
A especulação imobiliária já atinge imóveis construídos com recursos do programa federal Minha Casa, Minha Vida que nem sequer foram entregues aos proprietários. Alguns apartamentos subsidiados com verbas federais e adquiridos por meio das filas da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), pelo sistema Imóvel na Planta, também do governo federal, estão sendo revendidos com ágio de até 109%. Essas operações inflacionam o preço do mercado imobiliário local e desvirtuam a finalidade do Minha Casa, que busca garantir acesso a moradia para famílias da chamada faixa de interesse social, com renda de até seis salários mínimos.
Um apartamento no Residencial Araucária, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), que foi comercializado na planta para famílias cadastradas na Cohab por R$ 55 mil, está sendo oferecido em um site de anúncios imobiliários por R$ 115 mil. De acordo com uma corretora da imobiliária Amorin, responsável pelo anúncio, a operação consiste no pagamento de uma entrada no valor de R$ 55 mil que quitaria o financiamento do comprador original e no refinanciamento da diferença de R$ 60 mil pelo novo comprador na Caixa Econômica Federal.
O novo comprador, no entanto, não poderá contar com os subsídios do Minha Casa e nem com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como parte da entrada. O primeiro comprador, por sua vez, fica impedido de comprar outro imóvel enquadrado no Minha Casa ou no Imóvel na Planta as regras desses programas determinam que as famílias só podem ser beneficiadas uma vez.
Desvirtuamento
O apartamento na CIC, previsto para ser entregue em janeiro de 2011, entrou como parte do pagamento de um sobrado no valor de R$ 250 mil pelo seu comprador inicial dos quais cerca de R$ 100 mil devem ser abatidos após a concretização da venda, agora sob responsabilidade da construtora do sobrado. Com esse tipo de operação, o programa de moradias de interesse social acaba ajudando a financiar residências de classe média alta para seus beneficiários.
O mecânico Ezequiel Benites Caetano, comprador inicial do imóvel no conjunto Araucária, diz que fez inscrição na fila da Cohab há cerca de três anos, e que foi convidado a financiar o imóvel pelo programa Imóvel na Planta.
Esse sistema permite a compra de imóveis de baixo padrão para famílias com renda até R$ 3,5 mil, mas sem os subsídios do Minha Casa ou da Cohab. Segundo ele, a própria Cohab teria informado em reuniões que não haveria restrições para futura comercialização do imóvel. "Se existe irregularidade não estou ciente disso. Não existe má fé nem da minha parte nem da corretora", afirma. Ele diz que optou pela compra de um sobrado por uma questão de necessidade de espaço.
"Oportunidade"
Outro apartamento da Cohab, no residencial Floresta, no bairro Santa Cândida, em Curitiba, com valor inicial de R$ 55 mil, está à venda por R$ 65 mil. Nesse caso, o comprador interessado deve pagar R$ 43 mil de entrada e assumir o financiamento de R$ 22 mil restantes. A transação é feita sob o chamado "contrato de gaveta", em que o comprador original se compromete a fazer a transferência do imóvel ao término do financiamento.
O corretor de imóveis Lindomar Alves Cavalheiro, proprietário do imóvel, conta que também financiou o apartamento pelo Imóvel na Planta, que permite a revenda. "É tudo dentro das regras", afirma. O corretor oferece o imóvel como oportunidade de investimento. "Com o mercado do jeito que está, o imóvel pode ser vendido por até R$ 150 mil dentro de um ano", prevê.
Envolvidos podem ser punidos, afirma Cohab
A Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) reconhece a existência de operações especulativas com imóveis adquiridos através dos programas de financiamento e garante que os envolvidos tanto vendedor quando comprador podem ser punidos.
Segundo o presidente da entidade, João Elias de Oliveira, ao detectar transações financeiras com esses imóveis, o órgão pode entrar na Justiça pedindo a reintegração de posse do bem revendido. "Quem vende é responsabilizado por lucrar em cima de um programa social do governo. E o comprador é implicado pois se beneficiou ao adquirir um imóvel com preço abaixo do mercado", justifica.
Em Curitiba, a Cohab firmou um convênio com a Caixa Econômica Federal para organizar o financiamento pelo programa. Em 2010, 4.916 unidades do Minha Casa Minha Vida estão sendo construídas por meio dessa parceria.
Dificuldade
A histórica "fila da Cohab ", organizada desde os anos 1980, demonstra a concorrência para a obtenção de um financiamento imobiliário. Atualmente, 71 mil famílias curitibanas aguardam pela obtenção de uma linha de crédito. "Por isso é importante frisar que os programas sociais do governo devem ser usados somente para a aquisição da casa própria, e não como meio para gerar lucro", ressalta Oliveira.
Segundo a Caixa Econômica Federal, a legislação não proíbe que o imóvel oriundo dos programas federais seja comercializado antes da quitação integral do financiamento. "O que a legislação estabelece é que o subsídio seja concedido apenas uma vez ao adquirente e, portanto, em eventual pedido de novo financiamento, não importa quando ocorrer, esse indivíduo não mais terá acesso a novos subsídios", afirma o agente financeiro, em nota. "Como qualquer outro banco, [a Caixa] não interfere no valor pelo qual eventualmente o imóvel seja revendido, pois trata-se de uma operação de mercado."
O banco estatal afirma que o limite de valores existe apenas na primeira transação do imóvel, ou seja, na venda da construtora para o beneficiário do programa. Nesse caso, é proibida a cobrança de qualquer valor fora daqueles previstos no contrato de financiamento ou acima dos limites do programa. "Nessas situações, qualquer denúncia fundamentada apresentada à Caixa será objeto de apuração e, se for o caso, de apresentação de denúncia crime".
* * * * * * *
Interatividade
O que fazer para evitar que programas de interesse social sirvam para a especulação imobiliária?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor




