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Fachada do Lehman Brothers em Nova York. | sachab/Flickr
Fachada do Lehman Brothers em Nova York.| Foto: sachab/Flickr

Qualquer um que quiser entender o legado do Lehman Brothers pode começar com duas frases que marcaram a maior falência da história dos Estados Unidos. A mais famosa é “grande demais para falhar” (“too big to fail”, em inglês). A mais importante é “flexibilização quantitativa” (QE, na sigla em inglês).

Nos dez anos desde o colapso da Lehman, “too big to fail” apareceu em 2.241 artigos no terminal Bloomberg e se tornou o título de um best-seller e um filme. A flexibilização quantitativa apareceu no dobro de notícias. Esse desequilíbrio ajuda a explicar as lições da derrocada do Lehman.

Antes de 15 de setembro de 2008, quando a firma de 158 anos entrou com o pedido de falência e assim precipitou a deterioração econômica mais profunda desde a Segunda Guerra Mundial, poucos acreditavam que as autoridades permitiriam que um gigante como o Lehman ativasse outras insolvências e fechasse boa parte do sistema financeiro global. O mercado de ações perdeu quase US$ 10 trilhões em poucos meses porque muitas pessoas não conseguiam imaginar o contágio de investidores envenenados por dívidas tóxicas em vários continentes. Quando o quarto maior banco de investimento, atrás do Goldman Sachs, do Morgan Stanley e do Merrill Lynch, faliu, o crédito evaporou e não havia nada que parecesse impedir seus pares maiores de terem um destino similar.

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Foi quando o Federal Reserve Bank de Nova York, atuando como agente do Tesouro dos EUA, iniciou sua política monetária sem precedentes e mais controversa no último trimestre daquele ano. Seu programa de flexibilização quantitativa envolvendo a compra mensal de imensas pilhas de títulos não apenas reverteu a maior queda do produto interno bruto dos EUA, como também plantou as sementes da expansão de 105 meses que dá todos os sinais de que se tornará a mais longa da história do país. Os resultados imediatos foram taxas de juros e inflação bem abaixo de seu nível combinado que precedeu a toda desaceleração desde 1955. As empresas norte-americanas, medidas por seus índices de endividamento, tornaram-se as mais saudáveis desde que esses dados passaram a ser compilados pela Bloomberg, em 1995.

Pela primeira vez desde que foi fundado em 1913, o Fed adquiriu todos os tipos de ativos financeiros que foram congelados após a inadimplência do Lehman. Manteve os custos de empréstimos de curto prazo zerados e permitiu que o Goldman Sachs e o Morgan Stanley se tornassem bancos comerciais que se beneficiavam de tal liquidez. Isso coincidiu com as intervenções do governo para apoiar o Bank of America e o Citibank, a seguradora AIG, as empresas hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, a General Motors e a Chrysler. E finalmente desencorajou Wall Street a assumir riscos cada vez maiores com o dinheiro dos acionistas e correntistas.

A flexibilização quantitativa foi acompanhada por “testes de estresse” para as instituições financeiras dos EUA em 2009, que foram concebidos pelo secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ex-presidente do Fed de Nova York. Eles mostraram quanto capital os 19 maiores bancos precisavam para sobreviver a outro desastre no estilo Lehman.

O Fed encerrou a flexibilização quantitativa em 2014, aumentou as taxas de juros sete vezes desde 2015 e no ano passado começou a reduzir seu balanço de US$ 4 trilhões à medida que a dívida adquirida durante o programa de compra de títulos vencia. A medida preferencial de inflação do Fed, o Índice de Preços do Excedente de Consumo Pessoal, agora está em uma taxa anualizada de 1,98%. Ao mesmo tempo, as grandes e pequenas empresas incluídas no índice Russell 3000 tiveram sua dívida líquida em relação ao Ebitda — ou dívida total menos caixa dividida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização — diminuída para o menor índice registrado em 2015. Ela permanece 2,2 pontos percentuais abaixo da relação de dívida Russell 3000 de 2000.

É duvidoso que essa economia saudável tivesse ocorrido sem a flexibilização quantitativa. Mas os acadêmicos, bilionários e políticos que denunciaram a política como desastrosa em uma carta pública com 23 assinaturas em 2010 ainda não reconheceram o papel dela na recuperação e subsequente prosperidade. O grupo, liderado pelo professor da Universidade de Stanford, John Taylor, o bilionário Paul Singer e o presidente da Câmara, John Boehner, previu que o estímulo monetário provocaria uma inflação descontrolada, prejudicaria o papel especial do dólar como moeda de reserva mundial e faria os preços dos títulos caírem. Eles estavam errados.

A recuperação da morte do Lehman provou ser a mais dinâmica desde 1980, com o rebote tornando os EUA a única economia desenvolvida a atingir um PIB recorde até 2015, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. O dólar subiu 20%, o maior avanço de moeda entre as economias desenvolvidas nos últimos nove anos.

Após o crash de 1929, levou 25 anos para o mercado de ações se recuperar. O S&P 500, que perdeu 47% de seu valor no mercado de setembro de 2008 a março de 2009, atingiu um recorde em 2013 e está 327% acima desde o ponto mais baixo da recessão, segundo dados compilados pela Bloomberg.

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Investidores que anteciparam um desastre para o mercado de títulos perderam um retorno total (renda mais valorização) de mais de US$ 1,5 trilhão de possuir títulos do governo dos EUA durante o período de flexibilização quantitativa. Os títulos do Tesouro dos EUA produziram um retorno total de 24%, ou 2,6% ao ano, desde 2009. A taxa de inflação, por sua vez, foi em média de 1,6%, o que significa que poupadores que mantiveram seu dinheiro no Fundo de Retorno Total da Pimco venceram a inflação com um retorno total 37%, ou 4% ao ano, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Desde o final de 2009, as ações das empresas financeiras norte-americanas valorizaram 173%, 88 pontos percentuais a mais do que seus pares globais, com a segunda indústria de melhor desempenho entre os 10 grupos liderada por empresas discricionárias de consumo, incluindo Amazon e Netflix. O valor em risco (VaR, na sigla em inglês) dos portfólios dos bancos norte-americanos, uma medida de quão especulativos se tornaram até 2008, foi significativamente reduzido pelos regulamentos impostos pelo Fed. O VaR do JPMorgan caiu 90%, enquanto o Bank of America reduziu 86%, o Citigroup 76% e o Wells Fargo 68%.

Dez anos após seu colapso, o Lehman Brothers continua sendo o pior pesadelo financeiro do mundo, porque era grande demais e falhou. Se não fosse pela flexibilização quantitativa, ainda estaríamos vivendo aquele pesadelo horrível.

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