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Quase 81% das famílias têm dívidas com o cartão de crédito, aponta pesquisa da CNC.
Quase 81% das famílias têm dívidas com o cartão de crédito, aponta pesquisa da CNC.| Foto: Aniele Nascimento/Arquivo/Gazeta do Povo

Dois em cada três brasileiros têm algum tipo de dívida. A constatação é de duas pesquisas: uma feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a outra da consultoria Kantar. O cenário coincide justamente com o momento em que há um recorde no saldo de empréstimos no Sistema Financeiro Nacional (SFN). O crédito alcançou, em março, 54,4% do PIB.

“A necessidade de busca por mais crédito é um dos efeitos da pandemia, justamente quando o mercado de trabalho se mostra fragilizado, com recordes na taxa de desemprego e de desalento, e inflação em alta", explica Izis Ferreira, economista da CNC. No período de 12 meses até abril, o IPCA acumulou variação de 6,76%, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo a Kantar, com o aprofundamento da crise causada pela pandemia, o aumento do desemprego e a alta nos preços, os brasileiros perderam poder de compra. Em média, o gasto superou a renda das famílias em 13%.

Isto é menos evidente no Centro-Oeste, onde, na média, as famílias conseguiram manter o orçamento equilibrado, até com uma pequena margem de sobra. A justificativa, de acordo com a empresa de pesquisa, é o bom momento do agronegócio na região, que fez com que ela dependesse menos do auxílio emergencial.

“O valor da produção agrícola quase dobrou em dez anos; a região apresentou recordes nas colheitas de soja e milho; além de ter o mais numeroso rebanho do país. Em 2020, houve o maior valor bruto da produção agropecuária da história”, afirma Luiza Teruya, coordenadora de marketing da divisão Worldpanel da Kantar.

Casais com filhos pequenos tiveram maior impacto na renda

Domicílios de casais com filhos pequenos ou monoparentais, representantes de 19% e 26% da população brasileira, respectivamente, foram os que mais sofreram financeiramente em 2020, durante a pandemia, aponta a empresa de pesquisa.

O levantamento mostra que esses lares têm a menor renda per capita e maior comprometimento do bolso, com gastos superando a renda em cerca de 20%. Os monoparentais passaram a gastar menos com habitação e mais com serviços públicos, enquanto os casais com crianças seguem a tendência inversa.

Estratégias para driblar o aperto no orçamento

Uma estratégia adotada pelas famílias brasileiras diante do aperto na renda e aumento na inflação foi o redirecionamento dos gastos, aponta pesquisa feita pela Kantar. As classes A e B diminuíram os gastos com empregada doméstica, em relação a 2019, e com manutenção e reforma do lar.

O aluguel de imóveis representou um quarto dos gastos de quase 17% das famílias, principalmente nas classes C, D e E. Os reajustes vêm vindo com força nos últimos meses por causa da forte alta no IGP-M, indexador utilizado em parte dos contratos. Nos 12 meses encerrados em maio, o indicador fechou com uma alta de 37,04%.

“Os lares das classes A, B, D e E que pagam aluguel diminuíram gastos com alimentação e priorizaram outras cestas de consumo, como bebida alcoólica e artigos de limpeza nas classes A e B, e higiene pessoal e frutas, legumes e verduras nas classes D e E”, aponta Luiza, da Kantar.

Segundo ela, a classe C foi a única que manteve os gastos com alimentação, mesmo pagando aluguel, com destaque para doces, salgadinhos e pratos prontos congelados.

A coordenadora destaca que o consumo de alimentos e bebidas dentro do lar, higiene e limpeza caseira representaram quase 60% dos gastos das classes D e E em 2020, enquanto despesas fixas como habitação, serviços públicos e com animais ficaram concentradas nas classes A e B.

“As classes D e E foram mais impactadas com gastos com habitação, passando de 18% em 2019 para 22% em 2020, e no setor de alimentação aumentaram o consumo de frutas, legumes e verduras, igualando esses gastos aos das classes A e B”, diz Luiza.

Entre os gastos com serviços públicos, energia elétrica foi o que mais pesou no bolso do brasileiro durante 2020. As classes mais baixas foram as mais afetadas, chegando a uma variação de 30% nessa despesa em relação a 2019.

Apelo ao crédito

Um dos mecanismos mais utilizados para se defender das pressões negativas sobre o orçamento doméstico é o cartão de crédito. Quase 81% das famílias endividadas usaram este recurso. “Um dos destinos é a compra de bens essenciais. É uma forma de rolar a dívida para a frente”, explica a economista.

O endividamento cresceu principalmente entre as famílias que recebem até dez salários mínimos por mês. E deve ter impactado mais as que vivem na informalidade. Izis Ferreira, da CNC, lembra que o ano iniciou sem o auxílio emergencial e que as primeiras parcelas foram pagas somente em abril.

A necessidade por mais crédito no primeiro semestre também é sazonal. Tradicionalmente, nos primeiros meses do ano há o pagamento de contas como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), rematrículas e material escolar.

Impactos da queda nos juros

Outro fator que contribuiu para o maior nível de endividamento foi a manutenção da Selic, a taxa básica de juros, em 2% ao ano – o menor nível histórico – entre agosto de 2020 e março de 2021.

Isso fez com que o juro médio que as instituições financeiras cobram das pessoas físicas chegasse ao piso de 23,16% ao ano em dezembro, segundo o Banco Central (BC). “As taxas de juros em patamares baixos favoreceram a repactuação de dívidas, com o objetivo de evitar a inadimplência”, comenta a economista da CNC.

O movimento de baixa de juro também contribuiu, principalmente entre as famílias de renda maior, para a aquisição de carros e imóveis, duas linhas de crédito de longo prazo. A Kantar detectou uma tendência de migração das classes D e E do aluguel para o financiamento, passando de 5% dos gastos, em 2019, para 12%, em 2020.

“Os juros baixos e taxas atrativas para aquisição de moradia própria ou para investimento levaram a um aumento do mercado de financiamento imobiliário em 2020”, aponta Luiza.

Inadimplência em queda

A inadimplência – o não pagamento das dívidas – caindo. Segundo a entidade empresarial, a taxa caiu por oito meses consecutivos até abril, quando 24,2% das famílias tinham compromissos pendentes. O índice teve ligeira alta em maio, para 24,3%, mas ainda assim ficou 0,8 ponto percentual abaixo da verificada no mesmo mês de 2020.

“Mesmo com dificuldades, as famílias vêm fazendo esforços para quitar os compromissos assumidos”, diz Izis Ferreira, da CNC. É um movimento que ela vê com maior força entre as famílias de renda menor, pois consideram que o nome limpo é um importante ativo a ser preservado.

A proporção de famílias com contas ou dívidas em atraso e que recebem até dez salários mínimos por mês caiu de 27,2% em março para 26,9% em abril, e depois foi a 27,1% em maio. No grupo com renda superior a dez salários mínimos, o percentual variou de 12,2% em março para 12,3% em abril, e depois para 11,9% em maio.

O que também ajudou a manter a inadimplência controlada, aponta a economista, foi a poupança feita durante os piores momentos da pandemia. O Centro de Estudo de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe) estima que entre o segundo e o terceiro trimestre de 2020 foram guardados R$ 265 bilhões.

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