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 | Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo
| Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo

Empreender está no DNA da família Neeleman, garante o caçula dos sete filhos, Mark, co-fundador da Azul Linhas Aéreas. Ele e o irmão, David, fundaram a empresa em 2008, mas a relação com o mercado brasileiro havia começado dez anos antes, quando Mark esteve no país como missionário, entre 1997 e 1999. "Passei dois anos estudando a mente das pessoas", conta. Decidido a fazer a ponte entre o Brasil e os Estados Unidos, Mark é um investidor entusiasmado com o potencial brasileiro nos negócios. Reconhece as dificuldades nas parcerias comerciais e lembra que o país não é para iniciantes. Mas está muito otimista. "Hoje sinto aqui o mesmo ambiente do Vale do Silício", garante.

O executivo esteve em Curitiba para falar sobre empreendedorismo no Brasil, em um evento da Amcham, nesta quarta-feira e conversou com a Gazeta do Povo. Veja alguns trechos da entrevista. Quando você começou a empreender?

Na minha família, empreender faz parte da educação. Me lembro bem quando meu pai trouxe um contêiner de sapatos de borracha, próprios para embarcação, e a gente vendia na garagem. Abri a primeira empresa com minha irmã, aos 18 anos. Entregávamos refeições prontas de alta qualidade para os empreendedores do Vale do Silício. E a experiência foi muito gratificante, pois estávamos dentro de todas as empresas de tecnologia do Vale, sem ser uma empresa digital. No contato com os outros jovens, eu sentia que entendia sua linha de pensamento. Além disso, damos muito crédito ao nosso avô, que nos ensinou tudo sobre atendimento ao cliente. Todos nós trabalhamos em uma loja de conveniência com ele e, quando o cliente queria algo que não tínhamos, nós pegávamos a bicicleta para buscar em outro lugar, sem nenhum lucro, só para atendê-lo. Como essas experiências lhe ajudaram a empreender?

A primeira vez que estive no Brasil foi como missionário, entre 1997 e 1999. Foi uma grande oportunidade, pois passei dois anos estudando pessoas, como funcionavam suas mentes. Isso ajudou bastante porque pude ver as necessidades de mercado aqui [no Brasil] e buscar respostas nos EUA. Naquela época, eu decidi que queria fazer essa ponte de informação e promover a conexão entre o que há de melhor no Brasil para lá e vice-versa. Foi quando você apostou na aviação comercial?

Fui missionário com 20 anos. Depois, voltei aos EUA, onde cursei estudos internacionais, com foco nos mercados e negócios globais e o impacto disso. Em seguida, meu irmão David deixou a companhia aérea JetBlue e me convidou a voltar ao Brasil, com mais quatro pessoas, para avaliarmos o mercado e fundar a Azul Linhas Aéreas, em 2008. A aviação comercial foi uma das necessidades que percebi aqui. Quando missionário, uma vez por mês eu viajava 15 horas de ônibus entre Campo Grande e Londrina, para participar de uma reunião. Depois da Azul, quais foram seus negócios no Brasil?

A volta para o Brasil foi uma oportunidade de trabalhar com meu irmão e também desenvolver novos empreendimentos. Eu sempre quis fazer meu próprio caminho. Saí há dois anos da Azul e formatei um novo negócio, o Vigzul, com a participação de dois sócios. A empresa atraiu a atenção de David, que investiu no negócio, muito atento ao seu potencial. A Vigzul foi fundada em 2013 e hoje é a maior empresa de rastreamento de veículos e segurança residencial do interior de São Paulo, com 5 mil contratos e presença em 20 cidades. Aplicamos uma modalidade de venda comum nas companhias americanas da minha região, em Utah. Quando retornam aos EUA, os missionários trabalham usam sua expertise da abordagem porta a porta. Isso é muito comum lá. Quais as diferenças dos ambientes corporativos entre o Brasil e os EUA?

Quando eu cheguei aqui, era bem diferente. Eu sentia que o brasileiro estava satisfeito se tivesse um emprego, mas não com o trabalho. Ele não queria mudar o mundo. Eu sinto que, nos últimos seis anos, isso já mudou muito. Dias atrás, em uma reportagem sobre empreendedorismo mundial, os países receberam notas de acordo com seus ambientes de negócio. O Brasil marcava 71, contra 78 dos EUA. E tinha a melhor nota entre os BRICS. É um prazer enorme estar aqui nesse momento. Sinto que é o mesmo ambiente do Vale do Silício. Hoje, eu vejo que as pessoas que empreendem, o estão fazendo da melhor forma. Quem fica só reclamando, fica estagnado, sem crescer. Porque é assim que funciona: se você quer melhorar sua empresa, tem que apostar no Brasil. Como você avalia o desempenho do Brasil no desenvolvimento de startups?

O Brasil está bem representado nessa área, com bons produtos. Mas o empreendedor precisa do apoio, de condições jurídicas ideais para navegar nas dificuldades. Não é fácil trabalhar aqui. Mas há potencial. Como já disseram, o Brasil não é para iniciantes, nada aqui é para iniciantes. É preciso dedicação e foco para ser bom no que faz, senão vai ficar distraído por todas as outras coisas.

Há algum segmento que você dá mais atenção ou os investimentos são pautados pelas oportunidades?

Hoje eu estou focado em um negócio com bambu, que é o futuro em termos de construção civil, que pode ser desenvolvida com sustentabilidade. Estou em negociação com um instituto para vender crédito de carbono e fazer plantações de bambu em todo o país. Eu acredito que o ciclo da madeira passou. Hoje é possível atender os usos da madeira com bambu. Ainda estamos em fase de formatação do empreendimento, que deve ser concluído até o fim do ano. Tenho uns cinco produtos de bambu que vamos desenvolver, para vender no Brasil e em todos os países. Quais as vantagens do Brasil para esse negócio?

Aqui é o país com maior área disponível para plantio de bambu. E também tem a maior área de bambu lenhosos, que pode substituir a madeira. Quero levar o projeto para o Acre, onde tem o maior depósito da espécie, e é um lugar em as pessoas têm uma consciência ambiental bem desenvolvida, desde a atuação do Chico Mendes. Eu o considero o Che Guevara do Brasil e do meio ambiente, pela revolução que ele fez na defesa ambiental.

Qual sua orientação para investidores estrangeiros interessados em negócios no Brasil?

Meu conselho é achar o apoio certo no sentido jurídico e focar nas oportunidades que podem mudar o mundo e causar maior impacto. Isso que será mais gratificante. O país tem esse potencial em muitas áreas, como energia. Não faltam oportunidades, falta execução. É preciso identificar e focar para fazer da melhor maneira. Outra questão é cuidar para não tentar aplicar aqui um modelo estrangeiro, o que nunca dá certo. É preciso fazer adaptações e ter jogo de cintura. As pessoas tem que entender que os negócios são como arte. O artista plástico Andy Warhol falava que o negócio é a arte suprema. Eu acredito nisso muito. Eu sempre adorei arte, mas nunca tive nenhum talento. E então eu decidi que faria dos negócios a minha arte. Eu sinto que é isso que a gente tem que fazer. As empresas que fazem o seu trabalho da melhor maneira, fazem arte. E o artista precisa trabalhar assim, sem medo do erro. Faz uma coisa, não dá certo, joga fora e faz de novo.

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