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cartórios e garantias
Novo Marco de Garantias, que ainda depende de aprovação do Congresso, busca flexibilizar o uso de garantias para baratear e ampliar o crédito. Um imóvel, por exemplo, poderá servir de garantia em mais de um financiamento.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

O Congresso Nacional trabalha em marcha lenta nesta reta final das eleições, mas um conjunto de medidas discutidas pelos parlamentares durante o primeiro semestre de 2022 tem potencial para promover impactos positivos no cenário brasileiro, com desenvolvimento do mercado de crédito, redução da má alocação de recursos e aumento da produtividade geral da economia.

A avaliação é da diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e trata de uma série de projetos de lei e medidas provisórias.

Conforme nota técnica assinada pelo diretor Marco Cavalcanti e o diretor adjunto Francisco Santos, o mercado de crédito brasileiro experimentou expansão significativa desde o ano 2000, mas as novidades em pauta na Câmara e no Senado prometem impulsionar este avanço a partir de medidas consideradas mais estruturantes.

A análise trata especialmente do projeto de lei 4.188/2021, o chamado Novo Marco Legal das Garantias – proposto pelo governo, aprovado pela Câmara e ainda pendente de entrada na ordem do dia do Senado –, mas também destaca outros textos construídos com o objetivo de melhorar o ambiente para empréstimos e financiamentos. Um deles é a Lei 14.382/2022, outra iniciativa do governo, que durante a tramitação no Legislativo ficou conhecida como MP dos Cartórios.

As normas são encaradas como prioritárias pela equipe econômica do governo federal e integram o chamado programa Mais Garantia Brasil, composto ainda pelos novos marcos de Securitização e de Aprimoramento das Garantias Rurais. As matérias, quando retiradas do papel, têm chance de dar gás à economia, com potencial de destravar mais de R$ 1 trilhão no mercado de capitais, garantias e crédito, segundo estimativas do time de Paulo Guedes.

Crédito dobrou de tamanho em duas décadas, mas ainda está abaixo do potencial

Entre 2000 e 2022, o estoque de crédito concedido no Brasil quase dobrou de tamanho, saindo do equivalente a 27,3% do PIB para 53,9%. O crescimento, entretanto, se deu em um ambiente ainda problemático e que mantém o volume de recursos aquém do potencial do país para o financiamento de atividades de produção, investimentos e consumo.

Na avaliação dos representantes do Ipea, o mercado de crédito brasileiro ainda é marcado por dificuldades no acesso por parte de famílias e empresas, apesar de ter havido avanços no arcabouço legal e institucional que favoreceram tal aumento de empréstimos em anos recentes.

Neste sentido, Cavalcanti e Santos mencionam iniciativas que buscam atenuar sintomas dos problemas de alocação, como a desigualdade de oferta e a disparidade das taxas de juros.

Exemplo disso foram as concessões de microcrédito produtivo que miram no desafio da oferta desigual de crédito, ajudando a "minimizar as falhas de mercado que impedem a alocação ótima de recursos, facilitando o acesso ao crédito por parte de empreendedores com bons projetos e boas perspectivas de geração de valor", mas que encontram dificuldade de obter empréstimos e financiamentos "apesar de serem potenciais geradores de renda e emprego".

Os diretores destacam dados como as sondagens realizadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em que o empresariado relata dificuldades de obter acesso ao crédito desde 2013. São nove anos de leitura pessimista no indicador de facilidade ao crédito.

Soma-se a isso, segundo os diretores do Ipea, o custo médio elevado do financiamento – com spread estimado em 26,8% ao ano no Brasil, contra 6,7% em países de renda média baixa e 4,9% em países de renda alta, segundo dados do Banco Mundial – e a variação de taxas entre modalidades e segmentos, com juros médios de 29,77% ao ano para pessoas físicas enquanto pessoas jurídicas pagam 17,38% ao ano.

Com novo marco legal, mesmo imóvel poderá garantir mais de um financiamento

Na avaliação de especialistas, esse cenário geral tende a se tornar mais favorável aos tomadores de crédito a partir da aplicação de inovações relacionadas ao uso das garantias, especialmente o Novo Marco, ainda pendente de aprovação no Senado. A proposta pretende facilitar e flexibilizar a utilização de garantias em operações de crédito. A experiência demonstra que o crédito com garantia tem taxas de juros menores que as operações que não a tem.

