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Lá pelos idos de 1980, a Receita Federal implantou audacioso programa de fiscalização com a finalidade de monitorar as declarações de profissionais liberais beneficiários de rendimentos recebidos de pessoas físicas. Nascia o chamado Carnê-Leão, que obriga os súditos ao recolhimento mensal do imposto de renda, em decorrência de rendimentos pagos por outras pessoas físicas. O órgão era comandado pelo senador Francisco Dornelles, a quem se atribui a criação de um novo, e ainda hoje atual, clichê, com a cara de um leão, para simbolizar as garras afiadas do fisco federal.

Naquele primeiro momento de implantação do citado sistema de recolhimento do IR, chamou-me a atenção de especialistas o fato de somente os médicos serem os destinatários de tão arrojado (e inusitado para a época) controle fiscalizatório. Efetivamente, naqueles tempos, o aparato material dos agentes da fiscalização não ia além de calculadoras com bobinas de papel, de uma máquina de datilografia e de um salvador bloquinho de tirinhas corretivas para "deletar" eventuais cochilos de redação. Máquina de escrever elétrica era privilégio exclusivo das chefias.

Seria, então, simples desconfiômetro do fisco em relação a suposta omissão de rendimentos por parte dos discípulos de Hipócrates, ou uma escolha aleatória dos mesmos, como presas fáceis, para aumentar a arrecadação? Qualquer que seja a resposta, com certeza, não seriam (e não são) eles os únicos profissionais a ostentar riqueza tributável sem o devido controle da tributação. Não há como distinguir, neste ponto, o médico dos demais profissionais liberais ou de qualquer outro contribuinte.

Não obstante isso, a classe médica, infelizmente, continua em cena na seara do leão. Sai ano, entra ano, a malha fiscal ostenta cada vez mais declarações de imposto de renda das pessoas físicas detidas para averiguação de despesas médicas, cujas deduções foram pleiteadas. Nesse contexto, ainda figuram recibos inidôneos, ora com falsificação de assinatura dos profissionais da saúde (médicos, dentistas, psicólogos, vivos e mortos) e, não menos grave, os famosos recibos "vendidos" por uma minoria inescrupulosa que integra a nobre classe. Quase sempre, essas investidas contra o erário público terminam em inquérito instaurado pela Polícia Federal.

Para dar um basta nesse imbróglio, a Receita Federal instituiu, em dezembro de 2009, o formulário denominado Dmed, por meio do qual os profissionais da saúde informam ao fisco o nome de seus pacientes e respectivos valores por eles pagos a título de serviços prestados. A medida tem ajudado significativamente a atividade da malha fiscal e contribuído para o merecido sossego de quem age honestamente.

Em outras palavras, a Receita conferiu aos profissionais da saúde papel decisivo na conquista da confiança recíproca que deve imperar na integração fisco-contribuinte. Um gesto diametralmente oposto àquela medida adotada no início da década de 1980, quando eles foram o centro das atenções da primeira experiência do bem sucedido Carnê-Leão.

Se, de um lado, a secretária tem receio de dizer ao paciente que "o dr. não dá recibo" , posto que a prova do pagamento de uma despesa médico-hospitalar pode se dar por meio de outras vias, embora às vezes incômodas (prontuário médico acompanhado de outros documentos, como depósito, cópia de cheque, extrato bancário etc.), da mesma forma o contribuinte "sabidão" já não tem o mesmo espaço para as tradicionais falcatruas. O próprio médico auxilia o combate à fraude.

Novos tempos. Em que os espertos nem sempre saem ganhando.

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