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A esperada desaceleração da economia global, decorrente do aumento das tarifas de importação lideradas pelos Estados Unidos sob Donald Trump, pode contribuir para o fim do ciclo de alta dos juros, iniciado em setembro. No entanto, esse fator isolado pode não ser suficiente para reverter a trajetória da Selic. Atualmente, a taxa está em 14,25% ao ano, o maior patamar desde 2016, pressionada também por fatores internos, como os esforços do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para manter a economia aquecida.
A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para a primeira semana de maio, deve resultar em um aumento mais moderado da taxa Selic, após a elevação de um ponto percentual em março. Apesar disso, a inflação persistente, o mercado de trabalho aquecido e a desancoragem das expectativas do IPCA em relação à meta do Conselho Monetário Nacional (CMN) continuam sendo fontes de preocupação.
Carlos Lopes, economista do BV, destaca que a deterioração do cenário internacional e as incertezas em relação à política fiscal brasileira podem enfraquecer o real, elevando a pressão inflacionária e dificultando o encerramento do ciclo de alta dos juros. “Outro ponto de atenção é a volatilidade cambial, influenciada por eventos globais, como as tarifas impostas por Trump”, afirma Lopes.
Outro aspecto é o nível dos juros dos Estados Unidos. Se a política comercial de Trump elevar a inflação norte-americana, os juros de lá tendem a continuar altos, o que manteria a taxa brasileira sob pressão.
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Segundo o boletim Focus do Banco Central, o mercado financeiro projeta uma possível interrupção do ciclo de alta já em junho, com a taxa Selic atingindo 15%, patamar que deve se manter até o fim do ano. Para a XP Investimentos, esse seria um momento de pausa para avaliar o cenário.
A corretora ressalta que, para evitar novas altas a partir de maio, será fundamental observar uma melhora nas expectativas de inflação, sinais claros de desaceleração da atividade econômica, um ambiente externo mais favorável (com câmbio e commodities estáveis) e uma moderação na inflação de serviços.
Há analistas que acreditam que a interrupção dos aumentos pode ocorrer já em maio. Eles se apoiam em três principais argumentos:
- a sinalização do Copom em março sobre uma elevação mais moderada em maio;
- a proximidade de um patamar considerado terminal pelo mercado; e
- a perspectiva de uma desaceleração econômica mais acentuada.
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, compartilha dessa visão. Ele aponta o risco crescente de recessão global, embora o cenário predominante ainda seja de estagflação, caracterizado por baixo crescimento econômico e inflação elevada. “A boa notícia é que talvez haja menos necessidade de novos aumentos de juros”, avalia Alves.
Lula precisa dar "mãozinha" para ajudar o BC a segurar a taxa Selic
Além dos efeitos externos, analistas apontam o presidente Lula precisa adotar medidas que ajudem o BC a controlar a alta nos preços, o que dispensaria novos aumentos na Selic. Se de um lado a alta de juros iniciada em setembro já começa a desacelerar a economia, de outro as políticas do governo têm dificultado os esforços de contenção da inflação por parte da autoridade monetária.
Medidas como mudanças nas regras do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, a liberação de saques extraordinários do FGTS e novas regras para empréstimos consignados têm estimulado a demanda. A Genial Investimentos ressalta que essas ações mantêm a atividade econômica resiliente, mesmo com o aperto das condições de crédito.
A desaceleração da economia vem ocorrendo de forma mais gradual que o esperado. Dados do BC mostram que a atividade econômica cresceu 4,1% no primeiro bimestre de 2025 em relação ao mesmo período do ano anterior. A influência da alta veio da agropecuária, devido à colheita de safra que promete ser recorde.
Segundo a Genial Investimentos, no primeiro trimestre o crescimento mais forte no campo pode ter compensado os efeitos negativos da alta dos juros e da inflação elevada sobre o poder de compra das famílias.
Superaquecimento deixa mercado de trabalho pressionado e serviços mais caros
O economista do BV que o principal fator para a inflação estar acima da meta é o superaquecimento da economia. Um dos termômetros é mercado de trabalho ainda forte. Apesar do aumento da taxa de desemprego de 6,1% em novembro para 7% em março, o índice permanece em níveis historicamente baixos.
O bom desempenho do mercado de trabalho alimenta a expansão da atividade econômica do setor de serviços, que cresceu de 0,8% em fevereiro na comparação com janeiro, registrando o 11.º aumento consecutivo, conforme dados do IBGE. Entre os cinco segmentos pesquisados, quatro apresentaram crescimento, enquanto o setor de transportes foi o único a recuar, de forma modesta.
A atividade mais forte se reflete na inflação setorial. Os preços dos serviços prestados ao consumidor subiram em média 5,84% em um ano até março, o maior índice desde dezembro de 2023.
Há outras preocupações que podem manter a inflação elevada, destaca o economista-chefe do BMG, Flávio Serrano. “A instabilidade climática tem afetado os preços de algumas culturas agrícolas domésticas, pressionando os custos de alimentação no domicílio". Ele destaca que o país se aproximada estação seca, o que já provocou o acionamento da bandeira tarifária amarela na conta de luz, e alerta para a possibilidade de bandeira vermelha, ainda mais cara, no meio do ano.
Para que o ciclo de alta da taxa Selic seja encerrado, economistas também destacam a necessidade de redução das expectativas de inflação, a queda dos preços das commodities e valorização do real.
As projeções para o IPCA caíram por duas semanas consecutivas e agora apontam para uma taxa de 5,55% ao fim do ano, segundo a mediana das expectativas coletadas pelo boletim Focus, do BC. O número, no entanto, ainda está mais de um ponto percentual acima do teto da meta.
A desancoragem das expectativas é atribuída a estímulos governamentais e ao aumento do risco fiscal. Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, alerta que o aumento dos gastos públicos pode intensificar a inflação ao manter a atividade econômica aquecida e reduzir a confiança de investidores estrangeiros, limitando o fluxo de capitais para o Brasil.
A XP destaca que se o governo gastar muito além do que arrecada e indicar que continuará adotando medidas para impulsionar a economia, isso poderá levar ao entendimento de que os preços permanecerão pressionados, impactando diretamente o nível da inflação no futuro.
Como as commodities podem infuenciar na inflação brasileira
Como o cenário global permanece muito incerto, com os mercados internacionais enfrentando oscilações e alta volatilidade, é difícil cravar se seus efeitos sobre a inflação serão bons ou ruins.
De um lado, uma queda acentuada nos preços das commodities, especialmente do petróleo, poderia aliviar a inflação e reduzir a necessidade de novos aumentos na taxa Selic. O óleo do tipo Brent vem sendo negociado pouco acima de US$ 60 por barril, o menor patamar em quatro anos.
Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galápagos Capital, lembra também que a economia chinesa desempenha um papel-chave no cenário global e para o Brasil. Ela afirma: “Se a China for muito afetada, isso pode levar a uma queda na renda local e, consequentemente, à redução da demanda por commodities.”
Por outro lado, a volatilidade cambial é um complicador. Além de tornar o cenário mais complexo para as empresas realizarem planejamento e executarem suas estratégias, há um cenário de aversão ao risco que se eventualmente se reflete na cotação do dólar, afetando moedas de mercados emergentes como o real.
Se o dólar sobe, os preços de produtos importados ficam mais altos, pressionando a inflação local.







