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A nova conjuntura mundial na relação de oferta e demanda das commodities agrícolas, que impacta no preço de alimentos e energia, abre uma oportunidade sem precedentes ao Brasil. Aos poucos o país começa a se posicionar, de fato e de direito, como um importante e decisivo player da produção global. Na reunião do G-20 Agrícola, que na semana passada reuniu em Paris os ministros da Agricultura das 20 nações mais industrializadas do planeta, o Brasil assumiu, tecnicamente, o protagonismo do encontro, politicamente pautado pelo anfitrião, o governo francês.

Definida e defendida pessoalmente pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, a agenda tinha como tema principal a regulação nas transações internacionais de commodities agrícolas no mercado financeiro. Na versão interpretada e traduzida pelo ministro brasileiro Wagner Rossi, a proposta era estabelecer um controle sobre a produção, as cotações e, por consequência, os preços dos alimentos. Uma estratégia interessante para os países que demandam, mas que não agradou nem um pouco o lado da oferta.

E, por considerar a proposta abusiva e economicamente predatória, países como Argentina e Estados Unidos, seguindo orientação brasileira, desbancaram a intenção francesa. O objetivo, pelo menos no discurso, era nobre, pautado pela preocupação em alimentar a crescente população mundial. Mas a real motivação, explícita nas entrelinhas da reunião, era financeira e tem relação direta com as recentes crises econômicas ao redor do mundo, em especial na União Europeia. O bloco até concorda com a necessidade de limitar a volatilidade nos preços dos alimentos, mas não de controlar as cotações dos produtos agrícolas.

Para diminuir oscilações, não há outro jeito que não seja produzir mais, estabilizar estoques e distribuir melhor a produção. Em paralelo, o Brasil e o mundo precisam entender – ou melhor, aceitar – que o problema da humanidade não é a falta de comida, mas o preço dela. A segurança alimentar ou de abastecimento não se dará controlando as cotações. Ao contrário. Uma decisão como essa só iria desestimular o investimento em tecnologia e comprometer a busca pela sustentabilidade, reduzir produção e produtividade.

Apesar de esvaziarem a proposta colocada pela França, os líderes agrícolas do G-20 levantaram algumas questões polêmicas, que não tiveram encaminhamento prático, mas que merecem reflexão, como a constituição de uma reserva alimentar humanitária, a abertura dos números reais dos estoques mundiais e os questionamentos sobre o capital especulativo, que contamina o mercado agrícola. A Bolsa de Chicago, referência em formações de preço para commodities, por exemplo, chega a negociar 10 vezes o volume de soja produzida no mundo. Quem compra e quem vende são agentes da cadeia produtiva do agronegócio. Mas também terceiros que nada têm a ver com o sistema produtivo. Contudo, um mal necessário, uma vez que o derivativo de proteção do especulador é o mesmo que protege o investimento produtivo. Esse é o mercado futuro. Desenhado para servir o produtor e o consumidor, um instrumento que, infelizmente, também beneficia o capital alheio.

No ambiente dos fundamentos a agricultura é transparente, saudável e oferece mais subsídios para ações, projeções e planejamento a quem produz e quem consome. Diferente do viés capitalista, que transformou grãos e cereais em papéis, especulação que trouxe para o mercado agrícola investidores de outros setores, como o imobiliário e os fundos de pensão.

Mas quem são e onde estão os principais especuladores? Uma pergunta fácil de responder e que pode explicar por que seria mais fácil controlar preços e produção do que definir regras mais claras de atuação no mercado agrícola/financeiro global. Seria o mesmo que controlar o preço do barril de petróleo, a commodity das commodities, que influencia inclusive a cotação dos grãos. Isso só não ocorre porque o petróleo é sinônimo de poder e soberania, riqueza economicamente estratégica. Porém, também é um recurso finito. Os grãos, ao contrário, aparecem como alternativa renovável de energia. Não se trata, então, de uma discussão sobre demanda por alimentos. Estamos falando de prover comida e combustível. Um cenário que de certa forma explica a preocupação de países como a França, que não tem a ver somente com o social, mas com o econômico.

O Brasil deve e vai dar sua contribuição para a erradicação da fome, que vai além de ter José Graziano como diretor-geral da FAO. Só não pode deixar interesses de nações do chamado primeiro mundo impor regras que influenciem o ritmo de desenvolvimento do país. O G-20 Agrícola na França revelou naturalmente o potencial do Brasil enquanto líder da América do Sul, influência que será cada vez mais invocada nas relações de comércio internacional. Para constar, e também refletir, os sul-americanos respondem por metade da produção mundial de soja, a commodity agrícola mais valorizada, com maior liquidez e mais comercializada num mundo. Das 260 milhões de toneladas produzidas no planeta, 130 milhões saem de campos brasileiros, argentinos e paraguaios.

Para fazer frente à crescente demanda por alimentos e energia, não se sabe ao certo quanto e qual deve ser o ritmo de aumento da produção agrícola. Ponto pacífico está na responsabilidade do Brasil, que vai precisar ampliar sua oferta ao dobro da taxa mundial.

Então, o futuro passa por aqui. Ou melhor, está aqui.

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