Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Paul Krugman

Reforma financeira 101

O socorro aos bancos que quebraram em 2008 foi necessário, mas abriu um precedente perigoso: grandes instituições financeiras, sabemos agora, serão resgatadas em épocas de crise

Temos de encarar o fato de que a reforma financeira é um assunto delicado. Não é como a reforma da saúde, que foi sempre muito direta depois de eliminarmos seus pontos absurdos. Pessoas racionais podem e, de fato, discordam sobre como agir para evitar outra crise bancária.

Aqui vai um guia breve do debate – além de uma explicação sobre meu ponto de vista.

Coloque em um lado as pessoas que não querem reforma alguma, grupo este que inclui a maioria dos membros republicanos no Congresso. Inde­pen­dente do argumento que usem, essas pessoas irão sempre encontrar motivos para negar qualquer proposta para refrear banqueiros ladinos.

Mesmo entre aqueles que realmente querem uma reforma, todavia, existe um grande debate sobre o que é realmente essencial. Um lado – exemplificado por Paul Volcker, o respeitável ex-presidente do Federal Reserve – acredita que limitar o tamanho e escopo dos grandes bancos é o problema principal da reforma. O outro lado – um grupo que inclui este que vos escreve – discorda, e argumenta que o importante é regular o que os bancos fazem, não o tamanho que possuem.

É fácil ver de onde vêm as preocupações com bancos que são "grandes demais para quebrar". Diante da crise financeira, o governo americano injetou recursos e ofereceu garantias para instituições cujas falhas, temia o governo, poderiam derrubar o sistema inteiro. A operação de resgate estava principalmente concentrada em apenas alguns grandes nomes: AIG, Citigroup, Bank of America, e assim por diante.

Esse resgate foi necessário, mas também fez com que os contribuintes arriscassem pagar por prejuízos enormes. Além disto, abriu um precedente perigoso: grandes instituições financeiras, sabemos agora, serão resgatadas em épocas de crise. E isto, argumenta-se, irá encorajar um comportamento ainda mais arriscado destas instituições no futuro, visto que os executivos dos grandes bancos sabem que, se der cara, eles ganham; se der coroa, os contribuintes perdem.

A solução, pregam pessoas como Volcker, é dividir grandes instituições financeiras em unidades que não sejam grandes o suficiente para falhar, garantindo dessa forma que planos de resgate sejam desnecessários e se restaure a disciplina de mercado.

É um argumento que parece muito sólido, mas eu sou uma das pessoas que não acreditam nele.

Eu vejo a coisa desta forma: dividir grandes bancos em pedaços menores não resolveria nossos problemas reais, visto que é perfeitamente possível termos uma crise financeira que assole apenas pequenas instituições financeiras. Na verdade, isto foi exatamente o que aconteceu em 1930, quando a maioria dos bancos que entrou em colapso era de instituições relativamente pequenas – tão pequenas que o Federal Reserve acreditava que não teria problemas se elas falhassem. O que se provou foi justamente o contrário: o Fed estava totalmente errado. A onda de falhas dos pequenos bancos foi uma catástrofe para a grande economia.

O mesmo seria válido nos dias de hoje. Dividir grandes instituições não evitaria crises futuras nem eliminaria as chances de resgate quando essas crises acontecessem. O próximo resgate não seria concentrado em poucas grandes empresas – mas seria um resgate da mesma forma. Eu não tenho nenhum afeto por gigantes financeiros, mas eu simplesmente não acredito que pulverizá-los resolveria o problema principal.

Então que alternativa seria melhor do que dividir grandes instituições? A resposta, eu diria, seria atualizar e estender a velha e tradicional regulação bancária.

Afinal de contas, o sistema bancário dos EUA teve um longo período de estabilidade após a 2.ª Guerra Mundial, baseado na combinação da garantia de depósitos, que eliminava a ameaça da quebra bancária, e uma regulação acirrada dos balanços dos bancos, incluindo limites em empréstimos de risco e limites em alavancagem, a extensão qual os bancos podem financiar investimentos com fundos emprestados. E o Canadá – cujo sistema financeiro é dominado por poucos e grandes bancos, mas que manteve uma regulação eficaz – vem lidando com a crise de maneira notável.

O que acabou com a era da estabilidade dos bancos americanos foi o surgimento dos "bancos das sombras": instituições que conduziam muitas funções bancárias, mas operavam sem uma rede de segurança e com regulação mínima. Em especial, muitos negócios começaram a "estacionar" seu dinheiro em operações "repo" – empréstimos overnight para instituições como o Lehman Brothers. Infelizmente, tais operações não eram protegidas nem reguladas pelas operações bancárias tradicionais, logo estavam vulneráveis a uma crise de confiança do tipo que ocorreu antes de 1930. E isto, resumidamente, foi o que deu errado em 2007-2008.

Então, por que não atualizar a regulação tradicional para que englobe os bancos das sombras? Já possuímos uma forma implícita de seguro de depósitos: Está claro que os credores dos bancos das sombras serão resgatados durante uma crise. O que precisamos agora são duas coisas: (a) os reguladores precisam de autoridade para intervir e bloquear bancos das sombras em apuros, da mesma forma que a Federal Deposit Insurance Corp. já possui autoridade para intervir e bloquear bancos convencionais em apuros, e (b) devem haver limites prudentes para os bancos das sombras, acima de tudo sobre seus limites de alavancagem.

A legislação da reforma atualmente em negociação faz o que precisa fazer? Bem, este é um passo na direção certa – mas não é um passo grande o suficiente. Irei explicar o porquê em uma coluna futura.

Paul Krugman, professor da universidade americana de Princeton, é colunista do jornal New York Times. A Gazeta do Povo reproduz seus artigos sempre às segundas-feiras.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.