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Finanças públicas

Em favor de estados, Alcolumbre apoiou pautas que pioram situação das contas do país

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Eleito em fevereiro para seu segundo mandato como presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) está longe de ter o equilíbrio fiscal como uma de suas bandeiras. Nos quatro anos em que atuou como senador fora da presidência da Casa, o representante do Amapá não fez qualquer menção ao ajuste das contas públicas federais em seus discursos.

Entre 1.º de janeiro de 2021 e 31 de dezembro de 2024, quando esteve fora da presidência do Senado, Alcolumbre fez 81 pronunciamentos no plenário. A análise dos discursos foi feita pela Gazeta do Povo com o auxílio da ferramenta Pinpoint do Google (acesse aqui a íntegra dos pronunciamentos). A transcrição foi obtida por meio da página Atividade Legislativa do site do Senado, que reúne as falas proferidas no plenário.

Nas ocasiões em que foi ao púlpito, as únicas menções que Alcolumbre fez a "equilíbrio fiscal" referiam-se às dívidas estaduais e foram proferidas durante as discussões para a aprovação do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). O senador foi o relator favorável ao Projeto de Lei Complementar 121, de 2024, que se tornou a Lei Complementar 212, de 2025.

“Dar uma saída, do ponto de vista do equilíbrio fiscal, das despesas dos orçamentos dos estados federados, para que esses estados federados possam dar qualidade de vida aos brasileiros que vivem nesses estados, foi fundamental para que nós chegássemos até aqui”, disse o senador em 17 de dezembro de 2024, durante a votação que aprovou o Propag.

O programa, que prevê a renegociação das dívidas estaduais, pode provocar perdas de R$ 1,3 trilhão à União até 2048. O impacto potencial foi calculado pelo Tesouro Nacional e veio a público em 6 de março, revelado pela Folha de S.Paulo, após a aprovação do programa. O efeito deve ser um aumento da dívida bruta do setor público.

Na prática, a ajuda que o programa oferece a estados endividados tende a ser "socializada", bancada por todos os contribuintes do país. A União provavelmente vai se envididar a juros altos para cobrir o favor concedido a unidades da federação.

No fim de janeiro, o Tesouro havia feito estimativa de renúncia de R$ 106 bilhões em cinco anos, considerando que todos os entes estaduais que têm débitos com a União façam sua adesão à iniciativa. O Propag prevê o parcelamento do saldo das dívidas estaduais em até 30 anos e cria um fundo de equalização federativa para compensar os estados em boa situação fiscal.

O programa ainda permite reduzir os juros reais das dívidas estaduais de 4% para 0% ao ano, mediante entrega de ativos ou compromisso com investimentos em infraestrutura ou educação. A proposta foi vetada em alguns pontos, e foram retirados dispositivos que poderiam impactar o resultado primário das contas públicas (isto é, o não financeiro, aquele não relacionado à dívida).

Porém, há indicações de que, mesmo com essas retiradas, as contas primárias do setor público podem, sim, ser afetadas – e não apenas a dívida, que é uma despesa financeira.

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Defendido por Alcolumbre, Propag pode elevar gastos de governos estaduais

Relatório do Departamento de Pesquisas Econômicas do Bradesco avalia que o Propag pode deteriorar a dinâmica entre a arrecadação e os gastos dos governos regionais. “Este programa tem potencial de aumentar gastos primários dos governos regionais (e, portanto, do setor público consolidado) em até R$ 35 bilhões (0,3% do PIB)”, afirmaram economistas do banco, em relatório.

A depreciação no resultado primário poderá ser gerada pelos descontos no serviço da dívida, em troca de investimentos em segurança pública ou ensino técnico. Além disso, os estados também podem reduzir os pagamentos de juros ou sua dívida com a União por meio de transferência de bens ou empresas, utilizando os recursos antes devidos para alavancar ainda mais as suas despesas.

“Caso esses aumentos de gastos se materializem, devemos observar uma redução do resultado primário divulgado mensalmente pelo Banco Central. A lei aprovada estabelece que os estados têm até o final de 2025 para aderir ao programa, o que pode fazer com que esse aumento de gastos demore para aparecer”, concluem os analistas do Bradesco. O relatório ainda adverte que 2026 é um ano eleitoral e, portanto, o aumento de gastos, embora não seja recorrente, pode ocorrer.

Propag tende a elevar a dívida pública consolidada

Assim como aponta o relatório, as renúncias que podem beneficiar os estados não deixam de ser contabilizadas na dívida pública consolidada – que é a soma das dívidas contraídas pelos governos federal, estaduais, distrital e municipais para o financiamento de seu déficit orçamentário e para outras operações com finalidades específicas, definidas em lei.

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De acordo com relatório do Tesouro, “esse tipo de renegociação das dívidas estaduais cria um viés de risco moral que se consolida no ciclo vicioso". "Os estados continuam gastando irresponsavelmente; os estados esperam novas negociações; a União acaba absorvendo os prejuízos, aumentando sua própria dívida pública”, diz o documento.

Estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, apontam que a proporção entre a dívida pública e o PIB deve chegar a 86,35% em fevereiro do próximo ano. Os dados são do relatório de dezembro de 2024 e ainda não consideram os impactos do Propag.

