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Antonio Delfim Netto

Economia e civilização

A complexidade das ciências sociais ocorre pelo fato de não ser possível reunir em laboratório os ingredientes desejáveis para uma certa concepção de mundo, como se faria com átomos

Para entender por que a economia é uma ciência social (e moral!), e não uma ciência da natureza como a física ou a química, basta considerar um exemplo simples que todos aprendemos no antigo curso secundário. Foi o grande professor Luiz Ferlante quem me ensinou, em 1939, que a "misteriosa" fórmula H2O é o símbolo que representa a água. Trata-se de uma combinação adequada, em circunstâncias adequadas, de hidrogênio (H) e oxigênio (O) que produz um líquido indispensável à vida e que, em condições normais, não tem cor, gosto ou cheiro. O grande paradoxo que encantou os economistas é que ela tem o maior valor para a humanidade, mas até há algum tempo não tinha preço, devido à sua abundância.

Os químicos continuam a pesquisar as propriedades do indispensável líquido. Sempre que desejam, fazem os obedientes hidrogênio e oxigênio se combinarem para produzi-lo. Suponhamos que os átomos de oxigênio pensassem, aprendessem, pudessem comunicar-se, transmitir seus desejos e necessidades e organizar-se como "classe" (ou sindicato) do oxigênio. Um átomo mais esperto logo assumiria a liderança da "classe" e manifestaria o seu descontentamento com a superioridade do hidrogênio (ele tem dois e eu tenho apenas um) na formação da água. No limite, ele decretaria a "greve geral"' do oxigênio, que se recusaria a assistir impassível à continuação da desigualdade humilhante. Imagine a surpresa dos químicos com a "resistência" do oxigênio. Imaginem o que seria da já complexa química com os átomos pensando, organizando-se, comunicando-se, aprendendo, sentindo desconforto e procurando a felicidade. E imagine a dificuldade de explicar ao oxigênio pensante que a igualdade desejada (HO ou H2O2) não seria mais a água e que o seu infinito valor desapareceria.

Pois bem, essa é a complexidade das ciências sociais, onde não é possível repetir a experiência no laboratório e os átomos são agentes e pacientes das interações: pensam, aprendem, comunicam-se, têm interesses e, mais do que tudo, formam uma "concepção do mundo" com valores desejados como a liberdade para realizar-se plenamente, organização social razoavelmente justa e razoavelmente igualitária e se organizam para obtê-los. É por isso que precisam de um Estado forte e sob controle constitucional que garanta a eficiência produtiva. Essa, como disse Keynes, não é a civilização, mas apenas a preliminar para a possibilidade da civilização...

contatodelfimnetto@uol.com.br

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