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Economia internacional

Budapeste: retrato de um mundo em perigo

Parlamento húngaro,  em Budapeste: cidade do Leste Europeu é retrato do custo real da recessão na vida das pessoas | AttilaKisben/AFP
Parlamento húngaro, em Budapeste: cidade do Leste Europeu é retrato do custo real da recessão na vida das pessoas (Foto: AttilaKisben/AFP)
Veja onde fica Budapeste |

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Veja onde fica Budapeste

O declínio da economia mundial é, geralmente, retratado em números – desemprego de 8,5% nos Estados Unidos; 15% na Espanha; as exportações da China caíram 25%; do Japão, 49%; espera-se que o comércio internacional caia pela primeira vez em 80 anos, em mais de 13%.

Entretanto, os números, frios e precisos, não transmitem o custo real que essa recessão ainda pode extrair, caso não seja revertida. Todavia, Budapeste transmite.

Quando visitei a cidade pela primeira vez, como estudante de intercâmbio, em 1989, ela era a capital da Hungria comunista. Apesar da melancolia pairando sobre a cidade como uma nuvem, havia certo charme por trás das camadas de sujeira e tristeza. Quando voltei à cidade, no mês passado, como jornalista de férias, Budapeste era Europa, tanto quanto Paris ou Barcelona.

Há vinte anos, a Hungria era um satélite soviético. Minha primeira lembrança de Budapeste é a de ter pego um metrô, da estação de trem até a Moszkva, Praça Moscou. Quando saí do metrô e cheguei à praça, em uma das muitas colinas do lado de Buda do rio Danúbio, fiquei impressionado. Do outro lado do rio cinzento, em Pest, estava o parlamento húngaro, uma coleção de dezenas de delicados pináculos góticos ao redor de uma cúpula majestosa. Passei os dias seguintes descobrindo que Budapeste, como o parlamento, era magnífica. No entanto, a grandeza parecia deslocada em meio à tristeza inconfundível que pairava sobre a cidade.

Porém, por baixo da sujeira que cobria os palácios e casas da virada do século, um esplendor conseguia aparecer. As linhas sofisticadas e a rica arquitetura faziam esses prédios parecerem pessoas abastadas. Duas guerras mundiais e regimes autoritários não apagaram a sofisticação deles. avia uma energia furtiva nos olhos de estranhos nos metrôs lotados, mas também uma apreensão, refletindo o fato de que a Hungria estava se afrouxando politicamente, apesar de que a liberdade ainda não havia explodido.

Para um país do bloco do Leste, a Hungria era relativamente próspera, mas havia ainda uma monotonia nas roupas usadas pelas pessoas, uma mesmice nos produtos das lojas. A cidade parecia cozinhar em fogo baixo, na falta de esperança de um sistema econômico em declínio.

Quando voltei à cidade, no mês passado, fiquei novamente impressionado. Após duas décadas de liberalização econômica e política, o potencial da cidade já não estava escondido. Budapeste se tornou um sonho realizado, cheia de hotéis de padrão internacionais, gruas de construção onipresentes, mansões e museus limpos. Mulheres e homens estilosos lotavam os metrôs e as calçadas. As lojas estavam cheias a ponto de explodir, com produtos locais e marcas globais. Percebi que a Hungria era, de novo, parte da Europa.

É isso que está em risco no colapso atual – um mundo verdadeiramente globalizado, cada vez mais conectado e familiar, e, como mostrou o contágio da fraqueza econômica, mais frágil, devido a sua interdependência.

Nos anos após a entrada da China, depois da Rússia e seus satélites, na economia global, a confiança se tornou a moeda deste mundo globalizado. Uma das características dominantes de nossa época tem sido uma autoconfiança exagerada, um orgulho às vezes presunçoso de nossa modernidade. Até que tudo isso começou a se esfarelar, no ano passado, um sentimento de otimismo e possibilidade infectou uma elite instável e, até certo ponto, as classes média e trabalhadora, de Budapeste a Bangalore.

O comércio internacional aumentou, à medida que caíam barreiras econômicas. A prosperidade cresceu e se espalhou. Mais de um bilhão de pessoas foram tiradas da pobreza nas últimas quatro décadas, a maioria delas na Ásia. Em grande parte do Leste Europeu, a prosperidade e a liberdade pessoal chegaram ao mesmo tempo.

Nós não valorizamos esse mundo. Nos comportamos como se fosse perfeitamente natural poder viajar livremente de um lado da Europa a outro, retirar dinheiro de nossa conta corrente em caixas eletrônicos na África.

Toda uma indústria cresceu ao redor da globalização, com seus entusiastas e críticos. Agora, o mundo globalizado enfrenta seu maior desafio: uma contração econômica como nunca se viu antes.

O problema é que muito da prosperidade húngara, e de seus vizinhos, foi emprestada de bancos estrangeiros. Outros países em desenvolvimento estão presos em seus próprios laços de globalização – do México, altamente dependente de consumidores americanos como clientes, até a China, cuja força exportadora está diminuindo tanto que, possivelmente, crescerá somente a metade, em relação ao ano passado.

O que acontecerá ao redor do mundo se milhões de pessoas continuarem a perder seus empregos? O que restará de um mundo que pensou que as fortunas só se moviam em uma direção? Na verdade, ninguém sabe.

Na Europa do leste, o pesadelo de diversos protestos continua mais falatório do que corresponde à realidade. Pelo menos, até o momento. Sentado em um café na Andrassy, ainda é difícil acreditar que podemos voltar a uma época quando a Europa não era inteira e livre – ou que Budapeste pode se tornar refém, novamente, de um sistema econômico em colapso.

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