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Tragedia no RS
Resgatistas navegam pelo bairro Humaitá, em Porto Alegre: além da tragédia humanitária, chuvas no Rio Grande do Sul vão reduzir o crescimento do PIB brasileiro.| Foto: Sebastião Moreira/EFE

A tragédia causada pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul é, antes de mais nada, humanitária: balanço divulgado na manhã desta quinta-feira (16) contabilizava 151 mortos, 104 desaparecidos e 615 mil pessoas fora de casa. Quase 2,3 milhões de gaúchos foram afetados pelas inundações, em 460 dos 497 municípios do estado.

Mas o estado também sofrerá por muito tempo um imenso impacto econômico. Além de reduzir drasticamente a atividade local, a catástrofe vai afetar o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, reduzindo o crescimento que era esperado para 2024.

Até as enchentes, o mercado de trabalho brasileiro vinha surpreendendo. A geração de empregos com carteira assinada no primeiro trimestre superou períodos equivalentes de 2022 e 2023. E, apesar de uma esperada desaceleração em relação ao ano passado, as expectativas do mercado para o PIB de 2024 vinham sendo elevadas pouco a pouco – recentemente o ponto médio das projeções passou de 2%. Isso tende a mudar de agora em diante.

Analistas consultados pela Gazeta do Povo indicam que a devastação no Rio Grande do Sul deve fazer com que o crescimento brasileiro seja de 0,2 a 0,4 ponto percentual menor que o previsto até agora – a mediana das expectativas para a expansão do PIB brasileiro estava em 2,09% no boletim Focus divulgado nesta semana.

"Os números são preliminares e podem ser piores à medida que se conhecerem melhor os impactos das chuvas", diz Sílvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria. Ele avalia que os investimentos para recuperar a infraestrutura econômica e logística deverão superar os bilhões de reais.

O estado foi atingido por chuvas persistentes, em volumes extraordinários, a partir da última semana de abril. Em poucos dias, choveu o equivalente a três meses da média histórica.

Nesta quinta-feira (16), o governo federal chegou a elevar sua projeção para o crescimento do PIB em 2024, de 2,2% para 2,5%. Mas o relatório do Ministério da Fazenda admite que os estragos no Rio Grande do Sul não foram incluídos no cálculo. A tendência é de que sejam estimados mais adiante.

Chuvas no Rio Grande do Sul mexem com PIB da indústria e do agronegócio

O Rio Grande do Sul tem o quarto maior PIB do país, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O último dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente a 2021, indica que o estado representa 6,5% da atividade econômica brasileira.

O peso do estado no agronegócio e nas atividades industriais é ainda maior: ele responde por 12,6% do PIB agropecuário do país e por 8,3% da indústria de transformação.

O Rio Grande do Sul é responsável por 99% da produção nacional de canola; 75% de aveia; 71% de arroz; 45% de trigo e 40% de centeio. Na indústria de transformação, os destaques são a produção de fumo (56,6% da produção nacional); calçados (28,5%); móveis (25,1%); máquinas e equipamentos (19,4%) e produtos de metal (16,5%).

Um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) aponta que 94,3% da atividade econômica estadual foi afetada, atingindo 447 dos 497 municípios. “Os locais mais atingidos incluem os principais polos industriais, impactando segmentos significativos da economia do estado”, afirma Arildo Bennech Oliveira, presidente em exercício da entidade empresarial.

A logística no estado ficou muito comprometida. Algumas das principais rodovias que ligam o estado, como as BRs 116, 290 e 386 sofreram os impactos das enchentes, bem como estradas estaduais e municipais.

O aeroporto internacional Salgado Filho, que atende a Porto Alegre, deve permanecer fechado até setembro. Os portos de Porto Alegre e Pelotas estão paralisados, enquanto o de Rio Grande opera normalmente. Os alagamentos e os danos à infraestrutura devem afetar a logística de transporte. Produtos como arroz e frutas, como uva, maça e pêssego podem ser afetados. O estado é o sexto maior exportador do país, representando 6,6% de todo o valor que o Brasil faturou com vendas a outros países no ano passado.

A queda na produção e a dificuldade de transporte derrubaram a movimentação de cargas – e consequentemente a arrecadação – no estado. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), ela caiu 49% nos 12 primeiros dias do mês – o valor médio dos Conhecimentos de Transporte Eletrônico (CTEs) baixou a R$ 1,4 bilhão por dia, ante R$ 2,74 bilhões na média de janeiro a abril. O IBPT prevê projeta uma contração de ao menos 40% na receita de ICMS em maio.

Segundo a XP Investimentos, os maiores impactos devem ser sentidos por operadoras de shopping centers, empresas de saneamento, elétricas e siderúrgicas. Construtoras, fabricantes de bens de capital, alimentos e bebidas, papel e celulose, varejo e óleo e gás também devem ser afetados.

