nível mais baixo dos rios em algumas regiões do país - entretanto, a redução do envio de gás às distribuidoras mostrou que a estatal não tem como atender ambos os mercados neste momento.

Problema energético

A Petrobras, dizem analistas em energia, sabe que o problema existe. "O Brasil começou a se preocupar a partir da primeira crise com a Bolívia (por volta de 2003). Entre se preocupar e colocar em curso um processo de exploração, tem todo um leque temporal, de no mínimo sete anos", afirma Alexandre Szklo, professor do programa de planejamento energético da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires, também prevê que o ajuste no setor se complete a partir de 2010 - "quando a produção doméstica aumentar e quando a Petrobras construir duas plantas de GNL" - e diz que há muito tempo já se vive um "racionamento branco" no país.

"O sistema estava se virando com as hidrelétricas. De um ano para cá, os reservatórios estão diminuindo e o país voltou a crescer. O sistema começou a pressionar a Petrobras para dar prioridade do uso do gás para as térmicas. Os reservatórios estão mais baixos, o governo teme um racionamento no setor elétrico e, para evitar isso, faz o racionamento no mercado de gás", explica Pires.

A previsão é mais otimista na visão conjuntural, ou seja, quando o problema é visto com foco neste momento específico, em que o país passa por um período de estiagem. "No médio prazo, talvez não seja um grande problema porque agora vai começar o período úmido, e a tendência é que a estiagem se escasseie", diz Szklo.

Falta de planejamento

Aumento no consumo e dependência do gás boliviano podem explicar a crise no fornecimento de gás. Para Adriano Pires, faltou planejamento ao governo, que priorizou a auto-suficiência em petróleo. "Todos os investimentos em gás foram adiados ou atrasados."

"O governo errou quando percebeu que o consumo estava aumentando muito e quando deixou que 50% do consumo de gás no Brasil viesse da Bolívia. Ao perceber que o consumo aumentava muito, deveria ter investido para aumentar a produção doméstica e encontrar outras fontes de importação", afirma.

Atualmente, segundo o consultor, 55% da produção de gás no Brasil vão para o consumo das térmicas, da indústria, automóveis e residências. O restante é utilizado na produção de petróleo. O consumo brasileiro, de 58 milhões de metros cúbicos por dia, afirma Pires, é complementado com o gás boliviano.

"Se fosse possível voltar atrás, era melhor o mercado não ter se expandido tanto e o Brasil ter se expandido em plantas de GNL. Isso o tornaria um pouco menos vulnerável a eventuais questões com a Bolívia. O parque energético do Brasil também poderia ter crescido mais em outras aéreas, como a bioenergia", opina Alexandre Szklo. Lição da Argentina

A crise no fornecimento se assemelha, ainda que em escala menor, ao que ocorreu na Argentina há alguns meses. "Aconteceu isso na Argentina, quando o governo cortou o gás na indústria e nos postos para mandar para o setor elétrico", afirma Adriano Pires.

A origem do problema pode começar a ser explicada a partir do início do funcionamento do gasoduto Brasil-Bolívia, em 1999. "No governo Fernando Henrique Cardoso pensou-se que deveria haver uma âncora para o consumo, com as usinas termelétricas. A preocupação era porque o contrato com a Bolívia era "take or pay", ou seja, o Brasil pagava mesmo não usando o gás", explica.

Em 2001, houve um abalo no setor, com o racionamento de energia e com aumento nos preços. Dois anos depois, no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o preço do gás foi congelado visando aumentar o consumo. Deu resultado. Indústrias adaptaram suas unidades para utilizar gás e cresceu o número de veículos que utilizam o GNV, o que, para o professor Alexandre Szklo, foi um equívoco.

"O incentivo ao GNV para veículos não tem sentido em um país que exporta gasolina e etanol", afirma. Além disso, ele aponta que boa parte da indústria "confiou" na previsão de aumento de importação do gás boliviano - o que acabou não acontecendo - e não se preveniu para uma possível crise.

No final da década de 90, o gás representava 3% da matriz energética brasileira. Hoje, chega a 10%. "De 2003 para cá, o consumo de gás cresceu 18% ao ano no Brasil", aponta o diretor do CBIE.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]