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Com guerra na Ucrânia, brasileiro vai conviver mais tempo com preços e juros altos
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As famílias brasileiras terão de conviver mais tempo com a inflação elevada. O principal reflexo econômico de curto prazo da invasão russa à Ucrânia será o avanço dos preços. E, consequência direta disso, a tendência é de juros mais altos e por mais tempo.

“A guerra intensifica o choque de custos que já havia com as cadeias produtivas desestruturadas”, afirma Tatiana Nogueira, economista da XP Investimentos. E não bastasse isso, havia uma demanda aquecida.

Os principais impactos deverão vir por conta do encarecimento do petróleo e das commodities agrícolas. “Dadas as restrições financeiras impostas à Rússia, menor oferta de petróleo e gás e possível interrupção no suprimento de grãos provenientes da região, o preço dessas commodities disparou no mercado internacional”, aponta relatório semanal do Bradesco.

O último relatório trimestral da inflação, divulgado em dezembro pelo Banco Central, aponta que o petróleo e as commodities agrícolas são os itens que mais pressionam a alta de preços no Brasil. Pelos cálculos do BC, uma alta de 10% no preço do petróleo do tipo Brent, tem impacto de 0,66 ponto percentual na inflação após quatro trimestres.

Na segunda-feira, o barril chegou a encostar na marca de US$ 140, depois que a Casa Branca afirmou estar negociando com outros países a possibilidade de um embargo ao petróleo russo. O preço atingiu seu maior nível desde 2008 – embora os contratos futuros do petróleo tenham fechado em forte queda nesta quarta-feira (9).

Para evitar maiores impactos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL), defendeu a revisão da política de preços da Petrobras para conter a alta nos combustíveis. No Brasil, desde o início do ano, a gasolina teve uma variação nos preços de -1,64% e o diesel, de 3,99%, segundo o IPCA-15, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E desde o início da invasão russa à Ucrânia, no dia 24, o barril do petróleo tipo Brent teve uma elevação de 30% em dólares.

Medidas estão em discussão no Congresso, como a possibilidade de zerar a tributação federal sobre os combustíveis. O governo também cogita a possibilidade de estabelecer um subsídio para os combustíveis que duraria de três a seis meses. Mas, segundo a analista da XP, os pacotes em discussão terão apenas o papel de mitigar as elevações nos preços dos combustíveis.

O peso da Rússia e da Ucrânia sobre a oferta de commodities agrícolas

A Rússia responde por aproximadamente 10% da produção mundial de petróleo e 20% da oferta de gás natural. E, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), os dois países envolvidos no conflito respondem por 28,3% da oferta mundial de trigo e 19,5% do milho.

Segundo o Itaú BBA, a disponibilidade internacional das duas commodities já era limitada e o bloqueio das vendas externas, por sanções ou problemas logísticos, pode sustentar ou até aumentar ainda mais os preços, que se encontram em patamares elevados.

A reboque, a alta dos preços de trigo e milho pode impactar no preço da soja, mesmo que Rússia e Ucrânia não sejam grandes produtores da oleaginosa. “Tais commodities competem entre si no que diz respeito a alocação de área a ser plantada e são substitutos nas rações”, informa o Itaú BBA. Isto traz impactos indiretos para a produção de proteína animal.

Preços de petróleo mais elevados também tendem a beneficiar a produção de biocombustíveis, influenciando nos preços da soja.

Com preços subindo, Banco Central pode aumentar ainda mais os juros

Economistas do Itaú apontam que em um quadro de inflação bastante elevada no mundo, as pressões adicionais sobre preços de commodities também levarão a oscilações na percepção dos mercados sobre altas nas taxas de juros ao redor do globo, e seus efeitos sobre o crescimento econômico.

Os impactos também deverão ser sentidos no Brasil. “O comitê [de Política Monetária, o Copom do Banco Central] alerta sobre os riscos pela incerteza da política fiscal e observa o elevado nível de incerteza decorrente dos preços de ativos e commodities. Com o conflito no Leste Europeu, o comitê deve reforçar esta preocupação à frente”, aponta relatório do Itaú.

Segundo o banco, o mercado irá monitorar de perto a reação dos membros do Copom aos impactos da guerra nos preços, visto que a maior pressão inflacionária sobre combustíveis e grãos pode levar a uma mudança no plano de voo, com uma taxa terminal ligeiramente maior.

Bancos, corretoras e consultorias projetam que a taxa Selic chegará a 11,75% ainda neste mês e a 12,25% no final do ano, segundo dados da pesquisa Focus, divulgada na segunda (7) pelo BC. Mas já há especialistas trabalhando com o cenário dos juros indo a 14%, principalmente por causa do avanço nos preços do petróleo.

A economista da XP não acredita que serão necessários aumentos adicionais na taxa Selic para controlar a inflação. “O BC se antecipou nas altas de juros desde o ano passado. O que vai acontecer é que será necessário conviver por mais tempo com uma taxa de juro mais elevada. O corte nos juros foi postergado.”

Outro aspecto que é descartado é a convergência para as metas da inflação, ou seja, a aproximação à meta. Analistas descartam que ela ocorra em 2022 e, mesmo para 2023, o cenário é complicado.

“Já está havendo uma desancoragem das expectativas”, afirma Tatiana. A meta para o próximo ano é de 3,25%, com uma variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. E o ponto médio das expectativas já está em 3,51%, segundo o último relatório Focus.

"A única certeza é a completa incerteza", diz gestora

Analistas da gestora de fundos Infinity Asset apontam que, em um cenário como o atual, "a única certeza é a completa incerteza", dadas as características imponderáveis dos eventos – exemplo disso é que, até recentemente, acreditava-se que Putin fazia das movimentações militares uma bravata para evitar que a Ucrânia se unisse à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

“Muitos analistas ainda acreditam nisso e veem no movimento russo um erro de cálculo, que vai desde a reação dos ucranianos, o que surpreendeu Putin, pois não aconteceu na Crimeia em 2014, até a expectativa que, devido ao arsenal nuclear, o restante do mundo não interferiria no evento, o que aconteceu por via financeira”, cita relatório da gestora.

Choque internacional nos preços e juros

O resultado desse cenário bélico fará, de acordo com o Bradesco, causar novo choque em grande parte dos países. "Somado a isso, devemos considerar os impactos baixistas sobre a atividade econômica, diante das incertezas decorrentes do conflito em si, dos efeitos dos preços de commodities mais elevados sobre a renda e, principalmente, das restrições da oferta de energia”, apontam os economistas do banco.

Eles consideram que os efeitos devem se concentrar principalmente neste primeiro semestre e a Europa deve ser a região mais afetada. Antes do início do conflito, em janeiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava que o continente cresceria 3,9% neste ano.  “Os países desenvolvidos não vão se dar ao luxo de não reagir em relação a esta situação”, diz Tatiana, da XP.

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