Durante a tramitação do projeto no Congresso, a recomendação do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) ao Executivo foi de veto integral à proposta. No parecer do secretário-executivo, Gustavo Guimarães, “em vez de incentivar ajustes estruturais e promover o equilíbrio fiscal, o programa reforça a cultura de dependência dos estados em relação à ajuda federal”.

Em 14 de agosto de 2024, ao defender o Propag, Alcolumbre disse que a “União faz um gesto significativo em relação a abrir mão da possibilidade de receber os juros dessa dívida com a possibilidade de esses juros, que iriam para a União, serem revertidos em investimentos em todos os estados brasileiros". Ele não mencionou o impacto da medida para a própria União.

Mesmo com os alertas do MPO, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou o Propag com vetos parciais, respaldado pelo Ministério da Fazenda, em uma decisão cujo objetivo foi evitar o aumento dos desgastes políticos com o Congresso Nacional.

Alcolumbre apoia PT, mas diz que Senado é a "casa da federação"

Apoiado pelo PT e pelo PL em sua reeleição à presidência do Senado, Alcolumbre tem se alinhado às propostas do governo Lula. Segundo o site Placar Congresso, entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, o senador compareceu a 94% das votações e 75,9% de seus votos foram alinhados à gestão petista.

Ainda diante do maior alinhamento com o governo Lula que com a oposição nas votações, o atual presidente do Senado não disfarça que seu compromisso maior não é com a gestão federal nem com a saúde fiscal da União. Em um de seus discursos durante a aprovação do Propag, Alcolumbre disse que o Senado é “a Casa que sempre está ao lado dos estados e dos municípios brasileiros”.

Nos quatro anos em que ficou afastado da presidência da Casa, de 2021 a  2024, a atuação de Alcolumbre se concentrou em pautas que favorecem as gestões regionais. Além da aprovação do Propag, o senador também defendeu a institucionalização das associações entre municípios.

Senador defendeu PEC que regularizou piso da enfermagem

Alcolumbre ainda foi um defensor da elevação do piso salarial da enfermagem e da desoneração da folha de pagamentos para o setor da saúde. Ele foi o relator da PEC 11/2022, que se tornou a Emenda Constitucional 124 e instituiu o piso salarial de Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira.

O valor do piso foi instituído pela Lei 14.434/2022. A PEC 11 instrumentalizou e legalizou o estabelecimento do piso na Constituição Federal.

No plenário do Senado, em 2 de junho de 2022, Alcolumbre afirmou que havia um dilema quanto à aprovação da PEC. “A gente tinha um dilema, inclusive com a gente mesmo, porque eu fiquei imaginando como é que nós iríamos fazer, atribuir essas despesas extraordinárias para municípios e estados brasileiros que já não conseguem custear o que já existe hoje”, disse na ocasião.

Alcolumbre ainda avaliou que o Senado teria “muito trabalho para buscar a fonte para não deixar ninguém no caminho e não deixar ninguém para trás nesse processo”. O senador, então, citou outras possíveis fontes de arrecadação para que houvesse a compensação do aumento de gastos derivado da PEC 11 e da desoneração da folha da saúde.

Alcolumbre defendeu uso de dividendos da Petrobras e impostos de bets para bancar piso

Dentre as soluções, o senador elencou “o saldo dos dividendos da Petrobras” e o projeto de lei das bets, “que tem uma previsão de arrecadação de R$ 120 bilhões, ou seja, vamos conseguir, o Estado brasileiro, arrecadar entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões com impostos”. Segundo Alcolumbre, haveria um repasse para a saúde previsto nessa arrecadação, que poderia financiar os incrementos nos gastos com o piso da enfermagem.

No mesmo discurso no qual celebrou a aprovação da PEC 11 e falou das prováveis fontes para cobrir essa despesa, sem mencionar seu impacto fiscal para a União, Alcolumbre afirmou que aquele momento ainda não era o de discutir a origem desses recursos e que essa resolução seria feita no ano fiscal seguinte.

“Enfim, estamos buscando alternativas de fonte para resolver este problema e nós teremos, conforme está no projeto, o exercício fiscal, que começa no ano que vem. Teremos junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro para resolver sobre as fontes. E eu tenho certeza absoluta de que, com a construção que nós estamos fazendo, nós iremos resolver sobre essas fontes o mais rapidamente possível e essa nova despesa não recairá sobre os ombros dos estados, das filantrópicas e dos municípios brasileiros”, disse.

Ou seja, embora naquele primeiro momento a proposta apoiada por Alcolumbre impusesse gastos adicionais aos governos regionais, a ideia era transferir o ônus à União assim que possível. Foi o que ocorreu.

Em 2023, ano seguinte à aprovação do piso da enfermagem, o Congresso aprovou crédito especial de R$ 7,3 bilhões para viabilizar o pagamento. O dinheiro seria repassado pelo Ministério da Saúde a estados e municípios.

O Congresso também aprovou o uso de superávits financeiros de fundos públicos do Poder Executivo e recursos vinculados ao Fundo Social para financiar o piso salarial de forma permanente. Ainda assim, muitos estados e municípios alegam que os repasses não são suficientes para cobrir todo o gasto adicional provocado pelo piso.

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