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Imagine que você tem um dinheiro guardado e é obrigado a repassa-lo a uma instituição bancária para que faça a gestão da quantia. Você e todos os trabalhadores do lugar onde vive. Esse banco cobra uma taxa de 1% sobre o montante geral para fazer a administração do fundo, embora o rendimento individual dos poupadores não seja tão alto. No fim do ano, como o grupo de correntistas é grande, o banco acumulou um ganho que representa 35% do total das receitas dos trabalhadores. Parece muito? É isto que a Caixa Econômica Federal lucrou, em média, nos últimos quatro anos com a gestão exclusiva do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

INFOGRÁFICO: Lucro e remuneração do FGTS

Somente em 2015, a Caixa embolsou R$ 4,3 bilhões com a cobrança da administração do FGTS. Para efeitos de comparação, o montante representa 26,2% do total recebido como rendimento pelos trabalhadores, que alcançou R$ 16,4 bilhões em 2015. Em anos anteriores, como em 2013, os lucros do banco federal chegaram a representar pouco mais de 40% dos ganhos dos trabalhadores.

A taxa cobrada pela Caixa (1%) é proporcionalmente alta, considerando o capital do FGTS que no fim do ano passado alcançou a cifra de R$ 457,6 bilhões. No mercado, a prática da cobrança administrativa funciona da seguinte forma: quanto maior o investimento e o ativo, menor é a taxa estipulada pelo gestor do investimento. “O custo da Caixa é muito alto, ainda mais com o ativo monstruoso do FGTS. Qualquer fundo cobraria muito menos para gerir um montante desse tamanho. Acredito que uma taxa de 0,5% estaria bom”, afirma Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador.

Do outro lado, o dinheiro depositado mensalmente pelas empresas na conta dos trabalhadores com carteira assinada rende pouco, 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). O retorno é basicamente a metade do oferecido pela poupança, de 6% + TR. Nos últimos quatro anos, a única vez que a poupança dos trabalhadores rendeu mais do que 4% foi em 2015. Em todos os demais, os ganhos estiveram apenas pouco acima dos 3%.

A rentabilidade dos trabalhadores fica ainda mais modesta se for considerada a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que estava em 9,62% nos últimos 12 meses encerrados em agosto. O índice mede o custo de vida das famílias que recebem até cinco salários mínimos, fatia em que se encontra boa parte dos assalariados.

O Instituto Fundo Devido ao Trabalhador calcula que, nos últimos 14 anos, o lucro líquido do FGTS teve crescimento de 938%, enquanto o rendimento que vai para a conta dos trabalhadores subiu neste período apenas 90%.

Desde o início dos anos 90, o banco federal é o único administrador do dinheiro depositado mensalmente em nome de todos os trabalhadores com carteira assinada. Antes disso a gestão era descentralizada. No fim de 2015, eram mais de 235 milhões de contas ativas nas mãos da Caixa. O lucro do fundo no ano passado foi de 13,3 bilhões.

Bancos privados querem tomar da Caixa a gestão do fundo

A gestão do FGTS despertou o apetite dos bancos privados, que começaram a se movimentar para defender o fim do monopólio da Caixa. A principal bandeira é a promessa de mais rentabilidade para os trabalhadores, alcançando o índice de 10% anuais.

Apesar de não comentar o tema oficialmente, a Caixa já está preparando o discurso de que eventuais mudanças podem resultar em “desequilíbrios econômicos” como crédito mais caro para a casa própria, a redução de recursos para habitação popular e saneamento básico e do aumento do custo do crédito de longo prazo para infraestrutura.

As instituições privadas reclamam que o FGTS representa uma enorme fonte de dinheiro com baixíssimo custo para a Caixa, o que distorceria o funcionamento do mercado bancário. Isso aconteceria porque o fundo representa uma parcela relevante do chamado “funding” do banco estatal. Para efeito de comparação: o FGTS já representa 70% do total depositado nas cadernetas de poupança no País.

Outro argumento pela mudança no FGTS também se apoia em operações recentes que geraram prejuízo ao trabalhador, como o Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) que alocou parte do dinheiro em empresas envolvidas em casos de corrupção como a Sete Brasil e a Odebrecht.

A pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e consultora em financiamento habitacional, Cláudia Magalhães Eloy, diz que a mudança do sistema poderia ajudar a aumentar a oferta de crédito imobiliário no longo prazo, mas é preciso ter cautela para não haver distorção do papel do fundo. “Há potencial positivo para o crédito, mas, ao mesmo tempo, é preciso lembrar que os privados têm dificuldade em alocar recursos da poupança no crédito imobiliário e muitas vezes optam pelas operações mais rentáveis. Além disso, com apenas cinco grandes a concorrência entre bancos não é grande”. (TBV)

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