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| Foto: Valterci Santos/Divulgação

Aos 36 anos, Romero Rodrigues é um veterano do comércio digital. O CEO da Buscapé Company conduz 16 negócios diferentes e mais de 1,3 mil colaboradores, fruto de um empreendimento que começou há 15 anos. Longe de ser um "momento Eureca", o site Buscapé é resultado de investimento constante em inovação. A equipe é desafiada pelo próprio chefe e pelo mercado a criar cada vez mais e melhor para continuar garantindo poder ao consumidor. Confira a entrevista que o CEO do Buscapé concedeu à Gazeta do Povo durante sua última passagem por Curitiba, na 13ª Feira de Gestão da FAE, realizada no início de outubro.

O modelo para criação de startups ainda é buscar a solução para uma necessidade pessoal?

Na faculdade, um colega comentou que não conseguia achar informação para comprar uma impressora. Que não existia um site de busca só de compras. Daí pensamos em criar alguma coisa nessa área. Essa coisa de estar numa banheira e ter um "momento Eureca", aí vem a ideia... Comigo nunca aconteceu. Não sou muito de acreditar nisso. Acho que é um exercício constante para conseguir chegar numa ideia boa.

O empreendedor brasileiro tem medo de errar?

Para você criar uma empresa que consiga inovar, é preciso criar uma cultura do fracasso. Para inovar, é preciso percepção. E perceber a necessidade de alguém exige envolvimento. É preciso estar próximo. Na medida em que a empresa cresce, isso fica mais difícil.

Fracasso no Brasil é uma palavra muito forte. O medo de fracassar te paralisa, tira você do estratégico e joga no tático. É muito importante para o empreendedor – o jovem, principalmente – cultivar a cultura de que é permitido fracassar. Temos o costume de premiar o sucesso, quando deveríamos premiar a experiência.

Como colocar isso para o time?

Esse é o mais difícil. No Buscapé, por exemplo, tentamos promover a experiência, fazer muito teste e eu gosto de provocar o time. Já cheguei a colocar ideias absurdas para testar reações. Você tem que fazer experiências e fracassar várias vezes para descobrir um caminho novo.

Antes, a gente destacava as melhores ideias. Agora damos palco a todas as experiências que fazemos, as que provam que podemos fazer muito melhor, mas principalmente as que demonstram que já somos os melhores naquilo que fazemos. Quando você dá mérito só para quem acertou, inibe os demais a terem ideias e arriscarem. Quando o individuo vê que tem espaço para ser reconhecido pela proatividade, ele se sente mais à vontade para testar. Claro que é preciso ter um ambiente, onde os testes são controlados, para não comprometer a empresa inteira.

Dá para aplicar isso em empresas tradicionais?

O que acontece hoje é que a startup só sobrevive se for veloz. Ela precisa de velocidade para fazer um número muito grande de tentativas e experiências. Toda startup, para abrir o mercado e crescer, vai ter que gerar mais valor, geralmente para o usuário. Se ela está fazendo isso, está tirando o valor de alguém. No nosso caso, tiramos do varejo e demos para o usuário. O Buscapé incomodou muito lojista, que ameaçou nos processar porque não queria preço exposto e comparado.

Por esse motivo, tem que inovar rápido. A empresa grande pode ter duas reações. A primeira, de não fazer nada, esperar os efeitos da novidade. Às vezes, tentar bloquear, acionar a Justiça. Mas daí briga com os usuários, que já entendem a proposta como vantagem. A segunda reação natural é tentar comprar a pequena. Mas o mercado digital é gigantesco, de 100, 130 milhões de usuários. E, quando as empresas começam a crescer, elas o fazem muito rápido.

Esse crescimento aumenta o valor da empresa no mercado, o que inviabiliza a compra pelo concorrente. E isso está fazendo com que as grandes corporações busquem agir como uma startup, com essa cultura ágil, de desafio e fazer muitos testes.

Como o Buscapé lidou com a resistência do varejo e a questão da transparência, da exposição dos preços?

