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Tiago Miguel, gerente da rede O Moveleiro. Vendas estão de 12% a 15% menores . | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Tiago Miguel, gerente da rede O Moveleiro. Vendas estão de 12% a 15% menores .| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O desemprego avança. Quem ainda tem trabalho vê o salário corroído pela inflação e, desconfiado do futuro, evita contrair dívidas. Os que se arriscam a pegar financiamento gastam mais com juros. O resultado dessa combinação não poderia ser diferente: o poder aquisitivo da população está diminuindo.

Segundo a consultoria Tendências, a renda disponível para o consumo cairá pela primeira vez em mais de uma década. Depois de crescer a uma média de 5,3% ao ano a partir de 2004, o poder de compra chegou ao pico de R$ 3,08 trilhões em 2014.

INFOGRÁFICO: Acompanhe a queda do poder de compra do brasileiro em 2015

Mas, neste ano, deve recuar quase 8%, o que significa que os brasileiros terão R$ 237 bilhões a menos para gastar, estima a consultoria.

Para 2016, a expectativa é de uma nova queda, de 2%, que vai tirar mais R$ 56 bilhões do bolso do consumidor. Em dois anos, portanto, o poder aquisitivo vai encolher quase R$ 300 bilhões, voltando aos níveis de 2011.

Os valores foram calculados com base no desempenho de quatro variáveis: população ocupada, rendimento médio, concessão de crédito e taxas de juros. Todas estão piorando, diz o economista João Morais, da Tendências, que calculou o poder de compra junto com os colegas Rafael Bacciotti e Rodrigo Baggi.

“Pelo lado do emprego, a população ocupada está diminuindo e a renda está crescendo abaixo da inflação. Em termos de crédito, há uma queda nos novos empréstimos, que faz o poder de compra subir menos num primeiro momento, aliada a um aumento de juros, que reduz mais o poder de compra no longo prazo, enquanto o consumidor estiver pagando a dívida”, explica Morais.

Vendas em queda

O impacto é visível no varejo. No acumulado de 12 meses até agosto, as vendas caíram 5,2%, de acordo com o IBGE. Concessionárias de veículos e lojas de móveis e eletrodomésticos aparecem entre as mais afetadas, com recuos de 12,9% e 8,2%, respectivamente. Recentemente, a Via Varejo, que reúne Casas Bahia e Ponto Frio, surpreendeu ao anunciar uma queda de quase 25% nas vendas no terceiro trimestre, o que levou a companhia a fechar 31 lojas deficitárias.

“Quem vende bens duráveis, cuja compra é mais sensível às condições de crédito e à confiança do consumidor, está sofrendo mais”, diz Morais. “É diferente do que ocorre, por exemplo, nos supermercados. Embora os números também indiquem uma queda de faturamento, eles dependem menos de crédito, e trabalham com produtos essenciais. As famílias podem trocar uma marca X por uma marca Y, mais barata, mas no geral tendem a preservar a quantidade consumida.”

A empresa IPC Marketing, especializada em estudos de potencial de consumo, é um pouco mais otimista para 2015: sua projeção é de que a despesa de consumo das famílias, um dos itens que formam o Produto Interno Bruto (PIB), subirá 0,2% neste ano, já descontada a inflação, chegando a R$ 3,73 trilhões.

“Esse cenário, de uma crise política se espalhando economia afora, com empresários reticentes, afeta o consumo em 2015 e 2016, no mínimo. No ano que vem, o consumo deve se situar na mesma faixa de crescimento baixo ou até mesmo negativo”, prevê Marcos Pazzini, diretor da IPC.

DEMISSÕES

Um dos últimos setores que ainda estava contratando, o comércio entregou os pontos neste ano. De janeiro a setembro, eliminou quase 240 mil postos de trabalho formais em todo o país. No Paraná, houve cerca de 10 mil demissões no período, segundo o Ministério do Trabalho.

“Está difícil convencer o cliente a gastar”

Henry Milleo/Gazeta do Povo

As vendas na Moveleiro, que tem duas lojas em Curitiba e uma em Pinhais, estão de 12% a 15% menores neste ano, segundo o gerente da rede, Tiago Miguel. Um dos motivos é o aumento dos preços, influenciados por aumentos de impostos no Rio Grande do Sul – onde é fabricada boa parte dos móveis vendidos pela varejista – e no Paraná. Aqui, a alíquota do ICMS passou de 12% para 18% no início de abril. “Antes, conseguíamos dar desconto de 28% nas compras à vista. Agora, damos no máximo 15%”, conta o gerente. Além de os preços terem subido, os consumidores não andam muito confiantes: “Com notícias de crise para cá, crise para lá, não se sabe se a situação vai melhorar... Está difícil convencer o cliente a gastar mais”. Uma peculiaridade local também está atrapalhando a Moveleiro e outras empresas com loja na Rua Marechal Deodoro: a instalação de uma faixa exclusiva para ônibus no lado direito da via, que agora impede o estacionamento de carros no sábado à tarde, dia de muito movimento no comércio da região.

Se política ajudar, comércio pode reagir em meados de 2016

As vendas do comércio só devem reagir a partir de meados do ano que vem, estima a consultoria Tendências. E essa reação dependerá de uma redução nas incertezas políticas e, consequentemente, de uma retomada na confiança.

“O ganho de fôlego que esperamos para o segundo semestre de 2016 é bastante modesto. Um movimento mais forte deve aparecer apenas em 2017”, diz o economista João Morais. “Mas existe um risco elevado de que os resultados sejam piores do que esperamos hoje, por causa dessa indefinição do cenário político”, adverte. Para ele, o mercado de trabalho tende a continuar mal – com sorte, a população ocupada pode parar de cair no segundo semestre do ano que vem.

Marcos Pazzini, diretor da IPC Marketing, vê o avanço do desemprego como principal obstáculo à recuperação do consumo.

Em alta desde o início do ano, a taxa de desocupação apurada pela Pnad Contínua, do IBGE, chegou a 8,6% no trimestre encerrado em julho, a mais alta desde o início da série, em 2012.

“O motor do consumo das famílias é o rendimento, que depende do emprego”, diz Pazzini.

Rumo ao interior

Para o diretor da IPC Marketing, a estagnação do poder aquisitivo do conjunto da população brasileira não impede as redes varejistas de faturar mais. Por dois motivos: o crescimento do comércio eletrônico e o deslocamento do consumo para o interior dos estados. “Parte do potencial que estava nas capitais e regiões metropolitanas migrou para outras regiões, e o varejista precisa estar atento a isso”, diz.

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