
Depois de sete meses sem acréscimos na tarifa de energia, a bandeira amarela voltou a aparecer na conta do consumidor brasileiro em novembro. O retorno, em pleno período úmido, é um sinal de que o estresse hídrico pode virar rotina no Brasil, com consequências que vão muito além dos problemas para a geração de energia elétrica no país.
Confira as projeções para o estresse hídrico no país
A escassez de água tem sido uma constante em algumas regiões do país. Nos últimos dois anos, a região Sudeste sofreu os efeitos da pior seca dos últimos 80 anos. A estiagem prolongada comprometeu o nível dos reservatórios das hidrelétricas e teve uma fatia importante de culpa no caos que se instalou no setor elétrico brasileiro – sem água, o governo acionou as térmicas e as tarifas explodiram. A mesma crise hídrica quase levou a maior metrópole brasileira a um colapso de abastecimento em 2015, com racionamento de água e uso do volume morto dos reservatórios.
Hoje, a maior preocupação é o Nordeste. A seca histórica que assola a região há cinco anos já comprometeu a geração de energia e o abastecimento urbano de água em várias cidades. O reservatório da hidrelétrica de Sobradinho, o maior do Nordeste, caminha para terminar 2016 com o volume útil praticamente zerado, o pior cenário registrado em 85 anos na Bacia do Rio São Francisco.
No médio e longo prazo, moradores de outras grandes cidades brasileiras também devem experimentar efeitos do estresse hídrico, assim como os paulistanos e nordestinos. Isso porque as mudanças climáticas tendem a tornar fenômenos extremos como a crise hídrica de 2014-2015 cada vez mais frequentes e intensos, explica Sérgio Ayrimoraes, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA).
No caso específico de São Paulo, um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgado no ano passado concluiu que o aumento da temperatura média em todo o Brasil desde os anos 1960 e a diminuição das chuvas na região do Sistema Cantareira a partir dos anos 1980 propiciaram um clima que dificulta o reabastecimento dos reservatórios da região. Isso indica que as crises hídricas podem se tornar rotina.
Embora tenham um peso importante, as mudanças climáticas são apenas uma parte do problema. A falta de planejamento de longo prazo contribui para agravar os efeitos da escassez e, embora o balanço hídrico brasileiro seja favorável, com a oferta de água maior do que a demanda, isso não significa que temos segurança hídrica, afirma Ayrimoraes
Infelizmente o país parece não ter aproveitado como poderia a lição da última crise hídrica. As perdas de água tratada na distribuição ainda são muito altas no Brasil (cerca de 37%) e não há incentivos ao uso racional por parte dos consumidores. Além disso, não existe qualquer tipo de cobrança pelos recursos hídricos usados na agricultura, o setor que mais consome e desperdiça água no país.
A crise de água de São Paulo, por exemplo, teve um efeito pedagógico importante sobre os consumidores, mas até agora não resultou em investimentos estruturais, segundo Édison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil. “Bastou que as chuvas voltassem a cair e enchessem os reservatórios para que os projetos alternativos fossem engavetados”.
Segundo Ayrimoraes, os planejadores sabem o que precisa ser feito, mas na prática isso não se traduz em investimentos, que são sempre postergados ao limite.



