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O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante: participação do banco no programa industrial do governo reacende temores sobre dinheiro do Tesouro e participação do banco em empresas, mas governo diz que desta vez será diferente.
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante: participação do banco no programa industrial do governo reacende temores sobre dinheiro do Tesouro e participação do banco em empresas, mas governo diz que desta vez será diferente.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ao anunciar seu programa de estímulo à indústria, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu cerca de R$ 300 bilhões para o setor até 2026. A maior parte desse valor, cerca de R$ 250 bilhões, virá de financiamentos e outros aportes do BNDES.

Batizado de Nova Indústria Brasil, o programa foi saudado pelo empresariado do setor – que, no entanto, cobrou mais recursos – e recebido com muitas reservas pelo mercado financeiro e economistas liberais.

O temor é de que o governo ressuscite velhos "fantasmas" de gestões anteriores do PT, como a famigerada política das empresas campeãs nacionais, que consumiu centenas de bilhões de reais – de dinheiro do contribuinte – em benefício de empresas escolhidas a dedo.

A maior preocupação foi com a possibilidade de que o Tesouro voltasse a repassar dinheiro do contribuinte para o BNDES apoiar empresas com juros abaixo de mercado. Também chamou atenção o anúncio do presidente do banco, Aloizio Mercadante, de que a instituição terá R$ 8 bilhões para "equity", ou seja, participação acionária em empresas.

A declaração deu a entender que o BNDES voltaria a comprar ações e ser sócio de empresas, prática controversa de tempos passados que foi revertida em grande parte durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

As ações que o BNDES detém em empresas privadas são usadas pelo governo para tentar influenciar seus rumos e também para acomodar aliados em conselhos de administração. No ano passado, chamou atenção a indicação dos ministros Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Carlos Lupi, da Previdência, para o conselho da metalúrgica Tupy. Após o episódio, o banco admitiu que pretendia "maximizar" sua participação nas empresas.

Ao falar dos R$ 8 bilhões destinados a participações acionárias, Mercadante salientou o objetivo de investir empresas da cadeia de veículos elétricos. "Temos 8 bi de equity, que nós queremos investir em empresas. Crédito é namoro, equity é casamento. São setores muito importantes, por exemplo, esse segmento de minerais críticos fundamentais para o futuro de baterias e toda mobilidade elétrica", disse Mercadante em 22 de janeiro, dia do anúncio do programa.

"Já estamos com cinco fábricas de ônibus no Brasil, produzindo ônibus elétrico. O Brasil tem a sétima reserva de lítio do mundo. E nós queremos ter controle e presença estratégica nesse segmento", afirmou o presidente do banco estatal, segundo registro do site EPBR. "Esse é um setor que o BNDES quer entrar com equity", acrescentou. Em um comunicado do governo, esses R$ 8 bilhões foram incluídos em eixos chamados "inovação" e "descarbonização".

Após a repercussão negativa dos primeiros anúncios, integrantes do governo correram para fazer esclarecimentos. Eles negaram que o Tesouro voltará a financiar o BNDES. Disseram também que a participação acionária do banco em empresas não será direta, e sim por meio de fundos de investimento – em total contraste com a afirmação inicial de Mercadante de que o governo almejava "controle e presença estratégica" no segmento de veículos elétricos.

"Não tem nada a ver com questão fiscal. O governo não vai fazer nenhum aporte de dinheiro para o BNDES, não vai colocar recurso a mais no BNDES", disse o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin (PSB).

Mercadante, por sua vez, afirmou no Jornal Nacional, da TV Globo, que o BNDES vai atuar em equity via fundos no mercado de capitais, e não via compra direta de ações.

“O volume de recursos que está destinado para os próximos três anos são R$ 8 bilhões. É um valor bastante pequeno. Mas ele vai ser feito de que forma? Através de editais públicos, com esses fundos privados, gestores privados, onde o BNDES participa com no máximo 25% para atingir alguns nichos que banco não tem condições de fazer, que os bancos privados também não", disse Mercadante.

"Tem que ser agentes privados, bancos privados, e vamos procurar e apoiar essas empresas. A discussão não é mais se tem que ter ou não. É como fazer. Aprender com os erros do passado e fazer melhor para gente recuperar nossa indústria", completou.

O diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do banco estatal, José Luis Gordon, deu mais detalhes em entrevistas a jornais.

"Você não vai escolher uma empresa A, B ou C; você vai investir em empresas junto com o mercado em fundos que poderão ser gerenciados por privados, como BTG, Pátria, Genial, por exemplo. Então, você vai junto com o mercado de capitais para investir em startups, pequenas empresas que possam desenvolver tecnologias e produtos importantes em áreas estratégicas", afirmou Gordon ao "Estado de S. Paulo".

Segundo ele, não haverá aporte do Tesouro Nacional no BNDES, nem equalização de taxas de juros (ou seja, subsídios bancados pelo contribuinte), e o BNDES fará escolha das empresas em conjunto com bancos e gestoras. O primeiro fundo em desenvolvimento, disse, é dos chamatos "minerais críticos" – fundamentais para veículos elétricos, por exemplo.

Passado recente do BNDES deixa mercado ressabiado

Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria, considera que o anúncio da nova política industrial teve efeito ruim sobre os mercados porque, ainda que tenha pontos meritórios, não ficou claro como o programa será implementado.

"Dados os erros do passado [das gestões anteriores do PT], acho que esta é a principal crítica. No passado, o dinheiro veio do Tesouro e não vimos benefícios para a sociedade, apenas para empresas. Depois veio o inchaço e a crise fiscal. Com isso, o mercado fica supersensível. Outro ponto é como o BDNES vai selecionar as empresas que vai investir?", questiona.

A questão da participação societária em empresas é ainda mais crítica, uma vez que poderia aumentar a ingerência política do governo sobre o setor privado.

Sobre os setores que vão receber os aportes, a economista entende que há diferentes situações. No caso da bioenergia, onde o Brasil está desenvolvido, ela acredita que a atuação do BNDES pode servir de um bom impulso caso a agenda seja bem desenhada.

No caso dos veículos elétricos, porém, ela alerta para o retorno do investimento.

"Tenho muita dúvida se algum tipo de benefício [do BNDES] para produzir carros elétricos no Brasil vai efetivamente gerar renda, emprego e atividade econômica que sejam positivas. Primeiro, porque o investimento geralmente não se paga, nem de longe. Segundo, porque não somos produtores, e é para atrair estrangeiros. O ideal seria investir onde tem mais retorno", diz.

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