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Segundo pesquisa da CNC, 82,7% das famílias têm dívidas com cartão de crédito.| Foto: Michal Jarmoluk/Pixabay

A combinação de inflação alta e dificuldades no mercado de trabalho estão fazendo com que mais famílias brasileiras se endividem. Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que, em julho, 71,4% das famílias tinham dívidas. É o maior índice desde 2010. O recorde vem sendo batido há três meses.

Um dos grupos mais afetados é o das famílias que ganham até dez salários mínimos. Ela passou dos 69%, em julho do ano passado, para 72,6%, em julho deste ano. O avanço da inflação – que atingiu 8,99% no acumulado de 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – não está dando trégua para estas famílias.

“Elas estão gastando mais para consumir o mesmo. E, muitas vezes, o dinheiro não chega até o fim do mês”, diz a economista Izis Ferreira, da CNC.

Uma das modalidades de crédito mais usadas, é o do cartão. Segundo a pesquisa, 82,7% das famílias têm dívidas nesta linha de crédito. Dados do Banco Central (BC) mostram que, em junho, os financiamentos via cartão somavam R$ 38,57 bilhões, o maior valor desde agosto de 2020. As concessões (novos empréstimos) cresceram 21,3% no comparativo entre os primeiros trimestres de 2020 e 2021.

A confederação aponta que esse meio de pagamento é o mais difundido pelas facilidades de uso, mas é também o que oferece o maior custo ao usuário, principalmente se o consumidor apela para o crédito rotativo – empréstimo pessoal de curtíssimo prazo, em que parte do saldo devedor é rolada para o mês seguinte ao vencimento da fatura.

Mesmo entre as famílias de maior renda há um crescimento no endividamento, que passou de 59,1% em julho de 2020, para 66,3% agora. “Elas foram beneficiadas pela poupança forçada feita durante a pandemia e agora estão aproveitando para financiar a compra de carros e imóveis.”

"Poupança forçada" e serviços devem garantir consumo em 2021

É justamente essa poupança forçada que deve segurar o consumo nos próximos meses, já que deve persistir a pressão sobre a renda real (já descontada a inflação), tendo em vista a inflação e desemprego elevados, apontam os economistas Marco Caruso e Lisandra Barbero, do banco Original. A taxa de desocupação era de 14,6% no trimestre encerrado em maio.

No fim de julho, os depósitos na caderneta de poupança atingiram R$ 1,03 trilhão, o maior nível da série histórica, de acordo com o BC. E, em junho, R$ 6,6 trilhões estavam aplicados em fundos de investimento, conforme a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).

Outro fator que deve impulsionar o consumo é o setor de serviços, que tende a se beneficiar com as menores restrições à mobilidade causadas pela pandemia da Covid-19. Serviços prestados às famílias, como alojamento e alimentação, podem ganhar impulso nos próximos meses. Até maio, eles apresentavam uma queda de 28,7% em 12 meses. “A reabertura está acontecendo e há uma demanda reprimida por itens como lazer e turismo”, afirma Caruso.

Comprometimento da renda com dívidas liga sinal amarelo para 2022

Mas o sinal amarelo poderá ser acionado em 2022, já que o endividamento está em níveis elevados. O comprometimento de renda das famílias com dívidas com Sistema Financeiro Nacional (SFN) em abril estava acima de 30% pelo oitavo mês seguido. “Esse limite é considerado como ideal”, diz o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian.

O dado positivo é que a inadimplência está contida. Segundo a CNC, 25,6% das famílias estão inadimplentes, 0,7 ponto percentual abaixo do registrado em julho de 2020. Enquanto isso, a taxa de inadimplência das carteiras de crédito de recursos livres para estava em 4,12% em junho, segundo o BC, e bem perto do piso registrado em janeiro.

Um fator que, de acordo com os economistas do banco Original, contribuiu para esse cenário de inadimplência baixa foi a adoção de programas de renegociação de dívidas para pessoas físicas e jurídicas.

Um complicador, dizem eles, é que o desemprego deve baixar lentamente nos próximos meses, devido à alta na Selic, que subiu para 5,25% ao ano. O comunicado publicado depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sinaliza para novas altas no juro, que podem levar a taxa a níveis capazes de restringir a atividade econômica.

A alta na Selic também pode piorar a dinâmica da inadimplência porque contribui para aumentar o "spread" dos juros – a diferença entre o que é cobrado dos clientes e o custo de captação, ressalta Caruso. Outro problema apontado por Lisandra é que o mercado de trabalho reage com mais lentidão à recuperação da economia, por causa das dificuldades em contratar e demitir.

Rabi é mais otimista. Ele projeta que a inadimplência deve ficar estabilizada em patamares baixos, devido ao crescimento da renda e à tendência de inflação mais controlada nos próximos meses. Levantamento feito pelo BC junto a instituições financeiras e publicadas no Relatório Focus sinalizam que o ponto médio das previsões para a inflação em 2022, em alta há três semanas, chegou a 3,85%. A mediana das expectativas para PIB do ano que vem, por sua vez, está em 2,05%.

“A economia crescendo é a melhor resposta para conter o aumento da inadimplência”, complementa Roberto Vertamatti, diretor da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Tendência de longo prazo

O economista da Serasa Experian acredita que a tendência de longo prazo é de um aumento no endividamento das famílias. Em abril, o total devido equivalia a 58,53% da renda anual, índice mais elevado desde o início da série histórica, iniciada em 2005.

“Esta relação ainda é baixa no Brasil. Em outras economias regionais, como o Chile, chega a 80% e, nos Estados Unidos supera os 100%”, diz ele.

Ele avalia que nos próximos dez anos a relação entre o crédito das famílias e sua renda anual pode superar os 70%, puxado por linhas de crédito para a compra de veículos e de imóveis e pelo envelhecimento da população, o que pode favorecer a expansão no crédito consignado.

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