Conhecido pelas empresas onde passou como uma pessoa altamente política, Antônio, um profissional de quase trinta anos, adorava se divertir às custas de seus colegas de trabalho. Extremamente bem-humorado e alto astral, o administrador acumulava uma rede de relacionamentos invejada por qualquer executivo de alto padrão. Não era por menos, tratava a todos de igual para igual e deixava de fazer suas próprias tarefas para prestar favores aos colegas. Talvez fosse por isso que quase 100% das pessoas que o conheciam gostavam de suas brincadeiras e entravam nelas sem medo de serem felizes.
O que o rapaz não percebia é que alguns de seus chistes eram de muito mau gosto e acabavam magoando seus colegas, mesmo que essa não fosse a sua intenção. Aliás, não sei se era por causa da sua enorme simpatia, mas nem mesmo as vítimas de tais piadas sentiam raiva dele, apenas um mal estar momentâneo que passava logo após ele fazer mais meia dúzia de gracejos.
Mas não foi o que aconteceu com Júlia. A menina, que havia entrado há pouco mais de dois meses na empresa, ainda não conhecia essa veia cômica do rapaz. Como não trabalhava na mesma área que ele, demorou a entender que o moço nada mais era que um exímio piadista. Os primeiros trocadilhos com a moça chegaram a deixá-la com a face rubra e sem lugar para as mãos. Mas, como menina muito astuta, sempre tinha uma resposta na ponta da língua, o que causava um efeito contrário ao que ela desejava. Sua intenção era apenas cessar as piadinhas, mas Antônio se sentia desafiado a criar mais e mais zombarias para a jovem.
Virou quase um vício para o rapaz. A menina passava por sua mesa e ele soltava uma frase de efeito, fazendo com que todos a sua volta rissem dela. Júlia começou a tentar reações diferentes, às vezes ria junto, outras fingia que não ouvia ou, até mesmo, respondia com certo desdém. Nada adiantava e a moça nem mesmo conseguia entender se a intenção de Antônio era deixá-la brava ou tentar uma aproximação amigável. A situação começou a se agravar quando ele executou mais uma de suas manias: criou um apelido para a jovem. Por ser extremamente bonita, comparou-a com uma atriz famosa que, na época, fazia o papel de uma prostituta numa novela. Não nego que a semelhança entre as duas era evidente, o problema é que o apelido veio com o nome da personagem e não da atriz.
O apelido logo pegou e em pouco mais de duas semanas Júlia já era conhecida pelo nome da garota de programa fictícia. Apesar da comparação ser benéfica (a atriz era realmente muito bonita), Júlia não gostou e se perdia, às vezes, explicando que o apelido era por causa da semelhança com a atriz e não com a personagem. Mas não teve jeito. A jovem, inevitavelmente, ganhou o apelido de vez. Tomada pelo descontentamento com a situação, Júlia reclamou com os colegas, depois com o chefe e, quando viu que não haveria solução para o caso, resolveu pedir demissão.
Seus superiores tentaram resolver a situação de uma forma menos ousada a ter que desligar a moça, mas não conseguiram. Quando ela chegou ao ponto de querer sair, a sua raiva já transbordava e nada mais era possível ser feito. Como se não bastasse sua saída, ainda abriu um processo contra empresa, pedindo indenização por danos morais. A última notícia que tive é que o processo ainda estava em andamento.
Lamentavelmente, com Antônio nada aconteceu. O RH chegou a adverti-lo, informando que o motivo da saída de Júlia eram as suas pilhérias, mas não adiantou muito. O rapaz continuou zombando de todos que se aproximavam dele, pois acreditava que assim era mais fácil conquistar pessoas que tinham o mesmo espírito brincalhão que ele.
Acredito que Antônio não estava totalmente errado, afinal, esse era o seu jeito. Porém, brincadeiras desse tipo são muito comuns no meio corporativo e, por isso, costumamos fazer vista grossa para certos casos. Convenhamos, para brincar com alguém é preciso ter liberdade e, até, certo nível de intimidade, o que não é regra para nossos contatos profissionais. Recomendo o máximo de cuidado com as relações que mantemos com nossos colegas de trabalho, pois respeito é um preceito básico para manter qualquer contato profissional.
Não perca na próxima terça-feira, alguns exemplos de assédio moral no ambiente de trabalho. E não deixe de me seguir no Twitter: www.twitter.com/bentschev.



