
Os Estados Unidos estão se tornando mais e mais como países em desenvolvimento, como o Brasil, em que pequenas elites comandam o país e o capitalismo é muito distorcido.
Árduo defensor do capitalismo, o economista italiano Luigi Zingales afirma que para o sistema funcionar bem é preciso ter mercados competitivos e lutar contra a corrupção. Ele diz que os Estados Unidos, antes uma economia de livre mercado, têm cedido cada vez mais a interesses particulares. “Os Estados Unidos estão se tornando mais e mais como países em desenvolvimento, como o Brasil, em que pequenas elites comandam o país e o capitalismo é muito distorcido.”
Zingales vem ao Brasil na semana que vem para lançar a edição brasileira de Um capitalismo para o povo: reencontrando a chave da prosperidade americana (BEI Editora), com debates no Insper, em São Paulo, e na PUC-Rio. No livro, denuncia o chamado capitalismo de compadrio, até então mais comum no Sul da Europa e na América Latina – quando as regras são mudadas para atender a determinados interesses. A corrupção, segundo ele, é a forma mais extrema de compadrio.
Do que se trata o capitalismo para o povo?
Muito do debate é entre a direita e a esquerda, um governo maior versus um governo menor. Minha perspectiva é diferente. Considero crucial a maneira como se constrói a economia de mercado e a regulação, e o papel desempenhado por alguns interesses particulares. Em muitos países, e pelo meu conhecimento o Brasil está nessa direção, as pessoas se opõem ao capitalismo porque a percepção que têm é de que esse sistema é construído no interesse de poucas pessoas, para tornar essas poucas pessoas mais ricas. Infelizmente, em muitos países essa percepção não está errada. Essa é a parte do capitalismo que não funciona e precisa ser mudada.
Como mudar?
A única maneira de resolver o problema é fazer as pessoas conhecerem os benefícios do capitalismo. Há muito lobby para empresas, governos grandes – que podem oferecer benefícios para alguns –, mas pouco lobby para um governo menor e mais eficiente e mercados mais justos, onde a competição pode ocorrer em plenitude. É apenas quando se explica às pessoas os benefícios da economia de livre mercado e quando elas podem intervir para apoiar essa posição que se pode ter uma versão melhor do capitalismo. Sem apoio popular, o sistema acaba sendo controlado por um pequeno lobby, por uma pequena elite, e é distorcido. É um círculo vicioso. Se o sistema é feito por poucos e não tem apoio maior, é mais e mais capturado por interesses escusos. O que fez os Estados Unidos diferentes historicamente foi um apoio amplo da economia de livre mercado. O que digo no meu livro é que essa diferença está desaparecendo. Os Estados Unidos estão se tornando mais e mais em países em desenvolvimento, como o Brasil, em que pequenas elites comandam e o capitalismo é muito distorcido.
Quais são esses benefícios do capitalismo?
A economia de mercado entrega os melhores resultados quando há uma concorrência perfeita. É a concorrência que força as companhias a reduzir preços e aumentarem o bem-estar dos consumidores. Sem concorrência, o sistema não funciona de forma correta. No entanto, em muitos países – não sei muito sobre o Brasil, mas suspeito que é mais similar à Itália que aos Estados Unidos – a concorrência é um problema. Muito frequentemente não há uma concorrência justa. Para citar um exemplo do Brasil, porque os carros são tão caros no país? Por que poucas empresas são tão lucrativas? Porque há uma competição restrita na indústria automobilística e quem se beneficia não são os brasileiros.
Como atingir esse capitalismo?
Há várias etapas. A primeira é explicar às pessoas o que é do interesse delas. Neste aspecto em particular, a mídia pode desempenhar um papel importante. Infelizmente, a mídia tende a ser refém do interesse de quem não quer a concorrência. O segundo passo é ter uma forte autoridade antitruste, que olhe não apenas para a dimensão econômica, mas para a dimensão política. Se estou em um país com dois grandes bancos, não há apenas um problema econômico – os bancos vão se unir para manter os preços elevados –, como os bancos terão uma capacidade desproporcional de influenciar o governo a fazer a regulação a favor deles. O último ponto é a transparência dos dados, para se avaliar o governo e a regulação. Frequentemente, reguladores mantêm os dados confidenciais. Dessa forma, não se pode ver o efeito da regulação. Em alguns casos, há boas razões para isso, mas, de maneira geral, não há motivo para manter os dados confidenciais para sempre. Sou a favor de uma divulgação tardia, de três ou cinco anos, como faz o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O fato de que a regulação se tornará pública em algum momento a torna mais honesta e mais eficiente.
Um dos grandes debates após a crise de 2008 foi a regulação. Alguns defenderam que a falta de regulamentação levou à crise, e por isso seriam necessárias mais regras. Não parece ser essa a sua avaliação....
Não. A questão não é mais regulação, mas uma regulação melhor. E uma regulação melhor é uma regulação mais simples. Quanto mais complicada for a regulação, mais fácil é distorcer as regras em nome de interesses pessoais em vez do público em geral. Com uma regulação simples, é mais fácil explicar ao público e, assim, angariar apoio mais geral.
Qual é o significado do capitalismo de compadrio do qual fala?
O capitalismo de compadrio (crony capitalism, em inglês) é aquele em que as regras são distorcidas de maneira a favorecer grandes empresas e não as pessoas em geral. Corrupção é a forma mais extrema de compadrio. Entretanto, o compadrio também pode ocorrer com a chamada corrupção legal ou institucional. Se mudo as regras para favorecer minha companhia, posso fazer isso sem violar a lei. Distorço o sistema e o torno menos eficiente e menos justo.
O Brasil atravessa uma crise por causa da Operação Lava Jato, que investiga casos de corrupção. Como o livro pode ajudar nessa questão?
Muito frequentemente, há uma coalizão de direita que apoia os mercados, mas é pouco clara sobre os perigos que a corrupção traz ao mercado. E uma coalizão de esquerda é a favor de suprimir o mercado, achando que vai acabar com a corrupção, quando na verdade aumenta. Meu livro fica no meio do caminho, mostrando que, para o sistema funcionar bem, é preciso ter mercados competitivos e lutar contra a corrupção. A corrupção prejudica muito os mercados.



