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Se tivermos sorte, a reunião de cúpula da última quinta-feira terá sido o último ato do grande debate sobre a reforma do sistema de saúde norte-americano, o prólogo para a aprovação de um projeto de lei imperfeito, mas mesmo assim histórico. Se isso acontecer, o debate terminará como começou: com os democratas oferecendo planos moderados e inspirados em antigas ideias republicanas, e os republicanos respondendo com difamação e informações deliberadamente erradas.

Ninguém realmente esperava algo diferente. Mas o que é revelador a respeito da reunião bipartidária foi o fato de os republicanos – que tiveram semanas para se preparar para este evento em particular e que estão fazendo campanha contra a reforma há um ano – não terem se dado ao trabalho de defender uma posição que pudesse resistisse a uma mera averiguação dos fatos.

A direção que as coisas tomariam tornou-se clara tão logo o primeiro republicano a falar, o senador Lamar Alexander, fez seus comentários. Ele foi escolhido provavelmente porque é popular e amigável, e poderia fazer com que a posição de seu partido soasse razoável. Mas logo de cara ele soltou uma grande mentira, afirmando que, sob o plano democrata, "os preços dos planos de saúde vão subir para milhões de americanos".

Uau! Pode-se dizer que ele não estava tecnicamente mentindo, uma vez que a análise do plano dos democratas feita pela Comissão de Orçamento do Congresso indica que o pagamento médio dos seguros realmente subiria. Mas ela também deixa claro que isso só aconteceria porque as pessoas contratariam mais – e melhores – coberturas. O "preço de uma determinada cobertura" cairia, não aumentaria – e o custo real para milhões de americanos diminuiria bastante graças à ajuda federal.

A lorota do senador com relação aos prêmios foram rapidamente seguidas por outra sobre o processo legislativo. Os democratas, já tendo aprovado um projeto de reforma da saúde com 60 votos no Senado, planejam usar uma votação de maioria simples para modificar alguns dos números, num processo conhecido como reconciliação. Alexander declarou que a reconciliação "nunca foi usada para algo assim". Bem, não sei o que "algo assim" significa, mas na verdade a reconciliação foi adotada em reformas de saúde anteriores – e também para aprovar os cortes de impostos de Bush, a um custo orçamentário de US$ 1,8 trilhão, duas vezes o valor da reforma do sistema de saúde.

O que realmente me surpreendeu na reunião, entretanto, foi a incapacidade dos republicanos em explicar sua proposta para lidar com o assunto que, merecidamente, está no centro emocional do debate do sistema de saúde: o dilema dos americanos que sofrem de doenças pré-existentes.

Em outros países desenvolvidos, todo mundo conta com assistência básica independentemente de seu histórico clínico. Mas, nos Estados Unidos, um câncer, uma herança genética, ou até, em alguns estados, o simples fato de ter sido vítima de violência doméstica pode tornar um sujeito inelegível para um seguro de saúde – e, portanto, fazer com que uma cobertura adequada tenha um custo impraticável.

Uma das grandes virtudes do plano democrata é que ele finalmente colocaria um fim a esse inaceitável "excepcionalismo americano". Mas qual é a resposta republicana? Alexander foi estranhamente desarticulado, dizendo apenas que "os republicanos da Câmara têm algumas ideias sobre como meu amigo em Tullahoma pode continuar pagando o seguro para sua esposa que teve câncer de mama". Ele não deu indícios sobre quais seriam tais ideias.

Na verdade, os republicanos da Câmara não têm nada a oferecer aos americanos com históricos médicos problemáticos. Pelo contrário, sua grande ideia – permitir a competição irrestrita entre os estados – levaria a uma corrida rumo ao fundo do poço. Os estados com as regulações mais frágeis – por exemplo, aqueles que permitem que as operadoras neguem cobertura a vítimas de violência doméstica – estabeleceriam o padrão para todo o país. A consequência seria afligir os aflitos, tornar a vida dos americanos com doenças pré-existentes ainda mais difícil.

Você não precisa acreditar em mim. Confira a análise da Comissão de Orçamento do Congresso sobre o plano do Partido Republicano na Câmara. Esse documento emprega termos prudentes, com a comissão declarando de forma um tanto obscura que o número de americanos sem seguro não mudaria muito, e que "o grupo de pessoas sem seguro de saúde acabaria sendo menos saudável do que sob as leis atuais". A tradução: enquanto algumas pessoas ganhariam cobertura, as pessoas que perderiam seus seguros seriam justamente as que mais precisam deles. Pelo plano republicano, o sistema de saúde americano se tornaria ainda mais cruel do que é hoje.

E o que nós aprendemos com a reunião? O que eu vi foi a arrogância gerada entre os políticos republicanos pelo sucesso da estratégia que inclui mentiras, como a criação dos painéis da morte. A essa altura, eles acreditam que podem fazer afirmações completamente falsas de uma forma branda, dizer coisas que podem ser facilmente refutadas, sem pagar nenhum preço. E podem estar certos.

Mas os democratas podem rir por último. Tudo o que precisam fazer – e têm poder para isso – é concluir o trabalho e aprovar a reforma do sistema de saúde.

Tradução: Thiago Ferreira

Paul Krugman, Nobel de Economia em 2008 e professor na Universidade de Princeton, escreve neste espaço às segundas-feiras.

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