Foi muito difícil, levou muito tempo. Quando o Buscapé entrou no ar, trazia o preço e encaminhava para loja. No nosso modelo de negócio, a loja receberia os usuários do Buscapé, que geraria tráfego qualificado. Mais gente viria pro Buscapé, venderia mais, pagaria para estar em destaque no site e compraria publicidade. Nós usaríamos essa grana para divulgar o nosso serviço e trazer mais usuários. Até que o site entrou no ar e a primeira loja que ligou foi para nos processar. O cara que devia nos pagar estava querendo tomar uma grana que nem tínhamos. E isso postergou muito o projeto inicial.

O que fizemos? Usamos a força dos próprios usuários. O Buscapé foi totalmente gratuito por três anos. Quando começamos a cobrar das lojas para listar, todas as grandes começaram a pagar, menos o varejista que tinha ameaçado de processar. Esse nem atendia ao telefone. Pior, falava para os concorrentes que não deveriam pagar. Por pressão dos outros clientes, acabamos tirando ele da listagem, em 2002. E em um dia, com o pouco tráfego que tinha na época, ele viu a venda cair e ligou para pedir para listar novamente.

Como o Buscapé sobreviveu à bolha de 2000?

Quando começamos, entre 1998 e 1999, não tinha nada de internet, ninguém sabia o que estava fazendo. Em setembro de 1999, o primeiro investimento anunciado aqui no Brasil foi o aporte na Brooknet, que depois mudou o nome para Submarino. Foi a primeira notícia de investimento em startup no Brasil. Nos EUA, o marco tinha sido o IPO da Netscape, em agosto de 1995. Por outro lado, na segunda semana de abril, quando a Nasdaq explodiu, a notícia foi instantânea. Tivemos aqui um período muito curto de investimento em empresas de internet no primeiro ciclo. E a maioria não sobreviveu.

Passamos pela tempestade por vários motivos. Claro, tivemos sorte, recebemos um investimento inclusive depois de a bolha estourar, e tudo isso fez sermos mais cautelosos. Mas o que ajudou foi termos começado muito antes. A bolha veio porque todo mundo saiu de banco e consultoria, escreveu um business plan e dizia que ia ficar milionário, vendendo um serviço ou produto na internet, com milhões de usuários e publicidade. Esse modelo já é superado.

O nosso modelo foi mais resiliente. Talvez nossa sobrevivência foi por ter apostado que ia ter que vender sozinho e aplicar o dinheiro da empresa, sem esperar investimento.

E hoje, estamos em uma pré-bolha?

O Brasil está em um momento macroeconômico difícil e politicamente instável. Acompanho de perto esse mercado, como investidor-anjo em várias empresas, e está muito difícil alguém receber investimento hoje. O Brasil não está muito dentro da discussão de saturação no mercado, mas isso é forte nos EUA, pela valorização alta de algumas empresas.

No Brasil, não. O que a gente chama de internet hoje foi, na verdade, uma ponte para o mobile. Hoje já está tudo no celular. Preços, jornais, avaliações, e uma grande parte das tarefas será simplificada. Estamos nessa fase única, em que todas as indústrias, de todos os segmentos, estão sendo desafiadas e precisarão ser reinventadas.

Quais as mudanças do comercio eletrônico?

No comércio digital, vejo as pessoas usando o celular para ter poder na relação de consumo, o que o consumidor não tinha antes. Há 100 anos, o seu carro seria preto, porque era a cor que secava mais rápido. Há 30 anos, o poder era do varejo, que negociava uma marca ou duas e oferecia só isso para o consumidor. A internet transferiu esse poder para a mão do consumidor.

O comércio eletrônico no Brasil corresponde a 3,6% das vendas do varejo. Mas o mobile amplia esse universo. Um terço dos usuários do Buscapé usa o aplicativo no mobile, dentro da loja física, na frente do vendedor, negociando o preço. O que a gente chama hoje de comércio digital não tem mais divisão, virou tudo a mesma coisa.

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