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Maiores pressões sobre a economia estão se deslocando do presidente do BC, Roberto Campos Neto, para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.| Foto: Raphael Ribeiro/BCB

A piora nas contas públicas está elevando as incertezas em relação ao crescimento da economia brasileira nos próximos anos.

"A dificuldade de aumentar a arrecadação para fazer frente ao aumento de gastos permitido pelo regime fiscal resultará na mudança de meta não só para 2024, mas também para 2026. Esse aumento na percepção de risco reflete-se principalmente em um nível de incerteza maior, pesando nas principais variáveis econômicas", diz Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria Tendências.

Depois de um superávit em 2022, o governo federal fechou 2023 com déficit primário de R$ 230,5 bilhões, o segundo maior da história.

Mesmo descontando os efeitos do pagamento de precatórios e de compensações a estados e municípios, ainda haveria um rombo de R$ 117,2 bilhões no ano, resultado da combinação de forte aumento nas despesas e queda na arrecadação.

O cenário básico da consultoria, com probabilidade de 65%, aponta que o governo não atingirá uma taxa de sucesso elevada na recomposição da carga tributária, o que dificulta o ajuste desenhado no novo arcabouço fiscal pela equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Pelas contas da consultoria, nesse cenário mais provável o crescimento econômico será de 2,4% ao ano, em média, até 2033.

As maiores incertezas deste cenário encontram-se diante da fraqueza precoce da coalizão governista e do capital político limitado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na definição da agenda legislativa.

"O ciclo econômico projetado no cenário básico é reflexo de um governo inseguro com o seu capital político e, portanto, com reflexos para a agenda econômica. Essa relutância em emprestar capital político para a aprovação da agenda é resultado da divisão entre esquerda e direita dentro da coalizão governista", destaca a consultoria.

Segundo ela, a agenda econômica que serve de ponto de partida para a definição das projeções do cenário é resultante da divisão de poderes, o que limita o sucesso da gestão fiscal e ao mesmo tempo impede voluntarismos econômicos do governo.

Um dos efeitos dessa dispersão pode ser observado no longo processo de aprovação da reforma tributária do consumo, com a criação do IVA dual e uma quantidade relevante de regimes especiais e alíquotas reduzidas – o que pode fazer com que a alíquota-base do novo imposto fique em torno de 27,5% ou até mais, uma das mais altas do mundo.

As pressões políticas em torno da agenda econômica são constantes nesse cenário, com as tensões se deslocando do Banco Central para o Ministério da Fazenda. A expectativa é de que a equipe econômica continue a não ter o respaldo necessário para o encaminhamento da estratégia fiscal.

A Tendências aponta que a preservação do capital político de Lula aparece na pouca disposição do governo de fazer contingenciamento de despesas para conter a frustração de despesas. Isso, de acordo com a consultoria, deve resultar em revisão das metas de superávit primário definidas pela equipe econômica para os próximos anos.

"A política fiscal passa a ser objeto de desconfiança dos agentes, com efeitos negativos nas expectativas, o que deve resultar em um patamar mais elevado da taxa de juros ao longo do tempo e também afetado pela cena internacional", informa a consultoria. Este quadro acaba por limitar o crescimento do PIB.

Cenário pessimista é influenciado por questões globais e fragilidade política

A consultoria trabalha com outros dois cenários para a economia brasileira. O pessimista, com probabilidade de 25%, decorre de um cenário bastante perverso para as economias emergentes. Esse quadro é influenciado por dois elementos relevantes:

  1. continuidade de apertos monetários nas economias avançadas; e
  2. instabilidade política em função da amplitude dos riscos geopolíticos, aumentando a era do protecionismo econômico no contexto global.

Aspectos domésticos também contribuem para esse cenário: "A fragilidade política do governo resulta em dificuldade de aprovação da agenda para aumento da arrecadação, o que alimenta de maneira mais expressiva os riscos sobre a sustentabilidade das contas públicas".

Nesse cenário, para tentar conter a perda de popularidade decorrente dos efeitos negativos do ambiente global e da maior percepção de risco doméstica, o governo reforçaria políticas para estimular o crescimento econômico por meio de estatais, crédito subsidiado pelos bancos públicos e mudanças no Banco Central. Nessa conjuntura, a economia cresceria apenas 1,5% ao ano até 2033, em média, pelas contas da Tendências.

Cenário otimista depende de mais apoio à agenda de Haddad

Outro cenário apresentado pela Tendências é o otimista, com probabilidade de apenas 10%. Ele contempla que, no âmbito doméstico, a ampla coalizão do governo passaria a dar apoio mais sistemático à agenda de recuperação de receitas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Este cenário também considera a aprovação da reforma tributária do consumo com redução dos regimes especiais e alíquotas reduzidas, aproximando-se de uma proposta ideal. Neste caso, a economia cresceria, em média, 3,1% ao ano no período citado.

Incertezas no cenário internacional são desafiadoras

Um complicador para os países emergentes é o cenário internacional desafiador, resultado de questões econômicas e de um ambiente conflituoso na cena geopolítica.

Segundo Ribeiro, a economia global, além da desaceleração mais pronunciada em 2024, deve enfrentar um período de crescimento abaixo dos índices registrados no pré-pandemia e juros relativamente mais elevados. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento de 3,1% para a economia mundial em 2024 e de 3,2% para 2025.

Os bancos centrais das principais economias globais estão encerrando o ciclo de alta nos juros, mas as taxas devem permanecer em níveis altos no curto prazo.

Ainda que o Federal Reserve (o BC norte-americano) e o Banco Central Europeu iniciem a redução em meados deste ano, as taxas devem permanecer acima dos níveis pré-pandemia. Um dos fatores que contribuem para isso são as crescentes dificuldades fiscais nas maiores economias, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.

O ritmo de crescimento da China, segunda maior economia do mundo, está desacelerando. Dos 5,2% projetados pelo FMI para 2023, deve cair para 4,1% em 2025. O governo chinês vem tentando suavizar a queda, mas persistem desafios estruturais ligados ao forte endividamento público e privado, excesso de capacidade em diferentes setores, demografia desfavorável e a necessidade do cumprimento de metas ambientais.

Questões geopolíticas também terão peso nos próximos anos. As tensões entre chineses e norte-americanos seguem como fonte de risco. O resultado das eleições nos Estados Unidos, em novembro, poderá redefinir o papel da política externa do país.

Além disso, há evidências crescentes na direção de maior protecionismo por parte dos países. E, se de um lado espera-se maior segurança na cadeia de suprimentos e melhora logística, de outro há potencial perda de eficiência do processo com adoção de práticas como o nearshoring (compra de insumos e matérias-primas de países próximos) e o friendshoring (compra de insumos e matérias-primas de países amigos), tendo em vista que o critério do menor custo deixa de ser o principal na definição dos locais de produção.

Também merece destaque a questão da transição energética, devido às implicações nos próximos anos. Apesar de a consultoria destacar que a migração para fontes mais limpas e sustentáveis seja uma imposição, questões relacionadas a custos e eficiência tornam esse processo mais desafiador.

"De forma geral são questões que apontam para o risco de uma era de maiores custos e, consequentemente, de inflação global mais pressionada, em especial quando comparada ao pré-pandemia", ressalta a Tendências em seu relatório.

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