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O novo recorde de endividados quebra a série histórica de melhora, de março a setembro de 2017, da inadimplência . | Marcos Santos/USP Imagens/Fotos Públicas
O novo recorde de endividados quebra a série histórica de melhora, de março a setembro de 2017, da inadimplência .| Foto: Marcos Santos/USP Imagens/Fotos Públicas

O Brasil nunca teve tantos inadimplentes. Em julho, o total de brasileiros com dívidas em atraso chegou a 63,4 milhões, segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), contingente quase equivalente à população da Itália. O número assusta, porque a série histórica mostrava uma melhora na inadimplência de março a setembro de 2017, diz Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil. No entanto, a reversão das expectativas da economia afetou essa trajetória.

Os mais pobres ainda são os que mais devem, mas é entre as famílias de maior renda que a inadimplência tem resistido, indica a mais recente pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Enquanto o percentual de famílias de menor renda com dívidas pendentes caiu de 29%, em julho de 2017, para 26,7%, agora, no grupo com renda superior a dez salários mínimos, o índice de inadimplentes alcançou 10,8%, ante 10,6% do mesmo mês do ano passado.

A paulistana Júlia H.P., que pediu para não revelar o sobrenome, espelha essa classe mais alta que está com contas atrasadas. Autônoma, recebia cerca de R$ 15 mil na empresa em que trabalhava, mas perdeu o emprego quando engravidou.

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A situação piorou quando Júlia foi abandonada, durante a gestação, pelo pai de seu filho. “Foram cinco meses sem trabalho e sem licença-maternidade. Como tinha acesso fácil a crédito, usei tudo. Fiquei devendo condomínio, internet, cheque especial, empréstimo bancário, carta de crédito — tudo.”

De volta ao mercado de trabalho, ela tenta agora se reestruturar, apesar do salário mais baixo. Refinanciou o carro e fez novo empréstimo no banco para pagar as contas mais urgentes. “Minha dívida no cheque especial ainda é surreal.”

A economista-chefe do SPC Brasil, explica que, em geral, o comportamento dos endividados não muda conforme a renda. “As classes altas têm mais margem de manobra, mas, em grande parte das vezes, quanto mais a pessoa ganha, mais gasta.” Economista da CNC, Marianne Hanson lembra que as famílias de maior renda têm acesso a crédito de melhor qualidade, com juro menor e prazo maior.

Para os especialistas, no entanto, a crise não ensinou muito aos brasileiros em termos de controle de gastos ou consumo consciente. “A gente achou que a crise promoveria mudanças de comportamento, mas isso só ocorreu no curto prazo. No longo prazo, mais estratégico, nada mudou”, lamenta Marcela, do SPC Brasil.

Pagar a conta de luz ou o cheque especial?

Em um momento de aperto, o brasileiro está deixando de pagar principalmente as contas básicas, como as de água e luz. O calote nesses débitos subiu 7,6% nos 12 meses encerrados em julho, segundo o SPC Brasil. No mesmo período, as dívidas bancárias — como cheque especial, empréstimos pessoais e cartão de crédito — subiram 6,9%.

A decisão sobre qual conta atrasar, segundo o SPC e a Serasa Brasil, está ligada ao fato de que os juros, nas contas de água e luz, serem bem mais baixos do que os cobrados em débitos ligados a instituições financeiras. Além dos juros mais baixos, o reajuste das contas básicas superou — e muito — a inflação. Enquanto o IPCA, principal índice de inflação, subiu 4,48% nos 12 meses acumulados até julho, a inflação da energia elétrica medida pelo IBGE subiu 18,02%.

Desta forma, o Brasil formou uma legião de “equilibristas” de contas, de acordo com a economista-chefe do SPC, Marcela Kawauti. “O jeito é manter algumas contas em dia, enquanto o orçamento está apertado.”

É justamente isso o que tem feito a viúva Rita A., de 52 anos, que pediu para ter a identidade preservada. Em alguns meses, a conta de luz é a eleita para ser paga depois; em outros, os boletos do condomínio ou do telefone ficam na gaveta. A situação ficou mais complicada há poucos meses, quando uma carta de cobrança chegou com a informação de que ela devia cerca de R$ 9 mil do financiamento de seu apartamento.

“Meu filho estava na faculdade e precisou sair do trabalho para poder estagiar, então deixei de pagar as parcelas do imóvel e só voltei a pagar quando ele já estava formado e trabalhando. Agora, tenho tentado pagar uma das parcelas atrasadas e uma das atuais por mês.”

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Para Gireffe Contini, gerente do Serasa Consumidor, o desemprego é a principal variável que eleva o total de inadimplentes no País. A taxa de desemprego no segundo trimestre ficou em 12,4%, segundo o IBGE. No fim do primeiro trimestre, um trabalhador da Grande São Paulo levava quase um ano procurando emprego, em média, aponta a Fundação Seade e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Segundo a economista Juliana Inhasz, do Insper, a inadimplência acaba se tornando crônica pelos altos juros. Desta forma, as prestações atrasadas acabam explodindo de valor.

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