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Quando comecei a escrever para o The New York Times, eu era ingênuo em relação a muitas coisas. No entanto, a concepção mais errada era essa: eu realmente acreditava que pessoas in­­fluentes poderiam ser mobilizadas por provas, que mudariam suas visões se os eventos refutassem completamente suas crenças.

Para ser justo, isso acontece de vez em quando. Tenho sido muito crítico em relação a Alan Greenspan nos últimos anos (muito antes de virar moda), mas é preciso dar crédito ao ex-presidente do Fed: ele admitiu que estava errado em relação à habilidade dos mercados financeiros de se policiarem.

Contudo, ele é um caso raro. Tão raro quanto foi demonstrado na Câmara dos Deputados norte-americana, quando – com o desastre causado por um sistema financeiro descontrolado que está fresco em nossas memórias, e o desemprego em massa ainda em grande evidência – cada um dos republicanos e 27 democratas votaram contra um esforço bastante modesto para tomar as rédeas em relação aos excessos de Wall Street.

Vamos relembrar como nos metemos na atual confusão. Os Estados Unidos emergiram da Grande Depressão com um sistema bancário rigidamente controlado. As regulamentações funcionaram: a nação foi poupada de grandes crises financeiras por quase quatro décadas após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, quando a memória da Depressão se dissipou, os banqueiros começaram a se irritar com as restrições que enfrentavam. Assim, os políticos, cada vez mais sob a influência da ideologia do mercado livre, passaram a demonstrar um desejo crescente de dar aos banqueiros o que eles queriam.

A primeira grande onda de desregulamentação ocorreu no governo de Ronald Reagan – e rapidamente levou a um desastre, na forma da crise da poupança e dos empréstimos na década de 1980. Os contribuintes acabaram pagando mais de 2% do PIB, o que equivale hoje a cerca de US$ 300 bilhões, para arrumar a bagunça.

Ainda assim, os proponentes da desregulamentação não se intimidaram, e os políticos de ambos os partidos aderiram à noção de que as restrições da era do New Deal, impostas aos banqueiros, não passavam de burocracia sem sentido. Em um me­­morável acontecimento em 2003, os principais reguladores bancários encenaram uma foto, na qual usavam tesouras de jardim e uma serra elétrica para cortar pilhas de papel, que representavam as regulamentações.

E os banqueiros – liberados tanto pela legislação, que retirou restrições tradicionais, bem como pela atitude de não intervenção dos reguladores, que não acreditavam na regulamentação – reagiram afrouxando drasticamente os padrões de empréstimo. O resultado foi um boom no crédito e uma monstruosa bolha imobiliária, seguidos pela pior crise econômica desde a Grande Depressão. Ironicamente, o esforço para conter a crise exigia a intervenção governamental em uma escala muito mais ampla do que aquela que foi necessária para evitá-la: o governo precisou resgatar instituições em risco, houve empréstimos em larga escala, feitos pelo Federal Reserve ao setor privado, e assim por diante.

Com base nesse histórico, você poderia esperar o surgimento de um consenso nacional a favor da restauração de uma regulamentação financeira mais eficaz, de forma a evitar a repetição de um desempenho ruim. Mas você estaria errado.

Fale com os conservadores a respeito da crise financeira e você entrará em um universo alternativo e bizarro, no qual os burocratas do governo, não os gananciosos banqueiros, causaram a derrocada financeira. Esse é um universo em que as agências de empréstimo apoiadas pelo governo causaram a crise, embora os credores privados realmente tenham concedido a vasta maioria do subprime. É um universo em que os reguladores coagiram os banqueiros para que concedessem empréstimos a mutuários desqualificados, embora apenas um dos 25 principais credores do subprime estivesse sujeito às regulamentações em questão.

Ah, e os conservadores simplesmente ignoram a catástrofe no negócio imobiliário comercial: em seu universo, os únicos empréstimos ruins eram aqueles concedidos a pessoas pobres e a minorias, pois empréstimos ruins a construtores de shopping centers e edifícios comerciais não se encaixam na narrativa. Em parte, a prevalência dessa nar­­rativa reflete o princípio enunciado por Upton Sinclair: "É difícil fazer um homem compreender algo quando seu salário de­­pende, acima de tudo, de que ele não o compreenda". Co­­mo os de­­mocratas apontaram, três dias antes de a Câmara votar a reforma no sistema bancário, os líderes republicanos fizeram uma reunião com mais de 100 lobistas da indústria financeira para coordenar estratégias. No entanto, isso também reflete como o mo­­derno Partido Repu­­blicano está comprometido com uma ideologia falida, que não deixa transparecer a realidade sobre o que aconteceu à economia dos EUA.

Assim, essa tarefa cabe aos democratas e, mais especificamente, já que a Câmara aprovou seu projeto, cabe aos democratas "centristas" do Senado. Será que eles estão dispostos a aprender algo com o desastre que tomou conta da economia dos EUA e aprovar a reforma financeira? Esperamos que sim, pois uma coisa é clara: se os políticos se recusarem a aprender com a re­­cente crise financeira, eles condenarão todos nós a repeti-la.

Paul Krugman, Nobel de Economia em 2008 e professor na Universidade de Princeton, escreve neste espaço às segundas-feiras.

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