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Há dez anos, um dos principais economistas dos Estados Unidos fez uma crítica pungente ao Banco do Japão, versão japonesa do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), intitulada "Política monetária japonesa: um caso de paralisia autoinduzida?" Com apenas algumas mudanças na redação, a crítica se aplica ao Fed hoje em dia.

Na época, o Banco do Japão enfrentava uma situação muito semelhante à que o Fed tem de encarar agora. A economia estava profundamente deprimida e mostrava poucos sinais de melhora, e alguns esperavam que o banco tomasse medidas agressivas. Todavia, as taxas de juro de curto prazo – uma ferramenta comum de política monetária – já estavam perto de zero e não cairiam mais. O Banco do Japão utilizou este fato como desculpa para não fazer mais nada.

Aquilo foi má-fé, declarou o eminente economista norte-americano: "Longe de estar impotente, o Banco do Japão poderia atingir um grande acerto se estivesse disposto a abandonar sua excessiva cautela e sua postura defensiva com relação às críticas". Ele censurou as autoridades que se escondiam "por trás de dificuldades técnicas ou institucionais menores, a fim de evitar terem de tomar qualquer ação."

Quem era aquele economista de fala agressiva? Ben Bernanke, o atual presidente do Fed. Então por que o Fed de Bernanke está sendo tão passivo agora quanto foi o Banco do Japão há uma década?

Atualmente, os problemas econômicos dos Estados Unidos não são exatamente idênticos aos do Japão em 1999-2000: o Japão estava passando por uma franca deflação, enquanto os EUA ainda não estão. Entretanto, a inflação está bem abaixo da meta do Fed de cerca de 2%, e continua a cair. E os norte-americanos enfrentam níveis de desemprego e miséria absoluta muito piores do que o Japão. Mesmo assim, o Fed não está fazendo quase nada para enfrentar esses problemas.

O que o Fed poderia estar fazendo? Lá atrás, Bernanke sugeriu, entre outras coisas, que o Banco do Japão poderia ganhar força de tração com a compra de grandes quantidades de ativos "fora do padrão" – ou seja, ativos que não os da dívida pública controlados pelos bancos centrais. O Fed na verdade pôs esta ideia em prática durante a fase mais aguda da crise financeira, adquirindo, em especial, grandes quantidades de títulos hipotecários. Mas a instituição parou a compra desses ativos em março.

Desde então, as notícias sobre a economia têm ficado cada vez piores. Há poucos dias, o Fed mudou seu rumo um pouco. O banco declarou que agora irá reinvestir os lucros de títulos maduros em debêntures de longo prazo. Foi uma mudança trivial, basicamente o mínimo que o Fed poderia fazer sem ter de enfrentar uma saraivada de críticas – e muito longe do programa de grande compra de ativos que o Fed deveria estar cumprindo.

Em 2000, Bernanke também sugeriu que o Banco do Japão mudasse as expectativas através de anúncios sobre suas futuras políticas. Mais especificamente, o economista argumentou que o banco poderia tornar a tomada de empréstimos pelo setor privado mais atraente ao anunciar que manteria as taxas de juros baixas até a deflação dar espaço a uma inflação de 3% ou 4% – uma ideia sugerida originalmente por quem vos escreve. Como os EUA estão em uma situação pior do que o Japão estava em 2000, uma meta de inflação de pelo menos 3% seria de grande interesse americano. Mas, na posição de presidente do Fed, Bernanke rejeitou explicitamente uma medida desta natureza.

O que está acontecendo nos EUA? Bernanke foi assimilado pelos "borgs" do Fed? Prefiro acreditar que ele está sendo político e não está disposto para um confronto aberto contra outros diretores do Fed – especialmente os presidentes regionais do Fed que temem a inflação, mesmo com a deflação sendo um perigo claro e imediato, e, evidentemente, não sensibilizados pelos problemas dos desempregados.

Além disso, para ser justo com Bernanke, a discórdia entre as maiores autoridades dificulta que a política mude as expectativas: seria difícil se comprometer com uma inflação mais alta caso este compromisso fosse sempre minado por comentários como os dos Feds regionais de Richmond ou Dallas. Na verdade, eu argumentaria que os comentários de alguns diretores do Fed já estão tendo um impacto econômico negativo. Entretanto, apesar de Bernanke não ter autoridade para impedir comentários, ele poderia deixar claro que eles não representam a política geral do Fed.

Por último e não menos importante, a política está sofrendo por um ato de negligência do presidente Barack Obama, que aguardou até o 16.º mês de seu mandato para oferecer uma lista completa de indicados para preencher as cadeiras vagas no conselho do Fed. Se ele tivesse preenchido estas vagas rapidamente – seus indicados ainda não assumiram os cargos – o Fed poderia ser menos passivo.

Seja qual for a razão, o fato é que o Fed – que é obrigado por estatuto a promover o "máximo emprego"– não está realizando seu trabalho. Em vez disso, como o resto de Washington, ele está inventando motivos para hesitar diante do desemprego em massa. E, enquanto o Fed permanece lá, sentado impassível em sua paralisia autoinfligida, milhões de americanos estão perdendo seus empregos, seus lares e suas esperanças no futuro.

Tradução: Thiago Ferreira

Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008 e professor da universidade americana de Princeton, é colunista do jornal The New York Times. A Gazeta do Povo reproduz seus artigos neste espaço às segundas-feiras.

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