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Qual é a maior ameaça à nossa recuperação econômica dos Estados Uni­­­­dos, ainda frágil? Os perigos são muitos, é claro. Toda­via, o fato que eu acho mais ameaçador é a disseminação de uma ideia destrutiva: o conceito de que agora, menos de um ano após o início da anêmica recuperação da pior crise desde a Se­­gun­­da Guerra Mundial, chegou a ho­­ra de os governantes pararem de ajudar os desempregados e começarem a infligir dor à economia.

Quando explodiu a crise fi­­nan­­ceira, a maioria dos governantes mundiais respondeu de forma apropriada, cortando as taxas de juros e permitindo que os déficits aumentassem. E, ao fazerem a coisa certa, aplicando as lições aprendidas com a crise de 1930, eles conseguiram limitar o estrago: foi terrível, mas não chegou a ser uma segunda Gran­­de Depressão.

Agora, entretanto, as exigências de que os governos suspendam o apoio às suas economias e comecem a puni-las têm sido ca­­da vez mais comuns em artigos de opinião nos jornais, em discursos e em relatórios de organizações internacionais. A ideia de que as economias deprimidas necessitam de ainda mais sofrimento parece ser a nova sabedoria convencional, algo que John Kenneth Galbraith notoriamente definiu como "as ideias que são apreciadas a qualquer mo­­men­­to graças à sua aceitabilidade".

A extensão pela qual infligir dor à economia se tornou a coisa certa a se fazer ficou evidente no mais recente relatório de panorama econômico emitido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – influente instituição com sede em Paris e que é apoiada pelos governos das economias mais avançadas do mundo. A OCDE é uma organização profundamente cautelosa; aquilo que ela diz em determinado mo­­mento praticamente define as convenções daquele período. E o que a OCDE está dizendo é que os governantes deveriam parar de promover a recuperação econômica e, ao invés disso, começar a aumentar as taxas de juros e cortar os gastos.

O que é particularmente no­­tável a respeito desta recomendação é que ela parece estar desconectada não só das necessidades reais da economia mundial, mas também das projeções econômicas da própria organização.

Dessa forma, a OCDE declara que as taxas de juros nos EUA e em outras nações devem subir drasticamente no decorrer dos próximos 18 meses, de forma a controlar a inflação. Todavia, a inflação está baixa e diminuindo, e as previsões da própria OCDE não apontam qualquer sinal de ameaça inflacionária. Por que aumentar as taxas de ju­­ros então?

A resposta, se é que consigo formular uma, é que a organização acredita que devemos nos preocupar com a possibilidade de que os mercados devem esperar inflação, apesar de saber que atualmente não devem fazer isso e provavelmente não o farão. Nós precisamos estar preparados para "a possibilidade de que as expectativas inflacionárias de longo prazo possam se desancorar nas economias dos países da OECD, ao contrário do que é presumido na projeção central".

Um argumento similar é usado para justificar a austeridade fiscal. Tanto a teoria quanto a ex­­periência econômica dizem que cortar os gastos quando ainda se está sofrendo com um alto índice de desemprego é uma péssima ideia – isso não apenas aprofunda a crise, mas pouco ajuda o pa­­norama orçamentário, visto que grande parte daquilo que os go­­vernos economizam ao gastarem menos acaba sendo perdido com a perda da arrecadação tributária afetada por uma economia deprimida. E a OCDE prevê que o alto índice de desemprego persistirá durante anos. Não obstante, a organização pede que os governos cancelem planos futuros de estímulo econômico e que comecem a "consolidação fiscal" no ano que vem.

Por que fazer isso? Para dar aos mercados algo que eles atualmente não desejam e que, provavelmente, não desejarão. Neste momento, os investidores não parecem estar preocupados com a solvência do governo dos EUA; as taxas de juros sobre os títulos federais estão reduzidas quase que a recordes históricos. Mesmo se os mercados estivessem preocupados com as perspectivas fiscais dos EUA, cortar gastos diante de uma economia deprimida não ajudaria. Mas nós devemos realizar cortes, declara a OCDE, porque medidas inadequadas para consolidação "trariam o risco de reações adversas nos mercados financeiros".

O melhor resumo que vi foi o de Martin Wolf, do Financial Times, que descreve a nova sabedoria convencional como "conceder aos mercados aquilo que nós achamos que eles possam querer no futuro – mesmo que eles deem poucas indicações de insistirem nisso agora – deve ser a ideia predominante na política".

Colocando as coisas dessa forma parece ser uma maluquice. Mas é essa a ideia que se dissemina. E ela já teve consequências terríveis. Na semana passada, membros conservadores da Câmara, ao citar os novos temores quanto ao déficit, reduziram a abrangência de uma lei cujo objetivo era o de ampliar o auxílio governamental aos indivíduos que se encontram desempregados há muito tempo – e o Senado não tomou providência alguma. Como resultado, muitas famílias norte-americanas estão prestes a perder o seguro desemprego, o seguro de saúde, ou ambos – e, à medida que essas famílias forem obrigadas a reduzir os seus gastos, elas ameaçarão os empregos de muitas outras.

Isso é apenas o começo. Cada vez mais a sabedoria convencional diz que a iniciativa responsável é fazer com que os desempregados sofram. E, apesar de os benefícios vindos da dor serem uma ilusão, a dor em si será bem real.

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