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Vinte anos após sua promulgação, o Código de Defesa do Consumidor ainda precisa ser melhor aplicado em dois setores, conforme especialistas ouvidos pelo G1: no sistema financeiro e na área de telefonia. Essas são as áreas, segundo dados do governo federal, em que há maior número de reclamações dos consumidores em todo o país.

O código é regido pela lei 8.078/1990 - clique aqui para ver - e criou normas para proteção dos direitos do consumidor. Entre as regras, está a que proíbe cláusulas abusivas em contratos e a que determina a criação de promotorias específicas para a defesa do consumidor.

Para a advogada Maria Elisa Novaes, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a lei, por si só, já atinge esses setores mais reclamados, embora eles não "internalizem" o código em suas ações.

"O código tem como intenção proteger a parte vulnerável da relação de consumo, que é o consumidor. O problema não é a lei, mas a internalização do código pela iniciativa privada. Ainda há empresas que resistem à observância do código. Essas empresas precisam internalizar nas práticas a transparência. O sistema financeiro é um dos piores e um dos que mais resistem ao código."

Os especialistas lembram que os bancos, por exemplo, já questionaram se deveriam seguir as normas do código do consumidor. O caso foi ao Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou decidindo, em 2006, que as instituições financeiras deviam sim seguir a lei.

Na avaliação do assessor-chefe do Procon de São Paulo, Carlos Coscarelli, o sistema financeiro e a telefonia são "o grande problema para o consumidor". "São setores regulados e isso é o desafio que estamos enfrentando. É nosso trabalho dos últimos três, quatro anos. Há realmente um embate. É um caminho árduo em que estamos com pequenas conquistas. Porque temos que enfrentar, além do poder econômico das empresas, que a defesa do consumidor sempre enfrentou, um poder econômico com uma agência por trás."

Coscarelli, do Procon de São Paulo, diz ainda que o balanço dos 20 anos do código é positivo. Ele explica que, em um primeiro momento, o código foi usado para garantir os direitos dos inquilinos. Hoje, segundo ele, tornou o consumidor brasileiro mais exigente. "Dizer que o consumidor tem total conhecimento de seus direitos, não é verdade. Há hoje a percepção de direitos. Ele sabe que está sendo enganado. Tem essa percepção."

Em relação ao sistema financeiro, aponta alguns avanços, como mudanças para facilitar o fechamento de contas em bancos. A lei de espera na fila do banco, no entanto, foi uma regra que não deu certo. Coscarreli disse que isso aconteceu porque foram feitas legislações estaduais e municipais. "A briga tem que ser com inteligência. Houve uma explosão de pequenas legislações e os bancos questionaram."

O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita, confirma que o setor financeiro e a telefonia são as mais reclamadas em todo o país nos últimos anos.

Ele diz, porém, que, no caso da telefonia, trata-se de um reflexo da universalização. "No âmbito da questão da telefonia, se de um lado houve universalização de todo o processo, com a maioria da população tendo telefone, de outro lado temos um desafio cada vez maior que é garantir a qualidade desse serviço."

Para Morishita, o grande desafio é fazer com que as reclamações sejam resolvidas antes mesmo de chegar aos órgãos de proteção do consumidor. "Se temos muitas reclamações, temos também um índice de 70% e 80% de resoluções. Você olha para esse processo e se pergunta: por que o consumidor foi obrigado a ir até o órgão para resolver? Esse fenômeno é uma transferência desses atendimentos que deveriam ser feitos pela empresa. Dessa forma, o modelo jamais será suficiente. O grande desafio é que, no horizonte, os problemas sejam solucionados pelas próprias empresas."

O diretor disse que os presidentes das empresas de telefonia firmaram compromisso com o Ministério da Justiça para redução das reclamações.

Morishita apontou três ações do governo tomadas neste ano que vão beneficiar o consumidor: o ministro da Justiça enviou ao Congresso um pacote legislativo para aprimorar e atualizar o código; uma portaria foi publicada para unificar todas as portarias editadas sobre direito do consumidor; e outra portaria cria um sistema que unificará todas as ações civis públicas, inquéritos, termos de ajuste de conduta sobre direitos do consumidor.

A coordenadora da Proteste, Maria Inês Dolci, diz ainda que outro grande entrave para o código é a postura do Judiciário. "Os processos de direito do consumidor são longos e fazem com que as empresas apostem no Judiciário para descumprir o código.

"São problemas e desafios que não desmerecem o código em suas duas décadas", acrescenta Maria Inês.

Internet

Os especialistas ouvidos pelo G1 destacaram que um ponto ainda carece de regulamentação específica no que se refere ao direito do consumidor: as relações de consumo na internet.

No mês passado, o Ministério da Justiça lançou uma cartilha sobre a defesa do consumidor aplicada ao comércio eletrônico. Advogados alertam, porém, que a cartilha não é uma determinação e que, portanto, as empresas não são obrigadas a cumprir.

"Alguns pontos fundamentais nas relações via internet precisam de olhar específico. Um decreto, uma resolução, o que seja", diz a advogada do Idec, Maria Elisa Novaes. Para ela, a cartilha lançada é "um passo que precisa evoluir".

Coscarelli, do Procon de São Paulo, destaca que um dos pontos é deixar claro que as empresas precisam divulgar um endereço físico. Além disso, sites de intermediação de compra e venda, que promovem a chamada venda direta, precisam de regras mais claras. "Tem uma discussão se eles têm ou não responsabilidade, Essa discussão precisa ser feita e esse mercado é muito dinâmico."

De acordo com Ricardo Morishita, do Ministério da Justiça, não há previsão de regulamentação específica para internet. "O sistema entendeu que era importante preparar um documento com diretrizes. O primeiro ponto declara que o código é inteiramente aplicável ao comércio eletrônico."

Para Morishita, no entanto, faltam punições específicas a irregularidades no comércio eletrônico e que devem ser previstas no Código Penal e não no Código de Defesa do Consumidor.

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