Na prática, a norma cria um serviço especializado de gestão de garantias que promete evitar a subutilização da capacidade de crédito, "agilizando o uso das garantias em novas operações de crédito, à medida que as dívidas referentes aos empréstimos existentes sejam pagas". Deste modo, um mesmo imóvel não ficaria amarrado a uma única operação, podendo ser utilizado para garantir outras.

Sobre isso, Cavalcanti e Santos destacam que a associação de um bem a uma garantia isolada, independentemente do valor dela relativamente ao financiamento obtido, é "grande entrave à ampliação do crédito". "Nesse contexto, a instituição de uma garantia compartilhada potencializa o volume de empréstimos", completam.

A avaliação é de que a possibilidade de utilização de um imóvel como garantia para mais de um financiamento permitirá que as pessoas tenham acesso a crédito mais barato.

Se hoje uma garantia de R$ 1 milhão está atrelada a um contrato de, digamos, R$ 200 mil, não há possibilidade de novo uso dessa garantia, ainda que haja espaço para tal – potencialmente R$ 800 mil. É nessa lacuna que o Marco Legal das Garantias pretende atuar, ampliando o acesso ao crédito e dirimindo velhos conhecidos, como o alto custo e a disparidade entre as taxas de juros em diferentes modalidades.

A partir da criação das Instituições Gestoras de Garantias (IGGs), a expectativa é de mais competição, redução nos riscos associados às transações, diminuição de custos e maior eficiência na contratação de crédito.

Com o panorama, "empreendedores tendem a expandir significativamente suas escalas de produção, levando a um aumento do investimento e da produtividade média da economia e, assim, a ampliação do produto e da renda per capita", avaliam os diretores do Ipea.

Cabe assinalar, no entanto, que há preocupações já indicadas sobre as mudanças. No Congresso, o risco da penhora de imóvel único foi apontado como preocupante em face de um eventual aprofundamento do endividamento em caso de inadimplência.

O diretor jurídico da empresa de tecnologia da informação para o mercado imobiliário UBlink, Sidney Moraes, pondera que esse tipo de questionamento político ainda precisará ser superado de forma clara, mas concorda que a flexibilização das garantias tem potencial para fomentar a economia de forma expressiva.

"Se você tem hoje números significativos da população que usa cheque especial, usa cartão de crédito, uma taxa de juros exorbitante, se a pessoa tem um imóvel que pode usar para pegar crédito mais barato e usar como garantia, como lastro, ela poderá quitar outras dívidas e voltar a movimentar [a economia] de forma muito positiva [com retomada de capacidade de pagamento]", diz.

Ainda assim, há um desafio apontado por Moraes: a mudança de mentalidade do brasileiro, classificado por ele como patrimonialista. "Quem vai ganhar esse jogo são empresas que consigam dar clareza e transparência de o quanto essas operações são seguras. A quebra do paradigma vai ser o grande desafio, é o Brasil querendo seguir os padrões internacionais de utilização de imóveis como lastro em operações financeiras", completa.

Nova lei unifica procedimentos de cartórios e permite registros on-line

Outras inovações importantes para a economia aparecem com a antiga MP dos Cartórios, hoje Lei 14.382/2022, que traz como principal novidade o Sistema de Registros Públicos Eletrônico, ou Serp, que vai centralizar informações conferindo mais transparência, menos burocracia e, assim, melhorando o ambiente de negócios do país.

A modernização prevê não só a presença on-line, com efetiva possibilidade da realização pela internet de registros públicos de atos, negócios jurídicos e consultas, mas também a unificação de procedimentos e prazos que antes variavam de comarca para comarca.

Conforme a lei, o sistema prevê interconexão e interoperabilidade das bases de dados dos cartórios, permitindo, entre outros, o atendimento remoto e o intercâmbio de documentos eletrônicos, restringindo as peregrinações custosas – se não em dinheiro, em tempo – de quem precisava fazer deslocamentos para conseguir documentos ou lavrar atos presencialmente.

Para a diretora do Movimento Brasil Competitivo, Tatiana Ribeiro, o amplo processo de digitalização e integração promete impacto relevante numa melhoria do ambiente de negócios do país, com a harmonização nos serviços prestados, limitação dos prazos e, especialmente segurança jurídica.

"Os registros públicos digitais facilitam a checagem de documentação e a gestão de garantias de um empréstimo, já que é muito mais fácil consultar e checar informações. Esse processo pode destravar um mercado muito grande e expressivo de crédito, pensando fortemente também na redução de custos de transação e do próprio risco da operação", avalia.

A adesão ao Serp é obrigatória e o sistema deve ser implantado no país até 31 de janeiro de 2023.

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