“A indústria gaúcha já enfrentava problemas antes das enchentes e agora a situação piorou”, destaca o analista Victor Arduin, da Hedge Point Global Markets.

A delicada situação fiscal do estado já vinha reduzindo a competitividade da indústria gaúcha. Uma das alternativas encontradas pelo governo local para contornar o problema com as contas públicas foi o aumento de impostos, o que tornou o produto gaúcho mais caro.

Outro problema, que no momento é de difícil avaliação, diz respeito aos danos causados à infraestrutura, às cadeias logísticas e à destruição de bens de capital. Segundo o economista Carlos Lopes, do BV, ainda é cedo para avaliar os impactos, uma vez que a maior parte das áreas atingidas ainda está sob as águas.

“O risco é de que nem todas as estruturas produtivas destruídas pela enchente sejam reconstruídas, especialmente em setores que enfrentam dificuldades competitivas, implicando em perdas que podem ser mais duradouras. Por outro lado, setores econômicos podem tornar-se mais competitivos se a reconstrução levar a ganhos de produtividade graças à modernização da infraestrutura física pública e privada ou à melhor alocação de capital”, destaca o Bradesco em relatório.

Uma esperança pode vir do impulso fiscal que o estado deve receber nos próximos meses, o que pode contribuir para atenuar o impacto no PIB nacional. Uma das medidas foi a suspensão por três anos do pagamento da dívida, o que pode elevar a capacidade de investimento por parte do governo gaúcho.

Arduin avalia que a possibilidade de auxílios do governo federal pode trazer oxigenação à economia gaúcha nos próximos meses, mas a reconstrução de estradas, pontes e de outros bens poderá levar um tempo, possivelmente anos.

Comércio e serviços também sentem impactos da inundação

O varejo gaúcho estima que, na primeira semana de maio, houve prejuízos de R$ 585,4 milhões, segundo levantamento feito pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL), com base na combinação entre levantamentos feitos pela Cielo e IBGE. As transações no Rio Grande do Sul caíram 15,7% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto no país a queda foi de 3,2%.

De acordo com a entidade empresarial, as categorias ligadas aos serviços e a bens menos essenciais sofreram as maiores perdas devido à interrupção da atividade econômica em diversos locais causada pelo excesso de chuvas. Em contrapartida, postos de gasolina e supermercados e hipermercados tiveram um crescimento mais expressivo.

“Entendemos que essa dicotomia pode ser explicada pela reação da população diante da incerteza com o futuro, suscitando a formação de estoques de alimentos e outros itens básicos. Além disso, parte do incremento é reflexo das aquisições visando doações para os atingidos pelos alagamentos”, avalia Oscar Frank, economista-chefe da CDL Porto Alegre.

Segundo Matheus Calvelli, pesquisador econômico e cientista de dados da Stone, o movimento começou a arrefecer com força no Rio Grande do Sul a partir do dia 25, especialmente nas regiões centrais. No mês passado, o estado registrou uma queda de 9,5% nas transações com cartões, voucher e Pix em comparação a março. Foi a segunda maior retração entre as unidades federativas, atrás apenas do Amapá.

Ele destaca que o cenário deve piorar nas próximas semanas: “A pandemia ensinou que é preciso ter cautela com eventuais notícias de melhora. Há aumento em setores básicos como alimentação e farmácias, mas isso não significa que o pior já passou”.

Outra atividade afetada é o turismo. Uma das regiões mais atingidas foi a Serra Gaúcha, onde estão alguns dos principais atrativos do estado. Porto Alegre e região metropolitana, polo importante para os negócios, foi uma das áreas mais afetadas. O fechamento do aeroporto Salgado Filho por meses também terá impactos negativos.

Inadimplência de empresas e consumidores deve aumentar no RS

Outra preocupação para a economia gaúcha é a deterioração da situação financeira dos consumidores e das empresas. Luiz Rabi, economista sênior da Serasa Experian, avalia que, diante do quadro vivenciado pelo estado, há uma tendência clara de aumento na inadimplência e nas recuperações judiciais.

No fim do primeiro trimestre, havia 373,1 mil empresas inadimplentes no Rio Grande do Sul, o maior número desde setembro de 2021. O número de consumidores nessa situação era de 3,6 milhões, ou 39,8% da população adulta. São os maiores índices na série histórica iniciada em 2019.

A agência de classificação de risco Moody’s avalia que as enchentes não devem afetar de modo significativo o rating das empresas avaliadas. A preocupação é se a continuidade das chuvas ou inundações prejudicar ainda mais a produção e a logística no estado, com impactos adicionais sobre o fluxo de caixa e a receita das empresas.

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